A relatora especial das Nações Unidas para os direitos humanos, Elisa Morgera, apresentou no início do mês um novo relatório à Assembleia Geral solicitando a criminalização da disseminação de desinformação relacionada à crise climática, além da proibição total do lobby e da publicidade de combustíveis fósseis por parte da indústria.No relatório O imperativo de desfossilizar nossas economias, Morgera sustenta que países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Reino Unido e outras nações ricas em combustíveis fósseis têm, conforme o direito internacional, a obrigação legal de eliminar gradualmente o uso de gás, petróleo e carvão até o final desta década, bem como de indenizar as comunidades afetadas pelos danos causados.“Não há dúvida científica de que os combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo) são a principal causa das mudanças climáticas e o principal impulsionador de outras crises planetárias – perda de biodiversidade, poluição tóxica, desigualdades e violações em massa dos direitos humanos. Diversos mecanismos das Nações Unidas já identificaram uma obrigação internacional de direitos humanos para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e os subsídios relacionados”, afirma o relatório.Os combustíveis fósseis são responsáveis por cerca de 90% de todas as emissões de carbono geradas pelo ser humano. | Foto: Arseny Togulev | UnsplashMorgera, professora de direito ambiental global na Universidade de Strathclyde, na Escócia, defende que exploração, investimentos e subsídios aos combustíveis fósseis sejam banidos, assim como a queima de gás, o fracking, as areias betuminosas e as “falsas soluções tecnológicas”.“Apesar das evidências esmagadoras dos impactos interligados, intergeracionais, severos e generalizados sobre os direitos humanos do ciclo de vida dos combustíveis fósseis… esses países têm e ainda estão acumulando enormes lucros com combustíveis fósseis e ainda não estão tomando medidas decisivas”, declarou Morgera, segundo o The Guardian.Povos indígenas, nações insulares e outras comunidades vulneráveis estão enfrentando os impactos mais severos e agravados pela extração e uso de combustíveis fósseis, além da crise climática, embora sejam os menos beneficiados por essa indústria.O relatório expõe evidências contundentes dos danos acumulados e profundos provocados pelas grandes empresas petrolíferas e pelos subprodutos dos combustíveis fósseis — como plásticos e fertilizantes — a praticamente todos os direitos humanos: direito à vida, à saúde, à alimentação, à água, à moradia, à educação, aos meios de subsistência, à informação e à autodeterminação. Leia também: 1.Chile anuncia fim da venda de veículos movidos à combustíveis fósseis Mesmo com os avanços na descarbonização do setor energético — em 2023, as fontes renováveis supriram 30% da eletricidade global — e com evidências científicas indicando a viabilidade de uma matriz energética mundial 100% renovável, com oportunidades inclusive para países em desenvolvimento e trabalhadores, a previsão é de aumento na extração e uso de combustíveis fósseis. O relatório aponta que isso ocorre apesar do reconhecimento formal da necessidade de sua eliminação gradual tanto no regime internacional de mudanças climáticas quanto no Pacto para o Futuro.Morgera afirma que a “desfossilização” de economias inteiras é essencial para enfrentar os crescentes e universais danos causados pelos combustíveis fósseis em setores como finanças, alimentação, tecnologia, política e mídia.Ela também defende que o direito internacional dos direitos humanos obriga os países a informar suas populações sobre os impactos dos combustíveis fósseis e que a forma mais eficaz de enfrentar a crise climática é por meio da eliminação progressiva desses combustíveis.Foto: Grant Durr | UnsplashSegundo Morgera, as pessoas têm o direito de saber que a indústria de combustíveis fósseis, juntamente com seus parceiros e apoiadores, tem ocultado por seis décadas seu papel na crise climática, disseminando desinformação, interferindo em ações efetivas contra as mudanças climáticas, atacando cientistas e ativistas e influenciando eventos democráticos como as convenções climáticas da ONU.“Uma extensa pesquisa documentou as estratégias em evolução do setor de combustíveis fósseis para manter o público desinformado sobre a gravidade das mudanças climáticas e sobre o papel dos combustíveis fósseis em suas causas (‘o manual’). Isso tem prejudicado a proteção de todos os direitos humanos que são impactados negativamente pelas mudanças climáticas por mais de seis décadas”, afirma o relatório.Morgera defende ainda a proibição do lobby e da propaganda pró-combustíveis fósseis, a criminalização do greenwashing e a aplicação de penalidades contra ataques a defensores do clima.A crise climática provoca impactos crescentes em comunidades no mundo todo, como secas, desertificação, elevação do nível do mar, inundações, escassez de água, poluição do ar, deslocamentos forçados de povos indígenas e perda de biodiversidade. Leia também: 1.Caciques do Oiapoque repudiam exploração de petróleo 2.Arte pelo clima: painel denuncia impacto do petróleo na Amazônia Simultaneamente, a indústria de combustíveis fósseis e o setor petroquímico acumulam lucros bilionários, se beneficiando de esquemas de evasão fiscal, subsídios públicos e proteções legais internacionais, enquanto ignoram a redução das desigualdades econômicas e da pobreza energética.Conforme o relatório, em 2023 as empresas de petróleo e gás lucraram US$ 2,4 trilhões globalmente, enquanto as empresas de carvão alcançaram US$ 2,5 trilhões. Eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis poderia reduzir as emissões em até 10% até 2030. Morgera também defende a devolução — ou justa compensação — das terras indevidamente apropriadas por empresas de combustíveis fósseis aos seus legítimos proprietários.“Povos indígenas, afrodescendentes e camponeses têm enfrentado despejos e deslocamentos sem indenização adequada, violência e intimidação legal, com restrições de acesso e degradação ambiental de seus territórios por operações com combustíveis fósseis, eliminando meios de subsistência alternativos, por exemplo, em áreas de pastagem adjacentes. O descomissionamento e a recuperação de áreas (desmantelamento e remoção da infraestrutura de extração, processamento e armazenamento de combustíveis fósseis) podem deixar poluentes residuais no solo e na água, dificultando a restauração de ecossistemas, a produtividade agrícola e a segurança hídrica para consumo humano por gerações”, afirmou Morgera no relatório.Segundo o The Guardian, o documento apresenta uma fundamentação baseada em direitos humanos para uma ação política decisiva contra os impactos devastadores da crise climática. As recomendações de Morgera priorizam os direitos fundamentais das populações em detrimento dos lucros de uma minoria privilegiada.“Paradoxalmente, o que pode parecer radical ou irrealista – uma transição para uma economia baseada em energia renovável – agora é mais barato e seguro para a nossa economia e uma opção mais saudável para as nossas sociedades”, disse Morgera ao The Guardian. “A transição também pode levar a uma economia significativa do dinheiro dos contribuintes, que atualmente está sendo destinado à resposta aos impactos das mudanças climáticas, à redução de custos com saúde e também à recuperação da receita tributária perdida das empresas de combustíveis fósseis. Esta pode ser a contribuição mais impactante que poderíamos fazer para a saúde. A transição parece radical e irrealista porque as empresas de combustíveis fósseis têm sido muito boas em fazer com que pareça assim.”The post Desinformação climática deve ser crime, diz relatora da ONU appeared first on CicloVivo.