Uma transformação estrutural está remodelando o sistema financeiro global. As stablecoins, tokens digitais projetados para manter estabilidade de valor, emergiram como a ponte definitiva entre o universo financeiro tradicional e a economia digital. Com um valor de mercado que superou US$ 263 bilhões em junho de 2025 e um volume transacional anual de mais de US$ 28 trilhões, esses ativos já processam mais transações que Visa e Mastercard combinadas, sinalizando uma mudança paradigmática na forma como o mundo movimenta valor.O crescimento exponencial das stablecoins reflete uma demanda latente por soluções financeiras mais eficientes e acessíveis. Entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025, a oferta global cresceu 63%, enquanto o volume mensal de transferências dobrou, atingindo mais de US$ 35 trilhões no período. Esta evidencia uma mudança fundamental na preferência por sistemas de liquidação instantânea e custos reduzidos.Tether (USDT) mantém sua posição dominante com US$ 153 bilhões em circulação, seguido por USDC (Circle) com US$ 60 bilhões, controlando conjuntamente quase 90% do mercado. O que torna esses números ainda mais significativos é o fato de que essas duas empresas detêm mais de US$ 204 bilhões em títulos do Tesouro americano, montante superior às reservas de países como Alemanha ou Emirados Árabes Unidos. Esta concentração de poder financeiro em instrumentos privados levanta questões importantes sobre soberania monetária e estabilidade sistêmica.A legitimidade das stablecoins ganhou contornos definitivos com a entrada massiva de instituições financeiras tradicionais. Dados da Fireblocks revelam que 49% das instituições globais já utilizam stablecoins para pagamentos, enquanto outros 41% estão em fase de piloto ou planejamento ativo. Esta estatística representa mais que uma tendência; ela documenta uma transformação irreversível na infraestrutura de pagamentos mundial.Leia também: Alexandre de Moraes retoma aumento de IOF — e isso pode ser bom para as stablecoinsO setor bancário tradicional tem demonstrado particular interesse em stablecoins como solução para pagamentos transfronteiriços. Pesquisas indicam que 58% dos bancos tradicionais utilizam stablecoins especificamente para pagamentos cross-border, aproveitando a capacidade de liquidação instantânea para recuperar participação de mercado perdida para fintechs. Esta mudança estratégica reflete o reconhecimento de que stablecoins oferecem vantagens competitivas tangíveis em velocidade, custo e alcance global.Grandes processadoras de pagamentos também intensificaram seus investimentos no ecossistema de stablecoins. A Fiserv lançou a FIUSD, integrada à sua rede de 10.000 bancos e 6 milhões de estabelecimentos, com parcerias estratégicas incluindo PayPal e Mastercard. A Worldpay, que processa US$ 2,3 trilhões anuais, habilitou liquidações em USDC para clientes em mais de 180 países. A Stripe acelerou sua integração após investir US$ 1,1 bilhão na aquisição da Bridge, demonstrando o comprometimento de longo prazo com a tecnologia.Diferenciação estratégica entre segmentos B2B e B2CA implementação de stablecoins por empresas Business-to-Business (B2B) e Business-to-Consumer (B2C) segue lógicas operacionais distintas, cada uma otimizada para necessidades específicas de seus respectivos mercados. Empresas B2B têm utilizado stablecoins primariamente para resolver ineficiências históricas em pagamentos internacionais, gestão de tesouraria e liquidação de fornecedores. O foco permanece em eficiência operacional, redução de custos e automação de processos de liquidação em grandes volumes, especialmente em transações transfronteiriças.O volume de pagamentos B2B com stablecoins cresceu 30 vezes em dois anos, saltando de menos de US$ 100 milhões no início de 2023 para mais de US$ 3 bilhões mensais em 2025. Este crescimento reflete não apenas maior adoção, mas também a maturidade crescente da infraestrutura e a confiança institucional na tecnologia. Empresas utilizam stablecoins para pagamentos a fornecedores globais, gestão de folha de pagamento internacional e otimização de tesouraria entre filiais, aproveitando a capacidade de movimentação instantânea de liquidez.O segmento B2C, por sua vez, concentra-se na experiência do usuário final, utilizando stablecoins para facilitar remessas internacionais rápidas e baratas, pagamentos a trabalhadores da gig economy, compras internacionais e inclusão financeira. Enquanto o B2B busca eficiência, escala e automação, o B2C prioriza agilidade, acessibilidade e redução de barreiras para o consumidor final. Esta diferenciação demonstra como a tecnologia está sendo aplicada de forma estratégica e personalizada para atender necessidades específicas de cada segmento de mercado.O avanço regulatório em 2025 estabeleceu as fundações necessárias para a expansão institucional das stablecoins. Nos Estados Unidos, a aprovação do GENIUS Act pelo Senado com apoio bipartidário de 68-30 votos criou o primeiro marco federal abrangente para stablecoins. Leia também: Entenda os 3 projetos de lei que podem revolucionar o setor de criptomoedas nos EUAA legislação exige reservas integrais em ativos seguros, auditorias regulares para emissores com capitalização superior a US$ 50 bilhões, e estabelece padrões de transparência que influenciam regulamentações globais.O Secretário do Tesouro Scott Bessent projetou que essa clareza regulatória poderia expandir o mercado de stablecoins em dólar americano quase oito vezes, chegando a US$ 2 trilhões na próxima década. Esta projeção não é especulativa; baseia-se na experiência histórica de como marcos regulatórios claros aceleram a adoção institucional de novos instrumentos financeiros.Na Europa, o MiCA (Markets in Crypto-Assets) entrou em vigor em julho de 2025, impondo regras rigorosas sobre reservas, auditoria e divulgação para stablecoins. O regulamento força a migração de tokens não conformes para alternativas reguladas, elevando o patamar de transparência e confiança do setor. Esta padronização europeia está se tornando referência global, influenciando estruturas regulatórias em outras jurisdições.O Brasil avança com cautela mas determinação, com o Banco Central preparando diretrizes específicas para stablecoins focadas em segurança, transparência e interoperabilidade com o sistema financeiro tradicional. Esta abordagem busca preservar a inovação enquanto protege consumidores e mantém a estabilidade sistêmica. Leia também: O estado atual da regulamentação das criptomoedas no Brasil As projeções de crescimento para o mercado de stablecoins convergem em torno de uma expansão significativa nos próximos anos. A Seaport Research Partners projeta que o market cap pode chegar a US$ 2 trilhões até 2027, enquanto o Citi Institute apresenta cenários que variam de US$ 1,6 trilhão (caso base) a US$ 3,7 trilhões (cenário otimista) até 2030. Estas projeções são sustentadas por três pilares fundamentais: adoção institucional massiva, integração com redes de pagamentos globais, e crescimento exponencial de casos de uso em pagamentos cross-border, tesouraria corporativa e tokenização de ativos.O relatório do Citi destaca que stablecoins estão evoluindo para se tornarem ferramentas financeiras críticas, particularmente para pagamentos transfronteiriços, remessas domésticas e liquidação de ativos tokenizados. A capacidade de oferecer acesso acessível e eficiente a moedas tradicionais como dólar e euro para usuários globais representa uma proposta de valor fundamental que sustenta essas projeções otimistas.Dados operacionais da Fireblocks reforçam essas perspectivas, mostrando que empresas de pagamentos, apesar de representarem apenas 11% de seus clientes, são responsáveis por 16% das transações de stablecoins, com volumes crescendo 30% trimestre a trimestre.A entrada massiva de bancos globais, processadoras de pagamentos e fintechs, combinada com marcos regulatórios mais claros e diferenciação estratégica entre segmentos B2B e B2C, consolida as stablecoins como infraestrutura essencial da economia digital. As projeções de crescimento para US$ 2-3,7 trilhões até 2030 refletem não apenas otimismo especulativo, mas reconhecimento de uma demanda estrutural por soluções financeiras mais eficientes.Para empresas, investidores e reguladores, compreender e adaptar-se a esta nova realidade não é opcional. As stablecoins já redefiniram como o mundo transaciona valor, e esta transformação está apenas no início de uma evolução que promete ser ainda mais profunda e abrangente nos próximos anos. Sobre o autorCaio Barbosa é fundador e Co-CEO da Lumx, startup líder em infraestrutura blockchain que conta com clientes e parceiros empresas como Sympla, Elo, Google e BTG Pactual. Em 2022, figurou na lista Forbes Under 30 como um dos empreendedores mais promissores do Brasil.O post Como as stablecoins reinventaram os fluxos financeiros internacionais | Opinião apareceu primeiro em Portal do Bitcoin.