Na segunda-feira (10), Belém se tornou o centro das discussões climáticas globais com o início da 30ª Conferência das Partes (COP30), que vai até 21 de novembro. Líderes de quase 200 países, cientistas e ativistas se reúnem com a missão de acelerar a redução de emissões de gases estufa e fortalecer a adaptação às mudanças climáticas.Em 30 anos de história, a COP registrou alguns consensos e avanços importantes, que acabaram sendo ofuscados por fracassos e promessas não cumpridas.A jornada começou em Berlim, 1995, na COP1, onde se iniciaram as negociações para metas específicas de redução de emissões para países desenvolvidos. Desde então, a diplomacia climática coleciona marcos importantes, mas também uma série de frustrações que alimentam a narrativa sobre sua verdadeira eficácia.Os avançosO primeiro grande feito das negociações climáticas foi o Protocolo de Kyoto, assinado na COP3, em 1997. Ele foi o primeiro acordo a estabelecer metas juridicamente vinculantes de redução de emissões para as nações industrializadas, prevendo um corte médio de 5,2% em relação aos níveis de 1990. Apesar de considerado um passo fundamental, seu impacto foi limitado pela não ratificação dos Estados Unidos, um dos maiores emissores globais.O avanço mais significativo veio quase duas décadas depois, na COP21, em 2015: o Acordo de Paris. Visto como a maior conquista da diplomacia climática, o tratado uniu 195 países em um esforço comum para manter o aquecimento global “bem abaixo de 2°C”, com esforços para limitá-lo a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.Sua principal inovação foi o sistema de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), no qual cada país, incluindo os em desenvolvimento, define suas próprias metas de redução de emissões.Mais recentemente, o Pacto Climático de Glasgow, na COP26 (2021), obteve um avanço simbólico ao ser o primeiro documento final de uma COP a mencionar explicitamente a necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis, embora a linguagem tenha sido suavizada de “eliminar” para “reduzir gradualmente”.Já na COP27 no Egito, um pleito das nações mais vulneráveis foi atendido com a criação do Fundo de Perdas e Danos. O mecanismo foi desenhado para fornecer assistência financeira a países que sofrem os impactos mais severos de desastres climáticos, como secas e inundações, reconhecendo a responsabilidade histórica das nações que mais emitem poluentes.Então presidente do Brasil Dilma Rousseff assina o acordo na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre mudanças climáticasAs promessas não cumpridasApesar dos acordos celebrados, o histórico das COPs é marcado por uma lacuna entre o que é prometido e o que é implementado. A promessa mais emblemática e não cumprida foi feita na COP15, em Copenhague (2009): os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para apoiar as nações em desenvolvimento no combate à crise climática. Os dados também expõem o fracasso coletivo. Desde a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) em 1992, as emissões globais de gases de efeito estufa não pararam de crescer. Relatórios da própria ONU alertam que, mesmo com os compromissos atuais do Acordo de Paris, o mundo caminha para um aquecimento de 2,5°C a 2,9°C até o final do século.A estrutura de governança das COPs é frequentemente apontada como uma fraqueza fundamental. Para João Alfredo Lopes Nyegray, professor do curso de Negócios Internacionais e Coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a espetacularização desses eventos comprometeu sua eficácia. “Em trinta edições, as COPs deixaram de ser mesas técnicas para virar megaeventos. A amplificação midiática trouxe pressão pública, […] mas também transformou a conferência em um ecossistema de vitrines: anúncios ‘paliativos’ para a foto, compromissos vagos e um carnaval de painéis paralelos que pouco interferem na letra final”, avalia.João Alfredo Lopes Nyegray, professor de Negócios Internacionais e Coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPRSegundo ele, o modelo atual está esgotado. Todas as decisões da Conferência exigem consenso entre todos os países, o que muitas vezes leva a acordos com linguagem diluída: “O modelo atual (consenso entre quase 200 países + NDCs voluntárias) foi útil para universalizar a conversa, mas está esgotado para entregar a velocidade e a escala exigidas. Consenso total vira, na prática, poder de veto dos menos ambiciosos; voluntarismo sem custo de não cumprimento é convite à procrastinação estratégica”, diz.Questões cruciais, como a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, continuam a ser um tabu nas negociações, frequentemente bloqueadas por países produtores de petróleo e gás.Para o cientista e climatologista Carlos Nobre, o debate precisa ser atualizado com a realidade dos dados, que indicam que a meta de 1,5°C já foi praticamente perdida. “A ciência agora é clara e não deixa dúvidas: nós vamos atingir permanentemente 1,5°C de aquecimento nos próximos 5 a 10 anos (no máximo até 2035). Portanto, dizer que é possível manter a temperatura abaixo de 1,5°C não é mais o que a ciência indica“, afirma.Cientista e climatologista Carlos NobreDiante deste novo cenário, Nobre defende duas ações principais. A primeira é “acelerar drasticamente a redução de emissões“, com cortes médios de no mínimo 5% ao ano por todos os países. A segunda, que se torna essencial, é a remoção de gás carbônico da atmosfera. “A mais importante é a restauração em larga escala de biomas, principalmente florestas tropicais. Com essas medidas, a temperatura ainda vai passar de 1,5°C, podendo chegar a 1,7°C, mas o objetivo é não deixar que chegue a 2°C em 2050“, projeta o climatologista. Siga o canal da Jovem Pan News e receba as principais notícias no seu WhatsApp! WhatsApp COP30: entre a esperança e o ceticismoO sucesso ou o fracasso do encontro em Belém não será medido apenas pelos documentos assinados, mas por mudanças práticas. Para o Brasil, a conferência é uma aposta alta: a chance de se consolidar como líder ambiental, mas também de expor suas próprias contradições no palco global.João Alfredo Lopes Nyegray critica diretamente essa ambiguidade: “Ao escolher Belém e construir uma coreografia de ‘liderança verde’ enquanto pressiona por petróleo na Margem Equatorial, o governo tornou-se um caso de estudo de como a espetacularização mina credibilidade. […] Quem acredita na ciência climática deve rejeitar esse tipo de ambiguidade — não porque seja ‘anticrescimento’, mas porque é antirrealista: a aritmética do carbono não fecha”. Leia também Novo protesto indígena fecha portão principal da COP30 Extrativistas marcham na COP30 por reconhecimento na proteção florestal