Enquanto alguns animes e mangás recebem adaptações até demais nos videogames (não vou citar nomes, pois você, nobre leitor, sabe bem quais são), há também uma lista de franquias esquecidas, sabe-se lá por quê. Diria até que são injustiçadas, já que têm o potencial para render bons jogos de absolutamente qualquer gênero. Obra de Yoshihiro Togashi, a mente por trás do clássico Yu Yu Hakusho, exibido na saudosa Rede Manchete no final dos anos 1990, Hunter x Hunter merecia mais. O último grande título (com “grande” entre muitas aspas) da aventura, pasmem, foi de PSP, tirando as produções mequetrefes para dispositivos móveis, que não são nem dignas de serem mencionadas. Isso, por si só, já ilustra bem o quão negligenciada a série do mestre Togashi tem sido, infelizmente. Sob a supervisão da experiente Arc System Works (e Bushiroad no Japão), a Eighting resolveu tirar Hunter x Hunter do limbo em um inédito jogo de luta de 3 contra 3, capitalizando a ascensão dos fighting games, cuja principal competição, a EVO, nunca esteve tão em alta. Respeito máximo à criação de TogashiComo fã incondicional da série, devo admitir que minhas expectativas nunca são moderadas quando vejo o nome Hunter × Hunter atrelado a um jogo – e não foi diferente em Nen x Impact. Apesar do prognóstico positivo, eu não esperava que fosse ver um fighting game com pontos fortes tão altos e, ao mesmo tempo, fraquezas tão baixas. A começar pelo que Nem x Impact oferece de bom: o combate. Longe de ser perfeito, sobretudo por ter personagens desbalanceados e que quebram totalmente o senso de competitividade no modo multiplayer, as batalhas têm a fluidez que se espera de um shonen e entrega a mesma intensidade da porradaria franca que vemos no anime. É uma delícia surrar os adversários aqui. Dos ataques básicos às animações dos golpes especiais, o título demonstra lealdade à franquia de Togashi em todos os aspectos – um nível de carinho por Hunter x Hunter que, honestamente, eu não via há muito tempo. Naruto, Dragon Ball e One Piece sempre foram protagonistas nos games, então fico feliz que alguém tenha dado um tratamento digno de papel principal à aventura de caçadores. Balanceamento em frangalhosPensando em ser um jogo de luta mais amigável para não desamparar os fãs de Gon, há uma opção de combo automático, aqui nomeada de Rush Combo, que permite executar sequências absurdas de golpes com apenas dois comandos. O Rush Combo, uma vez combinado com um dos botões de ataque leve, médio ou pesado, desfere, como mágica, técnicas que você nunca sonhou em conseguir fazer. Se por um lado esse recurso de acessibilidade é bem-vindo, até por ser prática comum de títulos de luta, agora com seus modos “modernos”, por outro, acaba tornando a experiência desbalanceada. O Rush Combo, quando bem executado, é capaz de drenar a barra de vida do oponente com apenas duas míseras séries de ataques, o que é irritante em muitos níveis. Recalibrar o dano causado pelos combos automáticos é, na minha visão, uma correção mais que obrigatória para garantir a longevidade do jogo. Outro fator que contribui para descompensar o equilíbrio do combate é o alcance dos bonecos. Lutadores menores, como Gon e Killua, ficam em desvantagem frente a um Leorio ou Hisoka da vida, já que a estatura interfere diretamente no alcance dos movimentos – e o pior: a velocidade de um personagem maior é praticamente a mesma de um menor. Complexo a quem busca profundidadeSe você deseja jogar “na raça”, isto é, sem recorrer às facilidades que Nem x Impact oferece, há um complexo fighting game por baixo dos panos. Assim como no anime, o Nen cumpre um papel fundamental no gameplay, sendo utilizado para golpes especiais, estratégias de defesa e contra-ataques. Saber gerenciar a energia vital faz parte da graça, já que cada personagem lida com ela de uma maneira diferente. Além disso, há uma barra de Overgear, um recurso que, quando acionado, aumenta temporariamente o poder de ataque, permitindo que o jogador abra uma brecha estratégica para virar a partida – e que, confesso, me ajudou muito no multiplayer, quando funcionava. Por ser um game de luta de 3 contra 3, você conta com o apoio de outros membros da equipe, seja executando ataques combinados ou para substituir lutadores em momentos decisivos da batalha. Compreender a hora certa para trocar personagens faz toda a diferença, pois assim você pode recuperar parte da vida de um aliado que estava prestes a ser derrotado. Multiplayer problemático, mas offline bem servidoPara a nossa tristeza, Nen x Impact tem um modo multiplayer que não soube aproveitar as vantagens do rollback netcode (sistema que, inclusive, motivou seu adiamento no passado) como deveria, ao menos em seu lançamento. Naturalmente, são falhas que costumam ser corrigidas com tempo por meio de updates, mas que precisam ser destacadas em nome da transparência. Já em relação aos modos offline, temos um leque maior de possibilidades, ainda que não fuja muito do bom e velho “arroz com feijão” dos fighting games. Dá para disputar partidas individuais contra a CPU ou outro jogador localmente, cair na porrada em um modo arcade tradicional e praticar combos em uma área de treinamento. O grande destaque, no entanto, é a Heavens Arena, a torre celestial em que enfrentamos ondas de inimigos em 31 estágios consecutivos com a mesma equipe. O ponto alto da diversão reside na tentativa de preservar ao máximo os pontos de vida dos personagens, já que é isso que determina o quão longe você consegue chegar. Modo história curto e simplório.O modo história é uma baita decepção e passa longe de fazer jus à riqueza da criação de Togashi.O modo história, por outro lado, é uma baita decepção e passa longe de fazer jus à riqueza da criação de Togashi, não apenas por omitir alguns dos principais acontecimentos da obra original, mas também por desenvolver a narrativa da forma mais preguiçosa possível: com slides copiados e colados do anime.Como a campanha simplesmente ignora certos arcos de Hunter x Hunter, muitos rostos conhecidos, por consequência, ficaram de fora do elenco. Para um anime cuja grande virtude é ostentar um generoso arsenal de heróis e vilões, lançar o jogo com apenas 16 bonecos é, no mínimo, decepcionante. Nomes importantes já estão programados para chegar via DLC, o que torna a decisão de limitar o cast inicial ainda mais difícil de engolir. Vale a pena?Não há como disfarçar o amargor final deixado por Hunter x Hunter Nen x Impact, apesar de eu ter tido bons momentos com ele. Não por ser ruim, mas por desperdiçar o potencial de se tornar o título de maior impacto baseado no anime, sem apelar para fanservice barato. As animações são ótimas, o combate satisfaz e os modos offline trazem conteúdo de qualidade, mas tudo isso é ofuscado pelo desbalanceamento, pela escassez de personagens e, sobretudo, pelo multiplayer problemático (que deve ser corrigido com o tempo, volto a ressaltar). No fim, Nen x Impact é uma adaptação decente, mas cheia de falhas, ainda distante de corresponder à profundidade do mangá de Togashi.Nota: 65Prós (pontos positivos):Combate mais sofisticado do que parece; Demonstra carinho acima da média pela obra original;Boas opções de jogatina offline.Contras (pontos negativos): Elenco limitado de personagens;Problemas conceituais e de balanceamento; Multiplayer instável.Uma cópia de Hunter x Hunter Nen x Impact foi gentilmente cedida pela Arc System Works para o propósito de análise no PlayStation 5 Pro. O jogo também está disponível para Nintendo Switch e PC