Compliance é a favor do amor. Mas o organograma nem sempre

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Você está num show do Coldplay, em clima de festa, quando a kiss cam foca em você. Nada demais. A não ser que você seja o CEO de uma empresa e esteja em clima de romance com sua diretora de RH. E que esse vídeo viralize. Mundialmente.A cena levantou mais do que sorrisos constrangidos. Mobilizou uma enxurrada de opiniões. Mas até onde a vida pessoal dos executivos deve ser pautada pelas regras corporativas? O que o compliance tem a ver com relacionamentos afetivos entre colaboradores? Esse episódio era, de fato, um caso de compliance?Compliance no telão ou plantão da fofoca?O conceito de conflito de interesses é simples, mas suas implicações são complexas. Trata-se da possibilidade, ou aparência de, relações pessoais interferirem na capacidade de alguém tomar decisões imparciais. No ambiente corporativo, isso pode acontecer em decisões de contratação de fornecedores, promoção de empregados, acesso a informações privilegiadas, fluxos de aprovação em processos, alocação de recursos e várias outras situações reais. É por isso que tantas empresas possuem políticas de conflito de interesses.Um dos conflitos mais clássicos é a existência de relacionamento afetivo entre dois profissionais, sobretudo em casos de subordinação. Nessas situações, é preciso agir de forma a garantir que os vínculos afetivos não criem zonas de influência que comprometam a isenção e a credibilidade das decisões. Havendo subordinação direta, o caminho natural mais recomendado é a movimentação interna de uma das partes, justamente para quebrar a relação de subordinação.Mas quando uma dessas pessoas é o CEO, o dilema ganha outra escala. Afinal, por definição, o CEO é o superior direto de todos os colaboradores. Não há movimentação interna capaz de mitigar esse conflito. Portanto, se o vínculo afetivo é entre o CEO e alguém sob sua liderança, inevitavelmente uma das partes precisaria deixar a organização ou ser desligada.Mas aí eu te pergunto: e se o CEO vivesse um relacionamento aberto no seu matrimônio? Ou então, e se, mesmo sendo um relacionamento extraconjugal, ambos tivessem reportado formalmente à empresa, que já estivesse conduzindo um plano de saída de um dos dois?Vínculo afetivo pode (ou deveria poder). Omitir, não.A maioria das políticas de conflito, incluindo aquelas que considero mais maduras em termos de governança, não proíbem relacionamento entre empregados. A contrapartida, porém, é a exigência de reportar. A lógica é clara: saber do vínculo permite à empresa mitigar riscos, prevenir favorecimentos e, se necessário, ajustar estruturas de reporte.Como bem disse uma colega de profissão: o compliance não é fiscal do Papa e nem curador do vínculo. Cada um que cuide da sua vida pessoal! Desde que o relacionamento não envolva conflito de subordinação, seja consensual, entre adultos, e não ocorra nas dependências da empresa.Vida pessoal x cultura organizacionalCabe a nós, enquanto líderes, executivos e profissionais de compliance, tomar decisões corporativas com base em condutas pessoais fora do ambiente de trabalho? Onde termina a esfera privada e começa a responsabilidade institucional?Convenhamos: o que transformou a cena em escândalo global não foi o conflito de interesses. Foi o gesto instintivo de esquiva, o constrangimento visível, o “pego no flagra” em tempo real. A tentativa de esconder acendeu o pavio da fofoca institucional e a imagem ganhou narrativa própria.A viralização do vídeo levou o debate para um outro nível: o da reputação pública. No fim das contas, o escândalo emergiu de quebras de expectativa, seja sobre o comportamento de um executivo, sobre o comportamento de um homem casado, ou sobre o comportamento de uma mulher. Tudo isso embalado por um momento “fofo” projetado para 70 mil pessoas…e milhões depois.Do ponto de vista da mídia, o flagra da traição na kiss cam é o ponto mais relevante. Do ponto de vista de compliance, pouco importa se as pessoas eram casadas. E mais, será que essa quebra de expectativas nos permite concluir, automaticamente, que as pessoas envolvidas são tóxicas? Fraudadoras? Indignas de confiança para atividades corporativas? Ou será que estamos terceirizando ao compliance o papel de árbitro moral da sociedade, esperando dele um julgamento que, talvez, nem caiba ao ambiente corporativo?Todo mundo virou compliance?A verdade é que, em tempos de rede social, todo mundo se acha no direito de fiscalizar a vida alheia. O problema nem sempre está no fato em si. Muitas vezes, é a narrativa que se constrói em torno dele. O enredo, o julgamento, a oportunidade de projetar opiniões pessoais em uma tela coletiva.Se há um casal, há um “flagra”. Se há um flagra, há um tribunal informal pronto para punir os vilões da história. E o que antes poderia ser um possível ajuste de rota corporativa, vira um circo reputacional externo.Talvez o maior risco nesse caso não tenha sido o conflito de interesses em si, mas sim o fato de que o relacionamento se tornou pauta no LinkedIn, Youtube, Instagram, Tiktok, WhatsApp e TV. E o compliance, sem querer, acabou escalado para o papel de juiz moral em um roteiro que ninguém escreveu, mas que todo mundo quis comentar. Talvez esteja se desenhando aí o maior desafio do compliance moderno: lidar com o invisível, o subjetivo e o viral, tudo ao mesmo tempo.The post Compliance é a favor do amor. Mas o organograma nem sempre appeared first on InfoMoney.