Nível de vida dos portugueses está abaixo dos 80% da média europeia

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Durante anos, repetiu-se o mantra de que Portugal estava a convergir com a Europa. Mas novos dados vêm lançar dúvidas sobre essa narrativa. Segundo um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), baseado na revisão em alta da população estrangeira residente legalmente em Portugal – revelada em abril pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) –, o nível de vida português não só foi sobrestimado como poderá estar prestes a cair para um dos lugares mais baixos da tabela europeia. Em 2026, seremos o sétimo país com pior nível de vida da União Europeia, e a Roménia está prestes a ultrapassar-nos.«Isso deve envergonhar o país», dispara Óscar Afonso, diretor da FEP e coautor do estudo.A razão? Simples e desconcertante: os dados usados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) para calcular o rendimento médio por habitante – e que alimentam as estatísticas europeias – ignoravam cerca de 250 mil pessoas com estatuto legal de residência. Com essa correção, o PIB ‘per capita’ de Portugal recua em flecha. Segundo o Flash Económico n.º 3/2025 do gabinete G3E2P da FEP, o rendimento por habitante caiu de 81,6% da média da UE para 79,2% em 2024. Para 2026, a previsão revista aponta para 79,5% – um valor que nos atira para o 21.º lugar entre os 27, apenas duas centésimas acima da Roménia.A promessa de convergência que escorrega entre os dedosO estudo aponta o dedo à lentidão com que os dados da AIMA são incorporados nas estatísticas nacionais e europeias. «Estamos a tomar decisões políticas com base em números errados», critica Óscar Afonso, sublinhando que estas discrepâncias «comprometem políticas de imigração, habitação, emprego e proteção social».Mas a questão vai além das estatísticas. O que o estudo revela é um erro de diagnóstico com consequências sérias: se o doente está mais magro do que se pensava, o tratamento tem de ser mais agressivo. E aqui a receita é clara: Portugal precisa de «reformas estruturais» e de uma «imigração regulada em função das necessidades da economia e da capacidade de absorção social».Menos imigração do que se pensava – mas melhor escolhidaO novo cenário traçado pela FEP revê em baixa a necessidade de entrada de imigrantes: não 138 mil por ano, como se estimava em 2024, mas 80 mil – desde que Portugal consiga crescer, em média, 2,4% ao ano, enquanto a UE avança apenas 1%. Ora, em 2023 e 2024 entraram cerca de 300 mil estrangeiros por ano, quase quatro vezes mais do que o necessário. Muitos ficaram fora do radar fiscal e laboral, engrossando a economia paralela.«Não se trata de fechar portas, mas de deixar de tê-las escancaradas», alerta Nuno Torres, responsável do G3E2P. O investigador sublinha que o Regime de Manifestação de Interesse, criado em 2017, «gerou descontrolo» ao admitir pessoas sem qualquer ligação ao mercado de trabalho. A sua substituição pela nova ‘via verde da imigração’ é bem-vinda, mas a execução é ainda fraca. E as medidas adicionais de contenção propostas pelo atual Governo, avisa, «vão longe demais», podendo travar o crescimento.Portugal: demasiado pobre para desperdiçar oportunidadesEntre os setores que mais poderão sofrer com uma política migratória demasiado restritiva estão a construção civil, o turismo e a agricultura – áreas que sustentam parte significativa da nossa economia e onde a escassez de mão-de-obra já é visível. Limitar os vistos de trabalho apenas a estrangeiros altamente qualificados pode, ironicamente, deixar Portugal ainda mais dependente da imigração ilegal e da informalidade.A alternativa, defende Óscar Afonso, é clara: «vincular os vistos às necessidades reais das empresas, com critérios definidos em articulação com as associações setoriais». E, já agora, usar a atual regularização em curso para cortar a raiz do problema: formalizar quem está cá e combater a economia paralela, elevando o PIB oficial.A Roménia já respira no nosso pescoçoTalvez a maior provocação do estudo seja a comparação com a Roménia. Um país que entrou na UE 20 anos depois de nós e que recebeu menos fundos europeus, mas que soube, segundo a FEP, aproveitá-los melhor. «Portugal divergiu do núcleo duro europeu e não tem sabido recuperar», constata Óscar Afonso. «Entre 2019 e 2024, apesar de termos crescido mais do que a média da UE, a convergência foi mínima: apenas dois pontos percentuais».E se a Roménia nos ultrapassar? Será apenas a confirmação do que muitos já sentem no bolso e no dia-a-dia. Um país onde a promessa europeia se esbate, e onde os jovens continuam a sair em busca de algo melhor. Um país que se orgulha do clima e da gastronomia, mas que fecha os olhos ao que realmente importa: produtividade, inovação, e uma política migratória inteligente – não apenas generosa nem apenas punitiva, mas eficaz.«Sem muros, mas sem ilusões»O aviso está dado. Portugal pode crescer mais, e melhor. Mas isso exige escolhas difíceis, coragem política e visão estratégica. «Transformar desafios em oportunidades é possível», garante Óscar Afonso. Mas exige muito mais do que slogans ou cosmética estatística. Exige reformas a sério. E, sobretudo, urge perceber que sem competitividade e dados fiáveis, um país pode tornar-se irrelevante – mesmo com as janelas mais bonitas e os melhores pores-do-sol da Europa.O conteúdo Nível de vida dos portugueses está abaixo dos 80% da média europeia aparece primeiro em Revista Líder.