Êxodo das metrópoles: como cidades médias redesenham a economia brasileira

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Uma profunda transformação econômica acontece no Brasil nas duas últimas décadas. Se entre os anos 1950 e 1980 o país viveu um ciclo de concentração nas grandes metrópoles, impulsionado pela industrialização e pela urbanização acelerada, desde os anos 2000 o crescimento mudou de direção e passou a migrar para o interior.As grandes capitais, que por séculos concentraram oportunidades, empregos e infraestrutura, começaram a ceder espaço às cidades médias. A migração rumo a municípios com 150 mil a 500 mil habitantes se intensificou, revelando um novo padrão de vida urbana. Menos caótico e mais acessível, mas ainda cheio de contradições, como mostra uma pesquisa inédita da IMO Insights, agência especializada em dados e comportamento.O estudo indica que, embora as populações dessas cidades ganhem tempo e tenham mais segurança e qualidade de vida, ainda convivem com a falta de opções de lazer, comércio e serviços básicos. Conforme o levantamento, 85% dos entrevistados afirmam não ter onde se divertir e 53% dizem não encontrar tudo o que precisam comprar.“Essas cidades oferecem um cotidiano mais equilibrado, mas ainda enfrentam um déficit importante de infraestrutura em lazer, consumo e mobilidade. Isso indica um espaço de oportunidade tanto para o setor privado quanto para o público”, afirma o CEO da IMO, Lucas Silva. Segundo o professor William Ribeiro, do Departamento de Geografia da UFRJ, o fenômeno reflete não apenas uma mudança demográfica, mas também uma reorganização produtiva do território nacional.“As cidades que mais cresceram no Brasil nos últimos 25 anos não foram as metrópoles, mas as chamadas cidades médias. Essas localidades passaram a exercer um papel de intermediação na rede urbana, abrigando atividades econômicas que antes estavam concentradas nas capitais”, afirma Ribeiro. Leia Mais: Silver Money: a nova onda de oportunidades de negócios para 50+ no BrasilMapa populacionalO movimento de interiorização é consequência direta das chamadas deseconomias de aglomeração, fatores que tornam a vida nas grandes metrópoles cada vez mais cara e complexa, como violência, trânsito, custo de moradia e saturação da infraestrutura.Desde o Censo do IBGE de 2010, o país constata essa tendência inédita. São Paulo, por exemplo, registrou taxa migratória negativa pela primeira vez, e o Rio de Janeiro também vem perdendo população. Em contrapartida, cidades médias do interior, como Luís Eduardo Magalhães (BA) e Sorriso (MT), figuram entre as que mais crescem no país.Hoje, cerca de 28% da população brasileira vive em cidades médias, e esse contingente aumenta de forma consistente. A pesquisa da IMO mostra que 30% dos moradores se mudaram nos últimos dez anos e outros 30% chegaram há mais de uma década, o que significa que apenas 40% dos residentes são nativos.As principais motivações para a mudança são a proximidade da família e melhores oportunidades de trabalho, seguidas por dificuldades na cidade anterior (30%), melhor custo de vida (10%), desejo de deixar grandes centros (10%) e busca por estudo (9%).“Embora cada história seja única, há um padrão de redes familiares que impulsionam essas migrações: raramente alguém vai sozinho. Geralmente, segue os passos de parentes que já se estabeleceram ou abre caminho para que outros venham depois”, explica Silva.Leia mais: Economia compartilhada já tem impacto similar ao de setores tradicionais, diz estudoO novo eixo da economiaAs cidades médias já não são apenas destinos alternativos, tornaram-se o novo eixo de expansão econômica e social do país. Com crescimento populacional acima da média e custo de vida mais competitivo, esses municípios representam uma redistribuição geográfica do consumo, da renda e do investimento imobiliário.Contudo, a pesquisa da IMO aponta que esse avanço ocorre de forma descompassada, revelando um vasto campo de oportunidades para o setor privado e um desafio estrutural para as políticas públicas. “O Brasil está se interiorizando. A economia, o consumo e o comportamento estão migrando junto. O desafio agora é transformar essas cidades em polos de qualidade de vida, com infraestrutura compatível com o ritmo do seu crescimento”, afirma o executivo.Apesar dessa falta de infraestrutura, as pessoas reconhecem os ganhos que conquistaram em suas vidas ao se mudar para cidades menores, tendo mais tempo, mais segurança, custo de vida mais baixo e uma vida mais equilibrada. Por isso, estão dispostas a permanecer nelas, segundo a IMO.Do agronegócio à indústriaA interiorização da economia tem múltiplas causas. Um dos vetores mais relevantes é o agronegócio, cuja expansão para o Centro-Oeste e partes do Sudeste e Norte reconfigurou a ocupação do território.“A partir dos anos 1980 e, sobretudo, nos 1990, houve uma forte disseminação de polos agroindustriais, impulsionados por avanços tecnológicos e pesquisas da Embrapa. Isso criou o que chamamos de ‘cidades do agronegócio’, locais que se tornaram centros de pesquisa, comércio e serviços vinculados à produção agrícola”, explica Ribeiro.Essas cidades, situadas em estados como Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Tocantins, passaram a concentrar desde laboratórios de melhoramento genético até feiras agropecuárias e comércio especializado em implementos agrícolas, gerando empregos, renda e aquecimento imobiliário.A indústria também teve papel central nesse deslocamento. A partir dos anos 1990, as “deseconomias de aglomeração” levaram empresas a buscar novos polos produtivos fora das metrópoles. “Quando uma região como o ABC Paulista se torna cara, com altos custos trabalhistas e logísticos, as empresas começam a se deslocar para áreas com vantagens competitivas”, diz Ribeiro, citando o caso de montadoras que se instalaram em cidades como Resende (RJ) e São José dos Pinhais (PR).Esse movimento, além de desconcentrar a produção, estimulou o que Ribeiro chama de amadurecimento territorial, fortalecendo novos centros regionais com capacidade de gestão e comando econômico.Qualidade de vida Se há um ganho evidente nessa mudança, ele é o de tempo: 70% dos moradores de cidades médias levam cerca de 30 minutos até o trabalho, enquanto nas metrópoles esse privilégio é realidade para apenas 36%. O deslocamento até os centros comerciais também é mais rápido, com 42% das pessoas chegando em até 10 minutos e 38% entre 10 e 30 minutos.A mobilidade, no entanto, ainda depende fortemente do carro particular. Cerca de 82% dos entrevistados dizem precisar de veículo próprio por causa da ineficiência do transporte público. O crescimento populacional, mais rápido que o avanço da infraestrutura, tem levado prefeituras a enfrentarem dificuldades para acompanhar a expansão urbana. “A mobilidade virou marcador social. Ter carro é sinônimo de autonomia, reflexo de cidades que ainda não oferecem alternativas coletivas eficientes”, aponta a pesquisa, realizada entre 16 de maio e 9 de junho de 2025, com 1.000 Outro ponto sensível é o acesso à saúde. Quase metade dos moradores (48%) precisa recorrer a cidades vizinhas para realizar consultas ou exames. O estudo revela uma percepção ambígua sobre o SUS: visto ao mesmo tempo como solução e gargalo.“Há um medo latente de depender apenas da estrutura pública, que nem sempre é suficiente. Por isso, famílias com maior poder aquisitivo recorrem a clínicas e hospitais em outras cidades, enquanto clínicas populares ganham espaço oferecendo atendimento acessível e com pagamento facilitado”, explica Silva.A carência também aparece na infraestrutura cultural e de lazer. Com poucas opções, o lar se tornou o principal ponto de convivência social: 87% dos moradores afirmam que seu lazer acontece dentro de casa, e 39% planejam reformar a residência nos próximos 12 meses. Esse dado ajuda a explicar o crescimento dos setores de decoração, eletrodomésticos e streaming nas cidades médias.Além disso, 71% dos entrevistados recorrem às redes sociais diariamente como forma de entretenimento, reforçando a digitalização do lazer e a mudança de hábitos de consumo. “O lar é onde se vive, trabalha e se diverte. Isso tem implicações diretas para o mercado imobiliário e de consumo, que precisa se adaptar a esse novo estilo de vida híbrido”, afirma o executivo.Prosperidade A interiorização também se reflete nos setores de consumo e serviços. Se até os anos 1980 os shopping centers existiam apenas nas grandes capitais, hoje se multiplicam nas cidades médias, impulsionados pela expansão de franquias, redes de varejo e mercados regionais.Ribeiro observa que esse processo impulsiona uma nova dinâmica imobiliária: condomínios fechados e empreendimentos de médio e alto padrão começam a surgir nessas localidades, acompanhando o avanço de profissionais qualificados e investidores do agronegócio.Urbanização Mas, apesar do vigor econômico, o professor alerta para um aspecto ainda pouco discutido: a ideia de que as cidades médias seriam espaços homogêneos, de alta qualidade de vida e baixa desigualdade.“É importante desmistificar isso, porque as contradições sociais das metrópoles se reproduzem nas cidades médias, mas de outra forma. A segregação espacial é intensa. Nessas cidades, condomínios de luxo convivem com áreas vulneráveis, e o contraste é mais visível — e, muitas vezes, mais doloroso”, diz Ribeiro.O fenômeno da interiorização, no entanto, marca uma nova fase da urbanização brasileira, menos concentrada, mais distribuída e mais complexa, segundo o professor. “É uma mudança estrutural importante, que redefine o mapa econômico do país.”The post Êxodo das metrópoles: como cidades médias redesenham a economia brasileira appeared first on InfoMoney.