Donald Trump é um imperialista do século XIX que comanda os Estados Unidos do século XXI. Ambiciona que os americanos tenham uma hegemonia incontrastável, e o seu grande porrete é a economia da qual o mundo inteiro depende, além do poderio militar sem rivais.Fazer os Estados Unidos grandes de novo é desenhar o mapa da geopolítica por meio da geoeconomia, um conceito que está longe de ser novidade. As sanções impostas pelo Ocidente à Rússia e ao Irã, por exemplo, são geoeconomia.O aspecto surpreendente é Donald Trump usar a extraordinária força econômica americana como instrumento de coação de países aliados, penalizados com tarifas exorbitantes e a exigência de investimentos vultosos nos Estados Unidos para reverter a desindustrialização das últimas décadas, fruto amargo da globalização, na visão do presidente americano.Todos, aliados inclusive, terão de pagar um pedágio alto para usufruir do maior e mais rico mercado do mundo. Todos, aliados inclusive, terão de ajudar a cobrir o imenso déficit das contas governamentais americanas.O resultado geopolítico da geoeconomia de Donald Trump é que todo o sistema de alianças construído a partir do final da Segunda Guerra foi abalado, e é improvável que volte a ser tão robusto como parecia ser até oito meses atrás.O presidente americano também está fazendo um experimento, e o Brasil é a sua cobaia. Ao lado do tarifaço, ele decidiu lançar mão de um instrumento legal dos Estados Unidos, a Lei Magnitsky, para interferir na política do maior país da América Latina, região que julga ser o seu quintal e que a China deseja que passe à sua esfera de influência.Na visão do presidente americano, o Brasil tem dois problemas: um presidente de esquerda e um presidente de esquerda que resolveu brincar de ser grande potência e que faz o jogo da China, por intermédio do Brics.A hegemonia incontrastável pretendida por Donald Trump não admite governos de esquerda, seja no seu próprio país, seja além das fronteiras americanas, em quaisquer latitudes. Para moldar ao mundo à sua imagem e semelhança, o presidente conta com um movimento com tentáculos internacionais, o Maga.Ele tenta, assim, influenciar diretamente a política interna de nações europeias para colocar a direita dura no poder, mas lá o jogo é muito mais complicado. A velha Europa conta com democracias consolidadas, nas quais os atores são partidos fortes de variados matizes ideológicos, e eleitores politizados. Já na América Latina, onde a esquerda viceja, a história é diferente: as democracias são frágeis e os eleitores são apenas massa de manobra.No subcontinente, o Brasil pode servir não só de case forte, ótimo para ser replicado nos seus vizinhos, como oferece condições ideais para o experimento de Donald Trump.O país espelha em ondas tropicais o quadro institucional dos Estados Unidos que Donald Trump pintava antes de ser eleito, e que ele quer pendurar na história oficial: o Brasil tem um ex-presidente de direita, que afirma ter sido derrotado em razão de fraude eleitoral e que, acusado de tentar um golpe, é perseguido por uma Justiça que transbordou do seu leito institucional, em conluio com um presidente de esquerda.Não importa se o quadro é falso ou se é verdadeiro até certo ponto. Nada mudará a visão que Donald Trump tem da situação brasileira.Nas condições existentes hoje, mesmo com todo o seu poder, é impossível que o presidente americano consiga que Jair Bolsonaro se livre dos seus processos e se torne elegível em 2026. Não estamos mais no século XIX. Mas o presidente americano terá um candidato em 2026. E a China também.