Várias são as vozes que afirmam que África é o continente do futuro, com a população mais jovem do mundo e a tornar-se rapidamente uma potência em energia renovável e inovação tecnológica. Ainda assim, inúmeros desafios e instabilidade perduram, com cicatrizes de um passado de escravidão, colonialismo e injustiça social. As assimetrias globais e desafios estruturais no acesso à saúde, educação e equidade de género fazem com que a cooperação entre África e Europa assume um papel cada vez mais determinante.A harmonização de estratégias de género, educação e saúde entre África e Europa foi tema de debate na última edição do EurAfrican Forum, que aconteceu nos dias 25 e 26 de julho, na Nova SBE. No painel ‘Políticas para o Progresso: Harmonização de estratégias de género, educação e saúde entre África e a Europa’, intervenientes de vários países destacaram a urgência de políticas públicas sustentáveis e enraizadas nas realidades locais.Moderado por Mafalda Borea, Head of Partnerships & Philanthropy, o painel contou com intervenções de Magda Robalo, IGHD, Guiné-Bissau, Vivian Onano, Leading Light Initiative, Quénia, Derrick Ashong, TBTM, Gana, Liliana Valpaços, Mundu Nôbu, Portugal e Luísa Viera, UNICEF, Angola.Da esquerda para a direita: Magda Robalo, IGHD, Guiné-Bissau, Vivian Onano, Leading Light Initiative, Quénia, Luísa Viera, UNICEF, Angola, Liliana Valpaços, Mundu Nôbu, Portugal, Derrick Ashong, TBTM, Gana e Mafalda Borea, Head of Partnerships & Philanthropy.«O tempo para agir é agora»Magda Robalo, médica e ex-ministra da Saúde da Guiné-Bissau, destacou o abismo entre os sistemas de saúde africanos e europeus, frisando que «não basta conversar, é preciso agir». Criticou o facto de 75% dos cargos de liderança na saúde serem ocupados por homens, mesmo quando a maioria dos profissionais são mulheres. «Vemos painéis onde discutem a mortalidade materna, questões obstétricas — quatro, cinco homens, nenhuma mulher. O que sabem eles sobre nós?», declarou.Precisamos realmente de colmatar essa lacuna. Precisamos de partilhar poder antes de começar essas conversas.Para Magda, a parceria entre África e Europa precisa de ser repensada: «Não é uma via de uma só direção. Sabemos o que queremos, precisamos é de espaço para co-criar.»Também Vivian Onano corroborou esta premissa, reforçando que «investir na liderança das raparigas em áreas como a ciência, tecnologia e inovação deve ser óbvio, um investimento inteligente». A ativista destacou iniciativas como o African Girls and Code, projeto conjunto entre a ONU Mulheres, União Africana e parceiros europeus, que já capacitou milhares de raparigas em competências digitais.«Quando falamos de liderança feminina em STEM, falamos de investir na sustentabilidade das comunidades e no desenvolvimento económico a longo prazo», sublinhou. E reforçou: «Não devemos esperar por validação externa para agir. A mudança começa com quem vive os problemas.»«Não é possível resolver os problemas de género sem envolver os homens»Esta foi uma das principais mensagens de Derrick Ashong, artista e empreendedor ganês, que sublinhou o papel dos media e indústrias criativas na construção de narrativas identitárias. «Precisamos de contar histórias com valores africanos, com qualidade global», afirmou, criticando a ausência de infraestrutura mediática africana que rivalize com o poder da narrativa ocidental.Ashong alertou para os riscos de «importar modelos de fora sem adaptação», defendendo a necessidade de construir identidade de género com perspetiva africana. Não deixar que o continente siga cegamente o Ocidente.A forma como Hollywood retrata o poder, o respeito ou o amor molda a nossa perceção. E isso tem impacto na forma como os jovens se veem e se relacionam.Destaca, no geral, que «não é possível resolver os problemas de género sem envolver os homens», toda a sociedade a trabalhar em conjunto.Liliana Valpaços, cofundadora da Mundu Nôbu, concorda. «É fundamental envolver também os rapazes nas conversas sobre género. Eles também carregam preconceitos», diz. Para isso, apresentou o modelo de intervenção comunitária da associação, que acompanha adolescentes durante três anos. Trabalham autoestima, pensamento crítico e definição de um projeto de vida livre de estereótipos.Contou um episódio revelador de discriminação racial, que é crucial combater: «Uma jovem negra foi aconselhada a mudar o cabelo para parecer mais credível num escritório de advogados. Isto aconteceu em Lisboa, em 2024». Conclui citando Gloria Steinem, jornalista e ativista: «As revoluções duradouras não acontecem de cima para baixo. Elas acontecem de baixo para cima». Cooperação intersectorial e soluções integradas: a união faz a forçaNo seguimento dos esforços que têm surgido, Luísa Viera, da UNICEF Angola, partilhou o projeto Mini Camba, desenvolvido com três ministérios angolanos. Foca-se na prevenção da gravidez adolescente e do casamento infantil, e promove a educação sexual e reprodutiva através da formação de pares e do uso de tecnologias digitais.«Não podemos falar de proteção infantil sem integrar educação, saúde, justiça e apoio social. Só com respostas coordenadas conseguimos prevenir a violência e a exclusão», afirmou. Viera realçou ainda a importância de trabalhar com profissionais de saúde e educação para desconstruir mitos e práticas discriminatórias: «Muitas adolescentes continuam a ser impedidas de aceder a contraceção por falta de informação ou preconceito institucional.»Na reta final do debate, Vivian Onano deixou um apelo claro: «As soluções não podem ser impostas de fora. É preciso ouvir, respeitar e incorporar as vozes locais em todos os processos. Só assim criamos parcerias sustentáveis.» Para a ativista, a cooperação entre Europa e África deve ser um exercício de «equidade e justiça», com base em escuta ativa e investimento local.Magda Robalo reforçou: «O que não está a funcionar são políticas sem orçamento, sem implementação e sem avaliação. Precisamos de mudar a forma como fazemos as coisas».O conteúdo Para atingir a igualdade de género, é «preciso partilhar poder antes de começar a conversa», defende Magda Robalo aparece primeiro em Revista Líder.