Imagens de crianças esqueléticas em Gaza que estão sendo divulgadas agora são chocantes, mas não deveriam ser surpreendentes.Grupos humanitários com décadas de experiência na distribuição de ajuda na Faixa de Gaza vêm alertando para esse cenário há meses, desde que Israel começou a restringir a entrada de ajuda humanitária a conta-gotas.Imagens perturbadoras de corpos sem vida, com ossos pontiagudos sob a pele esticada, podem ser vistas ao redor do mundo. As fotos da fome em Gaza são horríveis, angustiantes e impossíveis de ignorar.A principal agência das Nações Unidas para os palestinos afirmou nesta quinta-feira (24) que “as pessoas estão sendo levadas à fome, enquanto, a poucos quilômetros dali, supermercados estão cheios de comida”, destacando o contraste gritante e desconfortável entre a vida em Israel e a luta pela sobrevivência em Gaza. Leia mais Ataques israelenses mataram 89 palestinos em 24h, segundo autoridades Ministro de Israel nega fome em Gaza e fala em "destruir" território Governo Trump não tem uma autoridade focada em ajuda humanitária para Gaza Em um podcast popular canadense, os ouvintes ficaram sabendo nesta semana que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu prefere o Burger King ao McDonald’s, sendo o Whopper seu hambúrguer favorito.Embora Netanyahu não tenha trazido o assunto à tona, a discussão pública sobre fast food pelo homem responsável por permitir a entrada de alimentos em Gaza é, na melhor das hipóteses, insensível.A correspondente nos EUA do jornal israelense Haaretz observou que Netanyahu “gastou um tempo valioso” falando sobre hambúrgueres “em vez de responder perguntas legítimas sobre a crise humanitária em Gaza ou os atrasos no acordo de cessar-fogo e libertação de reféns.”Repercussão internacionalLíderes mundiais veem as mesmas imagens de fome que todos os demais, mas parecem impotentes para detê-las, incapazes de pressionar Israel a permitir mais ajuda ou retornar aos métodos de distribuição liderados pela ONU, já testados e comprovados.É verdade que as condenações estão se tornando mais coletivas e direcionadas. Mais de duas dezenas de ministros das Relações Exteriores europeus criticaram conjuntamente o “fornecimento em conta-gotas de ajuda por Israel e o assassinato desumano de civis” — declarações que o Ministério das Relações Exteriores de Israel rejeitou como “desconectada da realidade”.Mais de 100 organizações humanitárias internacionais alertaram que as restrições israelenses à ajuda estão colocando em risco a vida de médicos e trabalhadores humanitários.Mas essas são palavras — e palavras podem ser ignoradas.Escrevendo sobre a resposta da União Europeia, o ex-negociador israelense de reféns Gershon Baskin disse que ainda era “apenas uma folha de papel para o lixo da história — é assim que o Estado de Israel a trata”.Influencia americanaEntão, o que poderia reverter o que o chefe da ONU está chamando de “espetáculo de horror” em Gaza? Em uma palavra: Trump.O presidente dos EUA criticou publicamente Netanyahu quando Israel atacou o Irã com força nas últimas horas antes de um cessar-fogo. Após um telefonema, Israel recuou.Quando Israel atacou a única igreja católica em Gaza, Trump não teve uma “reação positiva”, segundo a Casa Branca, e ligou para Netanyahu. O líder israelense disse lamentar profundamente, chamando o ataque de erro.Uma ligação irritada do líder do mundo livre parece ser o jeito mais rápido de provocar uma mudança de postura de um líder aparentemente imune à crescente crítica internacional.A porta-voz da Casa Branca declarou que Trump “quer que as mortes parem”, mas manifestações visíveis de raiva, frustração ou condenação do presidente dos EUA sobre a crise humanitária em curso têm sido mínimas — ao menos publicamente.O foco dos EUA tem sido garantir um cessar-fogo e um acordo para libertação de reféns, metas ainda distantes, apesar das palavras de esperança e otimismo do governo Trump nas últimas semanas.Bloqueio de ajuda humanitáriaPalestinos buscam comida no norte de Gaza • Mahmoud Issa/ReutersLíderes árabes condenaram Israel, pediram um cessar-fogo imediato e elaboraram um plano para reconstruir Gaza no pós-guerra, em oposição ao plano de Trump de deslocar toda a população da Faixa. O secretário-geral do Conselho de Cooperação do Golfo chamou as políticas de Israel, nesta semana, de “o crime do século”.Israel há muito nega as acusações de bloqueio humanitário, insistindo que suas políticas visam impedir que o Hamas roube suprimentos — alegações que as agências de ajuda humanitária desmentem.O presidente de Israel, Isaac Herzog, afirmou que o país está seguindo o direito internacional e que é o Hamas quem está tentando sabotar o processo de ajuda.O COGAT, órgão responsável pela entrada de ajuda em Gaza, afirma que o exército está “trabalhando para permitir e facilitar a transferência de ajuda, inclusive alimentos”.Israel também tem rebatido os pedidos para permitir mais ajuda, alegando que há caminhões cheios esperando na fronteira para serem recolhidos por agências humanitárias. A ONU e outras entidades em campo contrapõem que Israel nem sempre dá permissão para mover os suprimentos ou aprova rotas consideradas perigosas demais.Comentários da ala mais à direita da coalizão de Netanyahu, sugerindo deixar Gaza passar fome até que os reféns sejam libertados, provocam repulsa generalizada fora de Israel — mas muito menos dentro do país.“Cadáveres ambulantes”O ataque brutal do Hamas em 7 de outubro de 2023 matou cerca de 1.200 israelenses, deixou outros 250 sequestrados como reféns e endureceu ainda mais a visão dos israelenses sobre seus vizinhos palestinos. Mas uma pesquisa recente mostra que 71% dos israelenses entrevistados agora querem o fim da guerra.Embora Netanyahu esteja perdendo o apoio para continuar lutando, não há sinais de que sua coalizão pretenda aliviar as restrições à ajuda em Gaza, onde quase 60 mil pessoas já morreram desde o início do conflito. E a mídia israelense concentra-se mais na preocupação com os reféns remanescentes e com os soldados em combate, do que com a situação dos palestinos sitiados.Para eles, a esperança agora está em um cessar-fogo, um acordo que permita a entrada maciça de suprimentos no território arrasado.Mas quando esse acordo será firmado? Quão cedo as fronteiras se abrirão para ajuda que salva vidas? E quantos morrerão até lá?O número de vítimas da desnutrição tem aumentado nos últimos dias, com o diretor do hospital al-Shifa alertando esta semana: “estamos caminhando para números de mortes aterradores”.Um funcionário da ONU em campo acrescentou: “As pessoas em Gaza não estão nem mortas nem vivas — são cadáveres ambulantes”.