A lei municipal 16.547/2016 estabeleceu em São Paulo a possibilidade de remunerar ciclistas como forma de fomentar a mobilidade ativa e diminuir o uso do transporte motorizado, como carro e ônibus. No entanto, a medida nunca foi regulamentada nem implementada. Para colocar a legislação em prática, um projeto-piloto inédito oferece créditos no Bilhete Único a quem usar a bicicleta em deslocamentos diários.Conduzido por pesquisadores do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) e do FGV Cidades, o levantamento avaliará se os incentivos financeiros podem mudar as escolhas dos paulistanos ao percorrer a cidade.Para selecionar participantes, as inscrições ficaram abertas ao longo de junho. Os interessados tiveram de realizar um curso sobre segurança no trânsito. Segundo Fabio Kon, um dos coordenadores da iniciativa, houve quase 3 mil cadastros.“Neste momento, a gente tem mais de 2 mil pessoas que cumpriram todos os requisitos para participar doteste, então baixaram o aplicativo e usaram ao longo de julho para testar que está tudo funcionando. A partir de agosto, a gente realmente vai começar a remuneração com pouco mais de mil pessoas”, explica o professor de ciência da computação do IME-USP. Leia também São Paulo USP testa projeto que transforma pedalada em crédito no bilhete único São Paulo Vale-transporte: TJSP autoriza volta das integrações do Bilhete Único São Paulo Homem é preso suspeito de fraudar Bilhete Único com mais de R$ 6 mil São Paulo CPTM divulga regras para volumes que entram nas estações e trens em SP Limitadas inicialmente a duas por dia, as viagens com bike geram créditos no sistema de bilhetagem. É preciso apenas validar nas máquinas de recarga.Pedaladas diárias na práticaA paulistana Gabriela Giamoniano, de 44 anos, é uma das participantes do projeto-piloto. Ela ficou sabendo da oportunidade por meio de um grupo no WhatsApp formado por mulheres ciclistas.Há mais de cinco anos, a professora de ioga tem a bicicleta como meio de transporte diariamente. Além disso, pratica esportes com bike, como downhill, que é o ciclismo de montanha.“Uso para o trabalho de segunda a sexta-feira. Até para ir ao mercado, utilizo a bicicleta. Minha bicicleta é dobrável, então consigo utilizar o metrô em qualquer horário; além disso, ela dobrada cabe no porta-malas do Uber. Se eu cansar ou se precisar ir mais longe, essa facilidade é um ponto muito positivo para eu combinar com outro meio de transporte”, conta.Para Giamoniano, a experiência de testar o aplicativo “caiu como uma luva”. “Cadastrei os endereços que utilizo no dia a dia: trabalho, residência e treino. Quando vou iniciar o trajeto, dou início no app, e, quando chego ao final do trajeto, finalizo”, compartilha. “Na hora que termino o trajeto, já aparece o valor que serei remunerada de acordo com a distância percorrida. Também existe a opção de pausar o trajeto durante o percurso, caso eu necessite parar para fazer compras no mercado, por exemplo.”Na avaliação da usuária, a ferramenta é útil por muitos motivos, não somente pela remuneração. “Com ele, será mais fácil analisar quais ciclovias são mais utilizadas e onde faltam ciclovias. O meu trajeto, por exemplo, é de quase 11 km, mas não há ciclovias no trajeto todo. Poderá haver mais pessoas utilizando a bicicleta como meio de transporte e como consequência — meu sonho — ter motoristas mais conscientes e mais respeitosos com os ciclistas”, pondera.4 imagensFechar modal.1 de 4Gabriela Giamoniano, participante do projeto que troca pedaladas por crédito no Bilhete ÚnicoMaterial cedido ao Metrópoles2 de 4A professora de yoga é uma usuária assídua da biclicletaMaterial cedido ao Metrópoles3 de 4O Bilhete Único é um sistema de bilhetagem eletrônica Prefeitura de São Paulo/Divulgação4 de 4A lei municipal 16.547/2016 foi sancionada em 2016 pelo então prefeito da capital paulista Fernando Haddad (PT), mas ficou com a regulamentação pendente e nunca foi colocada em práticaCPTM/DivulgaçãoPlanejamento públicoA pedido da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana e Transporte, da prefeitura, os dados coletados no projeto devem subsidiar a regulamentação da norma. No entanto, os próprios pesquisadores tiveram que colher recursos para o teste. Conseguiram apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).“Durante dois anos, a gente desenvolveu todo o software necessário para fazer o cadastramento das pessoas, primeiro pela web, daí um aplicativo de celular que é capaz de rastrear as viagens e verificar se a viagem foi realmente feita de bicicleta ou não, e se ela foi feita entre pontos pré-determinados”, explica Fabio Kon.No decorrer dos testes, serão detalhados para os pesquisadores os trajetos de aproximadamente 100 mil viagens. “Com isso, a gente vai trazer várias informações muito úteis para a Prefeitura. Uma delas, por exemplo: a gente vai saber para cada quarteirão da cidade qual é a taxa de bicicletas que passam por lá e quando elas passam”, detalha o coordenador do projeto.As constatações poderão ser indícios para traçar ações de planejamento público. Uma das possibilidades é identificar locais nos quais há um grande tráfico de ciclistas, mas sem infraestrutura adequada.“A gente vai dizer quais são os públicos-alvo, público prioritário, talvez quais as regiões da cidade são prioritárias; como fazer, se a gente realmente vai remunerar até duas viagens por dia, se é adequado ou não”, completa Kon.Benefícios da bicicletaFabio Kon ressalta que o intuito da iniciativa não é fazer com que as pessoas deixem de usar o transporte público, mas que haja sinergia entre os meios de locomoção. Além disso, expor para a população os benefícios das pedaladas.“A bicicleta tem muitas vantagens em relação ao carro; é o modo mais eficiente, em termos de uso de energia, para se deslocar”, garante o professor da USP. “O espaço ocupado por uma bicicleta é menos de um décimo do ocupado por um carro, então reduz o congestionamento”, acrescenta.“A bicicleta normalmente trafega entre 10 e 20 km por hora, então é dificilmente acontece um acidente fatal com bicicleta, a não ser que ela tenha sido atingida por um carro, ou outro veículo motorizado”, finaliza o especialista.