Pela primeira vez no estado de São Paulo, a Justiça reconheceu oficialmente a união estável de um trisal. A decisão foi proferida pela juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão, da 1ª Vara Cível de Bauru, interior paulista. O trio formado por Charles Trevisan, Diego Trevisan e Kaio Alexandre dos Santos celebrou a vitória como um marco no reconhecimento de relações poliafetivas no país.O vínculo foi formalizado por meio de um contrato particular, registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos da cidade. A decisão judicial autorizou o registro e determinou a suspensão de uma tentativa de anulação movida pelo Ministério Público. A magistrada argumentou que, embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proíba esse tipo de reconhecimento em cartórios de registro civil e notas, o RTD opera sob regime jurídico distinto e não está sujeito à mesma vedação.“O que não é proibido por lei, é permitido aos particulares”, escreveu a juíza na sentença, referindo-se ao artigo 5º da Constituição Federal. Segundo ela, negar o registro de um contrato afetivo celebrado entre adultos seria restringir indevidamente a liberdade contratual garantida por lei.A relação entre os três começou há cerca de dois anos. Charles e Diego já eram companheiros quando iniciaram o relacionamento com Kaio, que, à época, era menor de idade. O vínculo só foi formalizado após Kaio atingir a maioridade. Pouco antes da decisão ser proferida, Kaio se afastou do relacionamento, mas optou por manter o contrato ativo.A decisão reacende o debate sobre o reconhecimento jurídico de famílias não convencionais no Brasil. Embora não tenha os mesmos efeitos legais de um casamento ou de uma união estável registrada nos moldes tradicionais, o contrato garante certa segurança jurídica ao trio — especialmente em questões patrimoniais e sucessórias.Juristas avaliam que a decisão pode abrir precedente para novos casos e pressionar o Legislativo a discutir atualizações no direito de família. “É um avanço simbólico, ainda que limitado, e revela como o Judiciário está sendo forçado a lidar com novas configurações de afeto que a legislação ainda não contempla”, afirma a advogada e pesquisadora em direito de família Júlia Marcondes.Procurado, o CNJ informou que sua resolução de 2018 permanece em vigor, proibindo o registro de uniões poliafetivas em cartórios civis, mas não comentou sobre a decisão de Bauru.