Filipe Martins teve um comportamento abjeto durante o período em que atuou como o Celso Amorim de Jair Bolsonaro. Até gesto racista, associado aos supremacistas brancos, fez durante uma sessão do Senado. Mas é um cidadão brasileiro que deveria estar no pleno gozo dos seus direitos. Não está.Ele foi acusado por Alexandre de Moraes de ser um dos participantes da suposta tentativa de golpe, na condição de integrante de um certo “núcleo jurídico”, responsável por formular e apresentar ao ex-presidente a tal minuta para impedir a posse de Lula. Leia também Brasil Vídeo: no STF, Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, erra própria idade Brasil Filipe Martins nega versão de Cid e diz que nunca viu minuta do golpe Brasil Cid: Filipe Martins não estava em lista de viagem de Bolsonaro aos EUA O ex-assessor para assuntos internacionais da presidência teria acompanhado Jair Bolsonaro na sua viagem aos Estados Unidos, em 30 de dezembro de 2022, e uma estranheza serviu de fundamento para a decretação da sua prisão preventiva.A estranheza: Filipe Martins estava na lista de passageiros do avião que levou Jair Bolsonaro a Orlando, na Flórida, e o seu nome constava no site do US Customs and Border Protection (CBP), o departamento responsável pela segurança das fronteiras americanas, como se tivesse entrado nos Estados Unidos. Não havia, no entanto, registro de sua saída do Brasil, e a sua localização foi dada como “incerta” pelas autoridades.“Considerando que a localização do investigado é neste momento incerta, faz-se necessária a decretação da prisão cautelar como forma de garantir a aplicação da lei penal e evitar que o investigado deliberadamente atue para destruir elementos probatórios capazes de esclarecer as circunstâncias dos fatos investigados”, escreveu Alexandre de Moraes, em fevereiro de 2024, na sua ordem de prisão.Só que Filipe Martins não viajou para os Estados Unidos com Jair Bolsonaro. Ele provou que havia permanecido no Brasil por meio de todos os documentos existentes. Mesmo assim, mofou no xadrez durante seis meses e, agora, encontra-se sob medidas cautelares semelhantes às aplicadas ao ex-presidente.Alguém inseriu indevidamente o seu nome no site americano — que foi retirado e, em seguida, reapareceu. Como essa é uma tremenda falha no sistema de segurança dos Estados Unidos, o Wall Street Journal publicou um editorial, no fim de semana, exigindo que a Casa Branca mande investigar a fundo o ocorrido.O jornal defendeu também a soltura de Filipe Martins. “Um tribunal brasileiro vem usando registros falsos do CBP para deter o Sr. Martins por risco de fuga desde março de 2024”, publicou o Wall Street Journal. “O Sr. Martins deveria estar em liberdade enquanto prepara sua defesa”.No mesmo dia, na sua coluna de opinião no jornal, a editorialista Mary Anastasia O’Grady se estende sobre a história de Filipe Martins, afirmando que “um mistério do CBP aponta para lawfare”. Ou seja, a utilização do aparato jurídico como arma para atingir inimigos. É a acusação que Donald Trump faz ao STF, em especial a Alexandre de Moraes.Filipe Martins foi preso e tem a sua liberdade restringida por causa de uma viagem que não fez. Ele também teve a sua liberdade de expressão cassada ao ser proibido de dar entrevistas pelo ministro — o que significa, adicionalmente, cerceamento ao trabalho da imprensa, embora a imprensa não esteja preocupada com isso, aspecto bastante curioso.Na semana passada, em depoimento a um juiz auxiliar do ministro do STF, Filipe Martins negou que houvesse participado de uma tentativa de golpe, voltou a dizer que não saiu do país naquele 30 de dezembro de 2022 e afirmou que, durante o período no qual esteve preso, foi colocado em uma cela “solitária, sem iluminação”, o que é vedado pela lei. Ele também disse que se considera “preso político”.As garantias democráticas precisam existir também para Filipe Martins, por mais abjeto que ele tenha sido como o Celso Amorim de Jair Bolsonaro. O Estado de Direito é, sobretudo, para quem nos é antípoda.