Vivemos num tempo de colapso silencioso. Lagos antes férteis tornaram-se salinas desoladas, florestas desapareceram sob a pressão da agricultura intensiva e os mares, esvaziados, perderam o pulso da vida. Mas nem tudo está condenado a seguir o caminho do declínio. Há, neste século de incerteza, sinais de que os chamados positive tipping points – pontos de viragem positivos – podem ser a resposta que faltava para reverter a degradação ambiental e transformar comportamentos humanos em direção a um futuro sustentável.Na essência, trata-se de identificar momentos-chave onde uma pequena intervenção gera mudanças autoalimentadas, capazes de restaurar ecossistemas e regenerar comunidades. De Yellowstone, nos Estados Unidos, ao Rajastão, na Índia, passando por zonas como Doñana ou o Parque Nacional da Peneda-Gerês, há cada vez mais exemplos onde a recuperação ecológica se entrelaça com sistemas sociais resilientes.Mas se as histórias pontuais nos inspiram, a grande questão mantém-se: como escalar estas viragens positivas à escala global? Como se muda um sistema?Nas paisagens esgotadas do mundo – dos campos áridos aos oceanos sobrepescados – estas viragens podem emergir como oportunidades raras. Um projeto piloto bem-sucedido, uma comunidade unida ou uma medida política ousada pode desencadear um efeito dominó, onde a regeneração de um recurso natural gera valor social, económico e ambiental em cadeia.No caso do Parque de Yellowstone, foi a reintrodução do lobo, em 1995, que devolveu ao ecossistema a sua arquitetura invisível. Sem o predador de topo, os veados multiplicaram-se e devastaram a vegetação ribeirinha, provocando erosão, escassez de sombra e o recuo de várias espécies. O regresso do lobo, quase 70 anos depois da sua erradicação, corrigiu o desequilíbrio: as presas alteraram os seus padrões de movimentação, a vegetação recuperou e, com ela, voltou a diversidade. Um pequeno ato — o regresso de um animal — tornou-se catalisador de uma transformação sistémica.Mais perto de nós, também se testemunham sinais promissores. Em zonas como a Serra Morena ou o Vale do Guadiana, a recuperação do lince-ibérico – outrora à beira da extinção – mostra que com políticas bem desenhadas, envolvimento local e persistência, é possível reverter trajetórias de colapso. O mesmo se aplica ao regresso tímido do lobo-ibérico a territórios onde fora erradicado, despertando novas formas de diálogo entre conservação e economia rural. Cooperar é o novo verbo ecológicoMas não basta agir sobre a natureza – é preciso agir com ela e entre nós. A ligação entre ecologia e sociedade é cada vez mais evidente, e muitos dos pontos de viragem positivos ocorrem precisamente quando comunidades se unem para gerir recursos comuns com base em confiança, tradição e inovação.Na Índia, o caso de Bhikampura é paradigmático. Após décadas de degradação hídrica e abandono rural, bastou um grupo de jovens voluntários e a reparação de uma pequena represa (johad) para desencadear uma reação em cadeia. A água voltou, os campos tornaram-se férteis, os homens regressaram às aldeias e as mulheres deixaram de caminhar quilómetros em busca de água. Um sistema social e ecológico inteiro reergueu-se com base num gesto simbólico e cooperativo. Hoje, mais de 3.000 johadi foram restauradas na região. Do local ao global – e vice-versaEstes pontos de viragem positivos não são milagres nem coincidências. São fruto de decisões conscientes, baseadas no reconhecimento de que a natureza funciona por ciclos, retroalimentações e equilíbrios dinâmicos – e que, ao compreendê-los, podemos agir de forma mais inteligente e eficaz.É neste cruzamento entre ciência, política e cultura que reside o verdadeiro potencial das soluções baseadas na natureza. São mais baratas, mais resilientes e mais alinhadas com a realidade dos territórios. Ajudam a sequestrar carbono, a proteger contra fenómenos extremos, a melhorar a saúde pública e a reforçar a segurança alimentar – tudo ao mesmo tempo. E são, acima de tudo, interdependentes.A meta para 2030 – definida pelo Acordo de Kunming-Montreal – aponta para a restauração de 30% dos ecossistemas degradados e a conservação de 30% das áreas terrestres e marinhas. Mas, a meio da Década das Nações Unidas para a Restauração dos Ecossistemas, o progresso é demasiado lento. A mudança precisa de ganhar velocidade — e precisa de histórias que se multipliquem, como a do lobo de Yellowstone ou a água que renasceu em Rajasthan.Porque a verdade é esta: quando damos à natureza espaço para respirar e às comunidades meios para cooperar, o mundo começa a mudar. E às vezes, basta um gesto pequeno, mas no momento certo, para virar o destino de um ecossistema inteiro. A esperança não está nas promessas distantes, mas nas viragens discretas que já estão a acontecer. O segredo está em reconhecê-las – e amplificá-las.Este artigo parte de outro do World Economic Forum.O conteúdo ‘Positive tipping points’: como pequenas viragens podem salvar ecossistemas aparece primeiro em Revista Líder.