A decisão do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aplicar uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras a partir de 1º de agosto de 2025 chega em um dos momentos mais delicados para o mercado de crédito nacional dos últimos anos. Com o aumento da inadimplência, a alta dos juros reais e a redução do apetite dos bancos por risco, a medida deve agravar o ambiente de restrição de crédito — afetando principalmente o setor exportador.Dados do primeiro semestre de 2025 mostram uma clara deterioração nas condições de crédito. A inadimplência no crédito livre para empresas atingiu 4,2%, o maior patamar desde 2021, segundo o Banco Central. O spread bancário médio no crédito PJ subiu de 10,1 pontos percentuais em dezembro de 2024 para 11,3 pontos em maio de 2025. A concessão de crédito com recursos livres recuou 3,7% no acumulado do semestre, enquanto a taxa de juros real segue acima de 6%, o que limita a expansão do crédito privado e eleva o custo de capital.Nesse contexto, a imposição de tarifas representa um novo choque negativo. O impacto deve ser mais visível nos setores com forte exposição ao mercado norte-americano. Os Estados Unidos são o segundo maior destino das exportações brasileiras, com 11,2% do total em 2024. Setores como café, suco de laranja, carne bovina, aço e aviação serão diretamente atingidos.SAIBA MAIS: Guia gratuito do BTG sobre a temporada de balanços – saiba os destaques das maiores empresas da bolsa no 2º tri de 2025O caso do café e do suco de laranja é particularmente preocupante. Os EUA são os principais compradores desses produtos. Em 2024, 22% das exportações brasileiras de café e 70% do suco de laranja tiveram como destino o mercado americano. Com a tarifa, o Brasil perde competitividade frente a países como Vietnã, México e Índia, o que pode gerar queda de receitas, retração da produção, demissões e aumento da inadimplência, especialmente nas regiões produtoras.Do ponto de vista do sistema financeiro, a reação tende a ser imediata: reavaliação de limites de crédito, exigência de garantias mais robustas, encarecimento do capital e retração do crédito rural e industrial. A volatilidade cambial também deve se acentuar, pressionando contratos de dívida em dólar e elevando custos de hedge.Esse efeito em cadeia tende a ser mais severo no crédito direcionado a pequenas e médias empresas, produtores rurais e cooperativas — justamente os canais que abastecem cadeias produtivas com forte presença de trabalhadores e empreendedores das classes CDE.A tendência de reavaliação de limites virá de uma postura mais conservadora e seletiva das instituições financeiras. Empresas com maior exposição ao mercado externo ou situadas em regiões com forte vocação exportadora (como Sul, Sudeste e Centro-Oeste) devem ter seu risco reclassificado, o que leva à exigência de garantias adicionais — algo que pequenos produtores e empresas familiares das classes CDE, muitas vezes, não conseguem oferecer.Além disso, o encarecimento do capital deve restringir o acesso a linhas de crédito rural, industrial e de capital de giro. Com maior percepção de risco, os spreads aumentam, e os bancos passam a exigir histórico de crédito mais sólido, excluindo justamente os negócios mais frágeis, muitas vezes informais ou de baixa escala, típicos da base da pirâmide.A retração do crédito rural e industrial também impacta o emprego informal e as economias locais. Muitas atividades ligadas ao agronegócio exportador — como transporte, logística, pequenos comércios e serviços em cidades do interior — dependem do crédito ao produtor. Quando esse crédito encolhe, a renda, o consumo e o emprego nessas regiões sofrem rapidamente, com efeito direto sobre as classes CDE.Outro ponto relevante é que, com o dólar mais instável, empresas com contratos de dívida em moeda estrangeira enfrentam maior custo financeiro. Muitas acabam repassando esse custo à cadeia produtiva, o que pode resultar em inflação localizada, cortes de jornada ou demissões. Setores como alimentos, vestuário e logística — com forte impacto no consumo popular — são particularmente sensíveis.Por fim, o aumento do custo de proteção cambial (hedge), ao qual muitos negócios menores sequer têm acesso, torna essas empresas mais vulneráveis a choques externos e reduz sua capacidade de planejamento e investimento.E MAIS: Selic mantida em 15% – entenda como isso afeta os seus investimentosDiante desse cenário, o Brasil precisa adotar uma postura pragmática. Escalar a retórica apenas amplia a incerteza. A prioridade deve ser mapear os setores mais atingidos, estimar os impactos em receita e emprego e implementar medidas de suporte. Entre elas estão o uso do BNDES para criar linhas emergenciais de crédito a exportadores, a articulação com bancos comerciais e cooperativas e o fomento ao uso de garantias, seguros e capital de giro assistido.Mais do que reagir, é preciso abrir novos mercados, reduzir a dependência de poucos destinos comerciais e construir uma agenda coordenada entre governo, setor financeiro e indústria. A tarifa de Trump representa um choque externo relevante que pode se tornar catalisador de transformação — ou acelerador de perdas e desemprego, caso falte coordenação. O caminho é agir com foco, estratégia e velocidade.