Análise: Trump explorou influência dos EUA a seu favor na guerra comercial

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No final, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conseguiu exatamente o que queria.Apesar disso, os 120 dias desde o anúncio do “Dia da Libertação” não foram exatamente bonitos e foram marcados pelo abalo dos mercados financeiros.De Washington a Wall Street e por todas as capitais estrangeiras, todos os dias apresentavam uma explosão desorientadora de TACOs (negociações baseadas na noção de que Trump Always Chickens Out, ou “Trump sempre se acovarda” em tradução livre), turbulência, drama, ameaças, exceções e medo iminente de uma ruptura iminente na espinha dorsal de 70 anos do comércio global.Mesmo hoje, uma declaração explícita de vitória pareceria míope diante de dados econômicos que apresentam um fluxo constante de sinais contraditórios e alertas que, em muitos aspectos, refletem a natureza desorientadora de uma política comercial sem precedentes históricos modernos.A autoridade executiva que Trump acionou para sustentar uma ampla faixa de suas tarifas enfrenta um risco agudo nos tribunais. Além disso, a abordagem tarifária de Trump continua profundamente impopular nas pesquisas públicas.Após muito tempo dizendo que não adiaria a aplicação do tarifaço no dia 1º de agosto, o presidente dos EUA assinou uma ordem executiva, na noite desta quinta-feira (31), confirmando que suas tarifas “recíprocas” reajustadas entrarão em vigor na semana que vem.Mas à medida que o mundo se aproxima do prazo final, Trump e seus conselheiros econômicos compartilham um inconfundível senso de vingança. Leia Mais Trump anuncia tarifas globais e Brasil tem maior taxa Análise: Tarifaço dos EUA mata exportações de setores menores Associação dos EUA vira trincheira anti-tarifa da carne Acordos bilaterais com importantes parceiros comerciais foram firmados na última semana. A tarifa média efetiva sobre as importações para os EUA está no nível mais alto em quase um século. A receita tarifária está em alta. Os mercados financeiros se estabilizaram e as ações têm se recuperado consistentemente em torno de máximas históricas nas últimas semanas. As previsões de inflação em alta não se concretizaram.A economia norte-americana em geral permaneceu notavelmente resiliente durante todo esse período.Não há como se esquivar de uma Ala Oeste profundamente ciente de sua posição nitidamente minoritária sobre a eficácia das tarifas de Trump ao longo dos últimos quatro meses.“Talvez os perdedores e os odiadores fossem, na verdade, apenas perdedores e odiadores”, disse um alto funcionário da Casa Branca.Apesar de toda a volatilidade nas semanas que se seguiram ao anúncio de tarifas “recíprocas” de Trump em 2 de abril, Trump e seus assessores econômicos mantiveram-se firmes na crença de que chegariam a esse ponto.Era uma posição contrária a praticamente todos os economistas tradicionais, um anátema para os pilares da segurança nacional e da economia do pós-Segunda Guerra Mundial e cimentou a longa – mas não menos impressionante – evolução ideológica sobre tarifas dentro do Partido Republicano que Trump lançou em sua primeira campanha presidencial.Mas, no fundo, havia um conceito que era a linha mestra de uma economia caótica: alavancagem.A visão pouco ortodoxa de Trump sobre as tarifasEssa vantagem advinha da importância singular do mercado norte-americano para a economia global. A crença pessoal de Trump na utilidade das tarifas – e a disposição de deixá-las entrar em vigor e, se necessário, intensificar a aplicação para impedir quaisquer esforços de retaliação – só serviu para reforçar essa realidade.“A dinâmica começa a mudar drasticamente quando você percebe que seu homólogo está disposto a atirar no refém”, disse um funcionário da União Europeia à CNN Internacional depois que Trump fechou um acordo com o bloco.A estrutura Wall Street versus Trade Warrior que definiu a primeira equipe econômica de Trump foi repleta de brigas burocráticas, discussões acaloradas repletas de palavrões e, em mais de uma ocasião, assessores à beira de agressões físicas.De fora, a versão 2.0 da equipe de Trump foi inicialmente vista de maneira semelhante, com o ex-gestor de fundos de hedge e secretário do Tesouro Scott Bessent e o diretor do Conselho Econômico Nacional Kevin Hassett no campo de “Wall Street” e o principal conselheiro comercial Peter Navarro, o secretário de Comércio Howard Lutnick e Stephen Miller, vice-chefe de gabinete para políticas, preenchendo a lista de “guerreiros comerciais”.Embora tenha havido diferenças em termos de estratégia e escala, essa simples percepção nunca se encaixou na realidade nos bastidores.Mais importante ainda, ao contrário do primeiro mandato de Trump, quando assessores como Gary Cohn e Steve Mnuchin se esforçaram abertamente para limitar os impulsos tarifários do republicano, desta vez os assessores do presidente deixaram claro que não estão lá para traçar seu próprio caminho.O presidente decide, e eles executam, seja essa a opção preferida ou não, afirmam autoridades da Casa Branca.O primeiro mandato de Trump contou com amplas ameaças tarifárias que inevitavelmente encontraram resistência entre os próprios conselheiros do republicano e foram moderadas antes mesmo de chegarem ao ponto de implementação.Mas Trump lançou uma guerra comercial com a China, que marcou uma escalada tarifária significativa, contrária a décadas de consenso sobre o livre comércio. Os resultados foram criticados por economistas tradicionais, que viam benefícios limitados.Trump e seus assessores pró-tarifas tiraram um conjunto de lições totalmente diferente desse esforço – lições que lançaram as bases para uma abordagem tarifária dramaticamente mais expansiva em um segundo mandato, diretamente ligada à alavancagem proporcionada pelo mercado norte-americano.Análise: Percepção sobre tarifaço não tem ideologia | Fechamento de MercadoMal compreendidoStephen Miran caminhou até o púlpito para fazer comentários em um think tank em Washington, em um momento de caos no mercado global.Cinco dias após o Dia da Libertação, as ações estavam no meio da pior queda percentual em três dias desde o início da pandemia de Covid, cinco anos antes. O mercado de títulos emitia sinais preocupantes sobre a confiança na estabilidade dos EUA.Miran, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, não demonstrou qualquer ansiedade semelhante ao iniciar seus comentários, ressaltando a visão de Trump de que o sistema de comércio global havia colocado os EUA em desvantagem e não levava em conta adequadamente os benefícios derivados da segurança e estabilidade proporcionadas pelos EUA. Muito pelo contrário.“A maioria dos economistas e alguns investidores falam das tarifas como contraproducentes, na melhor das hipóteses, e devastadoramente prejudiciais, na pior”, disse Miran à plateia. “Eles estão errados.”Miran viu o discurso como uma oportunidade de explicar uma estratégia que autoridades da Casa Branca achavam que era profundamente mal compreendida fora do prédio.“O que me passava pela cabeça é que essas coisas eram realmente mal compreendidas e que as pessoas não entendiam o que estava acontecendo”, disse Miran em entrevista esta semana à CNN Internacional.“Há uma tendência a pensar que a história começou ontem — que o status quo ante é inerentemente justo e qualquer tentativa de perturbá-lo é injusta. Mas isso simplesmente não é verdade.”Miran usou seus comentários para expor os argumentos econômicos que justificam a insistência das autoridades da Casa Branca de que haveria retaliação limitada às tarifas abrangentes de Trump e que os consumidores norte-americanos não arcariam com o ônus do aumento dos custos que elas imporiam.Os altos déficits comerciais dos EUA, disse Miran, ressaltam as opções limitadas que os parceiros comerciais tinham em relação ao mercado dos Estados Unidos.Isso limitaria a retaliação e incentivaria os exportadores a arcar com o custo das tarifas, já que os EUA se beneficiariam do aumento das receitas tarifárias, ou a fechar um acordo com Trump.“Eles não conseguiram avaliar a quantidade de influência que os Estados Unidos têm”, disse Miran à CNN Internacional sobre o medo generalizado de uma espiral de retaliações que tomaria conta da economia global e prejudicaria quaisquer acordos comerciais.“Eles simplesmente não conseguiram avaliar isso. O presidente Trump sabe, e entende, a quantidade de influência que os Estados Unidos têm e sabe como usar essa influência de maneiras que ninguém mais conseguiria.”Essa influência formaria a base do fluxo constante de acordos comerciais que Trump anunciou antes do prazo final.Mas não começou assim.“Eles não achavam que estávamos falando sério”À medida que o choque do Dia da Libertação dava lugar à luta contra a realidade, os principais negociadores comerciais de Trump – Bessent, Lutnick e o Representante Comercial dos EUA, Jamieson Greer – foram inundados com propostas de países de todo o mundo.Essas propostas, no entanto, não chegaram nem perto de um nível que fosse aprovado por Trump, disseram autoridades.Em vez disso, depois que Trump suspendeu as tarifas em 9 de abril para permitir negociações, vários grandes parceiros comerciais abordaram seus colegas norte-americanos com a crença de que uma combinação de ameaças retaliatórias e reduções gerais de tarifas forçaria a Casa Branca a mudar de rumo.“Na época, eles não achavam que estávamos falando sério e achavam que, apenas ameaçando retaliar, nos fariam recuar”, disse Miran. “Eles não estavam falando sério sobre negociar para chegar a um acordo de verdade. Dado o quanto ele adora tarifas, fazer o presidente concordar com um acordo não seria fácil.”O reconhecimento dessa dinâmica por Trump muitas vezes levou a novas ameaças tarifárias que surgiam aparentemente do nada, a qualquer hora, em sua conta no Truth Social.Uma tática semelhante foi utilizada para reprimir empresas que cometeram o erro de reconhecer publicamente possíveis aumentos de preços. A estratégia teve um impacto profundo nos altos executivos de todo o país, de acordo com entrevistas com mais de uma dúzia de executivos e lobistas.“Torna-se uma decisão de negócios”, disse um executivo à CNN Internacional. “O custo-benefício de colocar um alvo nas suas costas com esta administração em particular simplesmente não compensa.”Ainda assim, vários executivos alertaram que os aumentos de preços eram quase inevitáveis nos próximos meses e, em teleconferências sobre lucros e nos dados econômicos, já havia sinais de que os aumentos estavam atingindo os produtos mais expostos.Declarando vitóriaWall Street, no entanto, em muitos aspectos, evoluiu desde as semanas iniciais gastas em um gatilho permanente.“Ele meio que subjugou todo mundo”, disse um executivo de banco à CNN Internacional. “Acho que todos se conformaram com a realidade de tarifas muito mais altas, mas não tão altas quanto poderiam ter sido, e simplesmente decidiram considerar a situação uma vitória e seguir em frente. É meio louco quando você pensa nisso.”O mesmo poderia ser dito dos meses de negociações comerciais que estão gradualmente chegando à conclusão.Trump não fechou 90 acordos em 90 dias – a frase frequentemente repetida por Navarro logo após a suspensão tarifária de abril.Mas ele foi frequentemente o motivo, dizem as autoridades, observando que em vários momentos a equipe de negociação de Trump apresentou rascunhos de acordos para sua aprovação, apenas para serem devolvidos à mesa.Sinais dessa dinâmica, que ocorreu a portas fechadas, ficaram aparentes quando os conselheiros de Trump insistiram repetidamente, durante meses, que os acordos eram iminentes.“Todos nós acreditamos quando dissemos isso — não estávamos mentindo”, disse Miran quando questionado sobre os comentários públicos. “A realidade é que o presidente toma todas as grandes decisões e ele aceitou essas ofertas e as levou mais longe do que qualquer um poderia ter previsto.”Os anúncios recentes, em rápida sucessão, conseguiram manter uma tarifa significativa sobre todas as importações na faixa de aproximadamente 15%, ao mesmo tempo em que incluíram concessões no acesso ao mercado para produtores dos EUA e compromissos de centenas de bilhões de dólares em compras de produtos norte-americanos ou para uso do próprio Trump como investimentos para lidar com vulnerabilidades na cadeia de suprimentos nacional.A estrutura e as prioridades dentro de cada acordo ressaltaram o grau em que Trump esteve pessoalmente envolvido em quase todos os aspectos de qualquer acordo final, até mesmo usando um marcador para riscar o valor do investimento proposto pelo Japão que ele queria que fosse US$ 100 bilhões maior.Os negociadores japoneses, que estavam sentados em frente a Trump no Salão Oval, aceitaram os termos.Os assessores de Trump reconhecem que sua capacidade de evitar a ladainha dos piores cenários não surgiu do nada. Os consumidores americanos continuaram a gastar.A principal prioridade da agenda legislativa de Trump – um amplo pacote de cortes de impostos – foi sancionada, eliminando outra enorme incerteza da economia americana.O único país que retaliou – a China – continua sendo o maior desafio e risco econômico, à medida que as negociações entre as duas maiores economias do mundo prosseguem e se baseiam quase inteiramente em evitar uma nova rodada de escalada rápida.O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, reiterou mais uma vez sua opinião esta semana de que o impacto das tarifas de Trump ainda é muito difícil de avaliar com certeza e só agora começou a afetar os consumidores — algo que deve acontecer com mais regularidade nos próximos meses.Trump, no entanto, declarou vitória – e seu principal economista acredita no mesmo.“O Projeto de Lei Único, Grande e Bonito foi aprovado e os acordos comerciais estão sendo acertados”, disse Miran. “A incerteza que preocupava muitos está se dissipando. Acho que estamos nos preparando para um segundo semestre muito, muito mais forte.”Petróleo, café e aeronaves: veja itens mais exportados pelo Brasil aos EUA