Gigantes montadoras chinesas avançam no Brasil com o sonho de dominar um continente

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A duas horas de carro além dos engarrafamentos de São Paulo, passando pelos vastos vales de cana-de-açúcar, uma das primeiras fábricas de carros elétricos movidos a bateria das Américas está prestes a ser inaugurada.O objetivo é reinventar a forma como o Brasil dirige e, em última instância, o restante da América Latina, assim como as montadoras chinesas já fizeram em grande parte da Ásia e querem fazer na Europa.Até recentemente, essa fábrica era operada pela Mercedes-Benz, o gigante alemão da inovação automotiva do século 20, que produzia carros movidos a gasolina. Hoje, ela pertence à Great Wall Motor, uma das principais exportadoras chinesas de veículos elétricos estilosos e acessíveis.Leia também: BYD vai começar a montar veículos na Bahia, reduzindo importaçõesLeia também: BYD supera Tesla com receita de US$ 107 bilhões e lucro de US$ 5,55 bilhões em 2024A mudança de mãos reflete uma profunda transformação em uma das indústrias mais vitais do mundo. Se antes os carros americanos e europeus, movidos a combustíveis fósseis, dominavam gostos e tendências globais, essa era parece estar rapidamente se voltando a favor da China.Hoje, a China não só fabrica e exporta mais carros de todos os tipos do que qualquer outro país, como suas empresas dominam a fabricação global de veículos elétricos do futuro. Elas também controlam a cadeia de suprimentos de praticamente tudo que compõe esses carros.Os veículos elétricos chineses estão entre os mais avançados do mundo. Alguns percorrem, com uma única carga, distâncias equivalentes aos modelos topo de linha da Tesla, mas a preços mais baixos. Uma montadora chinesa, a BYD (Build Your Dreams), desenvolveu tecnologia capaz de carregar totalmente a bateria em apenas cinco minutos.Não é de se espantar que as vendas da Tesla na China estejam em queda, e que os Estados Unidos, sob as administrações de Joe Biden e Donald Trump, tenham praticamente proibido a importação de carros chineses.Para a China, sobra o resto do mundo.Seus fabricantes de veículos elétricos e híbridos já instalaram ou estão instalando fábricas na Hungria, Indonésia, Rússia, Tailândia e Turquia. Esses esforços, incluindo a fábrica da Great Wall no Brasil, fazem parte de uma campanha global da China para conquistar uma fatia significativa da indústria automotiva mundial, uma poderosa fonte de receitas, empregos e prestígio nacional.Os gigantes ocidentais do setor automotivo estão preocupados.“Estamos em uma competição global com a China”, disse Jim Farley, CEO da Ford Motor, na conferência Aspen Ideas em junho. “Não é só sobre veículos elétricos. E se perdermos essa disputa, não teremos futuro na Ford.”A Great Wall Motor assumiu a fábrica da Mercedes na cidade industrial de Iracemápolis, perto de São Paulo, após a montadora alemã fechar as portas em 2021, culpando a queda nas vendas de carros de luxo. A BYD assumiu uma fábrica da Ford depois que anos de vendas fracas e prejuízos forçaram a gigante americana a encerrar sua longa história de produção no Brasil.Na época, Farley chamou os fechamentos de “ações difíceis, mas necessárias”. A Ford montava carros no Brasil há um século, começando com o Modelo T.“Pela primeira vez em décadas, vemos um desafio real à dominância das marcas americanas e europeias, não apenas em participação de mercado, mas na definição do futuro da mobilidade”, afirmou Natalie Unterstell, presidente do Talanoa Institute, organização de pesquisa e defesa climática sediada no Rio de Janeiro.O Brasil, sexto maior mercado automotivo do mundo, tenta aproveitar essa oportunidade, em vez de ser atropelado. O país incentiva empresas, independentemente da origem, a produzirem carros em solo brasileiro, preferencialmente menos poluentes, enquanto impõe tarifas crescentes sobre importações.Nem tudo tem sido fácil. Houve conflitos sindicais relacionados às práticas trabalhistas chinesas. Mas a mensagem geral do governo é clara: se quiserem acesso aos consumidores brasileiros, venham criar fábricas e empregos aqui.“Não queremos ser apenas importadores de tecnologias produzidas em outros países”, disse Rafael Dubeux, assessor especial do Ministério da Fazenda, em entrevista em Brasília. “Queremos também aproveitar essa mudança profunda no mundo, nas instalações industriais, para que o Brasil tenha participação nas cadeias de valor que acreditamos que prevalecerão.”Pelo menos três empresas chinesas estão abrindo fábricas de montagem no Brasil. Além da Great Wall Motor e da BYD, outra montadora chinesa, a Chery, firmou parceria com a brasileira Caoa para produzir carros no centro do estado de Goiás.Ainda assim, Márcio Lima Leite, presidente da associação brasileira de montadoras, permanece preocupado. As novas fábricas chinesas no Brasil montam principalmente carros com componentes importados da China, incluindo o componente mais valioso, as baterias. Segundo ele, isso não vai impulsionar a indústria nacional.“É muito importante termos competitividade no Brasil, produzindo a nova tecnologia aqui”, afirmou.As montadoras chinesas tiveram que se adaptar a necessidades locais importantes. No Brasil, isso significa atender à poderosa indústria do etanol. O etanol é produzido a partir da enorme safra de cana-de-açúcar do país, e a legislação brasileira exige que cada litro de gasolina contenha um pouco mais de 25% de etanol.Assim, as montadoras não produzem apenas carros totalmente elétricos no Brasil, mas também híbridos que funcionam parcialmente com a mistura de gasolina e etanol e parcialmente com baterias. “Precisamos produzir o que os clientes procuram”, disse Márcio Renato Alfonso, brasileiro que trabalhou muitos anos em uma montadora americana e hoje é diretor de pesquisa e desenvolvimento da Great Wall no Brasil. “Alta tecnologia com preço acessível.”A chegada da BYD em CamaçariNa Avenida Henry Ford, na cidade industrial de Camaçari, o que antes era uma fábrica da Ford está se tornando uma fábrica da BYD.Essa foi a fábrica mais nova da Ford. Todos os dias, desde 2001, produzia centenas de carros movidos a gasolina. Empregava cerca de 5 mil trabalhadores. Também acumulava enormes prejuízos.Em 2021, a fábrica da Ford fechou.“Foi um choque”, disse Júlio Bonfim, que era presidente do sindicato dos metalúrgicos da fábrica. “Eu imaginava que meu filho também trabalharia lá. Não aconteceu.”O governo estadual ofereceu à BYD um pacote de incentivos para assumir a fábrica. Mas quase logo após a chegada da empresa chinesa, ela se envolveu em um escândalo trabalhista.Em dezembro, autoridades brasileiras acusaram a empreiteira da BYD, Jinjiang Construction Group, de manter 163 trabalhadores chineses em “condições análogas à escravidão” e em violação das leis trabalhistas brasileiras. O caso simboliza o desafio que as empresas chinesas enfrentam ao expandir no Brasil, país com sindicatos fortes.Os trabalhadores foram enviados de volta para a China. A construção desacelerou. Representantes da empresa disseram esperar iniciar a produção ainda este ano. Quando isso acontecer, o sindicato de Bonfim insiste que brasileiros devem ser contratados para trabalhar na linha de produção. A entidade ameaçou greve caso trabalhadores chineses sejam trazidos.Alexandre Baldy, principal executivo da BYD no Brasil, afirmou que a empresa tomou medidas para corrigir as irregularidades. Em maio, o Ministério Público do Trabalho apresentou denúncias contra a montadora e suas empreiteiras por tráfico de pessoas. A empresa disse que pretende contestar as acusações.Enquanto isso, a fábrica da Great Wall em Iracemápolis deve estar praticamente em operação plena. Uma cerimônia de inauguração está prevista para agosto. Os carros devem começar a sair da linha de montagem logo em seguida.A fábrica planeja inicialmente produzir um modelo híbrido e três híbridos plug-in.c.2025 The New York Times CompanyThe post Gigantes montadoras chinesas avançam no Brasil com o sonho de dominar um continente appeared first on InfoMoney.