Da periferia ao Ártico: duas bolsistas partem em expedição ao extremo do planeta

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A viagem dos cientistas da Universidade Católica de Brasília (UCB) ao Círculo Polar Ártico, iniciada neste sábado (26/7), é especial por si só: o grupo de estudantes e professores da instituição de ensino superior vai coletar amostras de plantas que podem ser úteis para, entre outros fins, tratamentos contra cânceres.Contudo, a partir de outro ponto de vista, é possível perceber um motivo ainda mais nobre: a oportunidade pessoal e profissional oferecida a duas universitárias que embarcam rumo ao norte europeu. Leia também Distrito Federal Grupo do DF vai ao Ártico para estudar plantas que podem tratar câncer Distrito Federal As plantas com potencial para tratar câncer e melhorar agricultura Ciência Plantas podem ver e ouvir? Biólogos contam quantos sentidos elas têm Saúde Banho de floresta indoor: os benefícios de ter muitas plantas em casa As alunas em questão são a estudante de farmácia Thaíssa Mendes, 22 anos, e a odontóloga em formação Maria Karollina Gonçalves, 30. Com passagens e estadia custeadas pela UCB, essa será a primeira vez que as jovens vão viajar ao exterior.Além disso, Thaíssa e Maria Karollina estudam com bolsa 100%, garantida pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni), do governo federal.Crias do ensino público do Distrito Federal e do Entorno, ambas sempre se viram muito longe de chances como essa. E, cinco anos atrás, parecia impossível cursar o ensino superior – quem dirá imaginar uma ida ao Ártico –, como elas mesmas contaram em entrevista ao Metrópoles.Veja imagens do grupo de pesquisadores:13 imagensFechar modal.1 de 13Thaíssa Mendes, 22 anosJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)2 de 13Maria Karollina Gonçalves, 30 anosJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)3 de 13Marcelo Ramada, doutor em biologia molecular e coordenador do BriotechJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)4 de 13Stephan Dohms, doutor doutor em ciências genômicas e biotecnologia e vice-coordenador do BriotechJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)5 de 13Alunas e professores da Universidade Católica de Brasília (UCB) vão ao Círculo Polar Ártico neste sábado (25/7)Jéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)6 de 13Estudo faz parte do projeto Briotech, da UCBJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)7 de 13Grupo vai colher amostras de briófitas para estudosJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)8 de 13Essa é a primeira vez que as duas universitárias vão viajar ao exteriorJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)9 de 13Projeto analisa briófitas desde 2019Jéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)10 de 13Briófitas – ou musgos – são pequenas plantas conhecidas por não terem vasos condutores de líquidos (seiva)Jéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)11 de 13Briófitas suportam temperaturas extremas, frias ou quentesJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)12 de 13Espécies de briófitas no laboratório de biologia molecular da UCBJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)13 de 13Amostra de briófitasJéssica Marschner/Especial para o Metrópoles (@jmarschnerfotografia)Entenda o motivo da viagemDois professores e duas estudantes da UCB viajam, neste sábado (26/7), rumo à região da Lapônia, mais especificamente na Finlândia e na Suécia, para uma expedição científica no Círculo Polar Ártico.Os pesquisadores vão coletar amostras de plantas briófitas – ou musgos – nativas da região.Alguns estudos demonstram que essas espécies têm potencial para combater bactérias resistentes, serem usadas na indústria dos cosméticos, melhorar genes na agricultura, auxiliar no tratamento de cânceres, entre outros.As briófitas coletadas pelo grupo serão cultivadas em laboratório, para posterior extração de compostos com interesse biotecnológico.A ideia envolve entender melhor o comportamento dessa plantas enquanto grupo, como são as variações de informação genética delas e de que forma isso pode se relacionar a vegetais de interesse econômico, como soja, milho, feijão e arroz.Toda a coleta foi viabilizada pela Embaixada do Brasil em Helsinque, capital da Finlândia, antes da viagem, o que permitirá ao grupo trabalhar no país europeu de maneira legal.Os dois professores que comandam a expedição fizeram sete viagens desse tipo anteriormente e participaram da primeira expedição científica brasileira ao Ártico, em 2023.Agora, a meta será comparar amostras de plantas de diferentes regiões dos polos Norte e Sul do planeta.Para além das atividades científicas, a missão tem caráter diplomático, pois os quatro cientistas da UCB farão uma visita à Embaixada do Brasil em Helsinque, onde vão se encontrar com o embaixador Luís Balduíno.Conquista de vidaPoder viajar ao Círculo Polar Ártico e estudar as briófitas, plantas valiosas para diversas indústrias, é uma recompensa aos diversos desafios vencidos por Thaíssa e Maria Karollina, desde antes da entrada na universidade.Thaíssa, por exemplo, cursou o ensino médio no campus de Luziânia (GO) do Instituto Federal de Goiás (IFG) e se formou no início de 2022, durante a pandemia da Covid-19. Porém, ela sentia que o distanciamento social e a falta de contato presencial com professores a deixava distante de uma aprovação no ensino superior.“Fiz o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] para entender como ele funcionava, mas pensando que não seria aprovada. Quando saiu o resultado, eu me inscrevi no Prouni só por curiosidade e coloquei a UCB como primeira opção. Para minha surpresa, passei na primeira chamada”, recorda-se.Uma vez aprovada, surgiram outros obstáculos. Thaíssa enfrenta diariamente duas horas no transporte público para sair de casa, em Luziânia, no Entorno do DF, e chegar ao campus da UCB, em Taguatinga. O trajeto de volta tem a mesma duração.“O tempo [de deslocamento] poderia ser usado para outras atividades aqui [na universidade]. Mesmo assim, tento fazer o máximo de coisas possível”, comenta a jovem, que se forma no fim deste ano.Emocionada, a estudante de farmácia agradece pela chance da viagem ao Ártico. “Não acredito até agora. É muito legal ter essa oportunidade sendo bolsista. Estou muito, muito feliz de poder conhecer um país diferente e fazer essa pesquisa”, completa.Sonhos da famíliaUma das grandes amigas de Thaíssa na universidade é a estudante de odontologia Maria Karollina, que também participará da expedição científica.Karol, como é carinhosamente chamada, tornou-se uma verdadeira representante da meta de vida da mãe. “Ela me deu à luz muito nova e não pôde estudar, mas tinha esse sonho. Só que, por se dedicar à minha criação, precisou trabalhar cedo”, relata a jovem.“Ela sempre quis eu tivesse a oportunidade de fazer o que tivesse vontade. E dizia que, diferentemente dela, eu podia ser quem quisesse, pois o fato de ela não ter tantas condições não seria um impedimento.”A universitária não tinha a odontologia como primeira opção e almejava passar em medicina em uma universidade pública. Moradora de Samambaia Norte, ela conta que sempre contou com o apoio da mãe para isso. No entanto, com o tempo, abriu o coração para outras profissões e, em 2022, foi aprovada na UCB no curso atual.“Minha mãe sempre falou: ‘Você não precisa estudar e trabalhar’. Enquanto quiser, vai estudar, e vou te manter’. Só que vamos ficando mais velhas, e isso vai pesando muito. Mas ela disse: ‘Se não tiver vontade, não precisa ficar nesse curso. Pode continuar a estudar, e vou te manter, porque quero que você faça o que sonhou'”, relembra Karol.Depois de perceber que não estava no curso por obrigação, que poderia parar se sentisse necessidade e que tinha a possibilidade de começar de novo, Maria Karollina sentiu alívio. Ela continuou na odontologia e, posteriormente, descobriu-se apaixonada pela área.“Se não fosse o Prouni, eu não teria condições. Mesmo com a bolsa de 100%, esse curso é muito caro. Tudo que minha mãe guardou a vida dela toda para dar entrada em uma casa foi usado para comprar o material de estudos”, detalha.A estudante também diz que chorava quando precisava comprar esses itens. “E ela [a mãe] perguntava: ‘Por que você está assim?’. E era porque eu via o dinheiro da vida dela ali. Mesmo assim, ela sempre falava: ‘A gente dá um jeito'”, conta.Confira o roteiro da viagem:Potenciais das briófitasAlém de Maria Karolline e Thaíssa, os professores Marcelo Ramada, doutor em biologia molecular, e Stephan Dohms, doutor em ciências genômicas e biotecnologia, também vão ao Ártico.Os dois são, respectivamente, coordenador e vice-coordenador do projeto de pesquisa Briotech, dos quais Karol e Thaíssa fazem parte junto a outros 12 estudantes.O Briotech surgiu em 2019 na UCB, com objetivo de explorar os polos Sul e Norte do planeta. O programa conta com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).Em resumo, briófitas são plantas que não têm vasos condutores de seiva – líquido que circula por dentro de algumas espécies de vegetais. Geralmente miúdas, elas são encontradas em locais úmidos, mas suportam altas temperaturas, segundo detalha o professor Stephan Dohms.“Por serem plantas pequenas, pensamos que elas não são tão desenvolvidas. Mas, na verdade, elas têm uma capacidade de responder muito bem ao meio ambiente”, diz Dohms.E uma prova disso é o fato de elas predominarem nos polos Sul e Norte. “Esses são ambientes muito frios e com incidência maior de raios ultravioleta – o que sabemos ser um complicador para qualquer ser vivo. Porém, apesar de pequeninas, eles têm uma resposta química muito grande.”O que os pesquisadores tentam entender, portanto, é justamente como essas plantas conseguem responder a ambientes tão extremos. O professor Marcelo Ramada acrescenta que o fato de as briófitas suportarem calor e frio extremos permite inferir que essas plantas podem ser potencialmente usadas em diversos casos.“A diversidade química que essas pequenas plantas têm pode fazer o que nós descobrimos: novos agentes antitumorais [que agem contra cânceres], por exemplo. Boa parte deles foi inicialmente descoberta a partir de plantas”, destaca.Ramada ressalta que as briófitas têm “capacidade química extremamente diversa”; contudo, foram pouco estudadas até agora. “Temos possibilidades de aplicação delas com fins cosméticos, pois essas plantas sobrevivem a situações de alta intensidade solar. Então, posso gerar novos protetores e até moléculas antienvelhecimento”, exemplifica.As espécies podem, ainda, ter genes e moléculas que protegem do frio e da seca plantações de grãos como arroz, feijão, soja e milho. “Essa capacidade de sobrevivência por seis meses sob uma intensidade solar muito alta, e mais um semestre sob ausência de luminosidade, permite a exploração delas para esses fins”, destaca Ramada.“[Inclusive] no combate a possíveis desabastecimentos ou influências negativas causadas por pragas. No geral, tudo isso acaba por influenciar diretamente no Produto Interno Bruto de um país”, acrescenta o professor.