Mulher que cresceu no Brasil pede ajuda ao Itamaraty para deixar Gaza

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A moradora de Gaza Assmaa Abu Aljedian, de 38 anos, cresceu no Brasil e pede ajuda de autoridades brasileiras para deixar o território palestino há mais de um ano, porém sem sucesso.Desde o início da guerra em Gaza, em 2023, Assmaa já recorreu ao Itamaraty e à representação brasileira para a Palestina diversas vezes, mas teve todos os pedidos de repatriação negados. Ela e os quatro filhos continuam vivendo na região central de Gaza, alvo de uma grande operação terrestre, que começou nesta semana, em busca de reféns israelenses sequestrados pelo Hamas.Diante da intensificação do conflito, que inclui bombardeios diários, Assmaa e a família pedem socorro às autoridades brasileiras. Leia Mais Jihad Islâmica diz que perdeu contato com unidade que mantém refém em Gaza "Não comemos há cinco dias", diz palestino durante crise de fome em Gaza Ao menos 15 pessoas morreram de fome em Gaza em 24 horas, diz ministério Infância no Brasil e ida à GazaAssmaa cresceu em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Filha de pai palestino e mãe síria, ela nasceu nos Emirados Árabes Unidos, mas veio para o Brasil aos quatro anos, em 1991, e cresceu no país junto com os três irmãos.Assmaa obteve o direito de residência permanente no Brasil, estudou no Colégio Santo Antônio e foi alfabetizada somente em português. Tinha boas relações e contou à CNN que vivia entre os estudos e encontros com os amigos.Em 2006, já com 20 anos, Assmaa acompanhou a mãe em uma viagem para a Faixa de Gaza para visitar o avô. Quando tentou retornar ao Brasil, não conseguiu. “As fronteiras do território palestino já estavam fechadas. Você não podia sair, a não ser com a permissão dos israelenses”, afirma.Em 2006, o Hamas venceu as eleições legislativas de Gaza. Em junho daquele ano, combatentes palestinos capturaram um soldado israelense. Diante disso, o então primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, ordenou que o Exército intensificasse as operações na Faixa de Gaza. Ao longo dos anos seguintes, palestinos acusaram Israel de controlar o acesso ao território pelo céu, pelas águas e pela terra.Com as dificuldades para sair, falando apenas português e longe da vida no Brasil, Assmaa precisou se adaptar à realidade de Gaza. No início, fazia mímica para se comunicar. Também estranhou os cortes de eletricidade, que já aconteciam a cada oito horas. Ao longo dos anos, se casou com um palestino e teve quatro filhos, mas diz que é tratada como brasileira até hoje, por causa do sotaque.Vida na guerraAtualmente, Assmaa mora na cidade de Deir al Balah, alvo de uma operação terrestre israelense nesta segunda-feira (21).Tanques das Forças de Defesa de Israel avançaram na cidade pela primeira vez desde o início da guerra. Pelo menos três palestinos foram mortos e vários ficaram feridos em bombardeios na área. Militares israelenses acreditam que o Hamas pode estar escondendo alguns dos reféns restantes em Deir al Balah.“A situação aqui cada vez é pior. Não tem eletricidade, escolas e hospitais foram bombardeados. Meu marido tem que ir pegar comida para a gente conseguir fazer no mínimo uma refeição por dia, mas ele levou um tiro na perna e não está conseguindo andar”, relata Assmaa.Ela também relata que a filha tem um problema crônico de infecção urinária e precisa de água mineral, mas a água que a família consegue acessar é contaminada com areia e outros resíduos. O outro filho desenvolveu alergias no corpo todo por causa do calor escaldante.Assmaa ressalta ainda que, assim como milhares de crianças em Gaza, os filhos não vão à escola. “Tem dois anos que a gente não está fazendo nada, só esperando a morte.”https://admin.cnnbrasil.com.br/wp-content/uploads/sites/12/2025/07/ED_CNN_220725_IL_VIDEO_ASSMAA.mxf_.mp4Tentativas de repatriação ao BrasilA família de Assmaa solicitou repatriação nas últimas duas operações de retirada coordenadas pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil no território palestino, em novembro de 2023 e maio de 2024. Segundo a família, a solicitação foi negada com a justificativa de que, ao deixarem o Brasil sem autorização, teriam perdido o status de refúgio.A lei brasileira de fato determina que, antes de viajar, a pessoa refugiada precisa aguardar a autorização do Estado brasileiro. Caso contrário, pode perder o status.“Quando eu soube que eles iriam resgatar os brasileiros, tentei sair. Na época, chegou um ônibus da Cruz Vermelha na porta da minha casa falando meu nome e que eu ia entrar em outro ônibus. Mas passaram dias, meses, e ninguém falou nada”, diz Assmaa.O Itamaraty informou à Agência Brasil que o governo só é capaz de negociar com autoridades israelenses, palestinas e jordanianas a retirada de Gaza de cidadãos brasileiros ou que sejam do núcleo familiar direto de brasileiros.Brasileiros repatriados de Gaza, em novembro de 2023 • MRE/ReproduçãoNo entanto, o advogado da família, Heitor Carvalho Junior, afirma que Assmaa tem direito à reunião familiar com o pai, que mora no Brasil, baseado na Portaria Interministerial n° 12, de 14 de junho de 2018. Ainda segundo o advogado, os quatro filhos dela também teriam o direito de ser resgatados, pois são parentes diretos de Assmaa.Isso porque o texto da portaria prevê que o “visto temporário para reunião familiar poderá ser concedido ao imigrante […] filho de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência”.A CNN teve acesso a um documento da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), apresentado pelos advogados da família, que comprova que o pai de Assmaa, Abdel Malik Mohamed Hussein El-Assar, foi considerado refugiado pelo governo brasileiro em março de 1992 por recomendação da agência da ONU.Atualmente, El-Assar mora em Duque de Caxias, e nunca deixou o país desde que entrou, em 1991. Segundo a família, ele sofre com problemas de saúde, como a doença de Alzheimer e diabetes, o que dificulta o contato com os parentes em Gaza.Consultado pela CNN, o especialista, mestre e professor de Direito Warley Freitas de Lima, que vem acompanhando a questão palestina há anos, explica que as operações de repatriação do Itamaraty contemplam, primordialmente, os cidadãos brasileiros, natos ou naturalizados, que se encontrem na Faixa de Gaza, bem como em Israel, na Cisjordânia e nos países vizinhos. Adicionalmente, abrangem os familiares diretos desses brasileiros.A diferença principal no direito à repatriação, contudo, está no vínculo com a nacionalidade brasileira. Como o pai de Assmaa não é naturalizado brasileiro, a família não é automaticamente contemplada pelas operações de repatriação do Itamaraty – mesmo com o status dele de refugiado aqui no Brasil.Por isso, o advogado de Assmaa tentou dar início ao processo de naturalização do pai, Abdel El-Assar. No entanto, alega ter sido informado por telefone pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados, órgão vinculado ao governo brasileiro) de que a ficha de El-Assar está desatualizada e não inclui o documento da ACNUR sobre seu status migratório.A CNN entrou em contato com o Conare e aguarda retorno.O advogado da família também afirma que manteve contato frequente com o Itamaraty, mas, até o momento da reportagem, não recebeu um número de protocolo nem uma atualização sobre a tramitação do pedido de repatriação.As tentativas foram encaminhadas ainda ao gabinete do ministro Mauro Vieira, que não respondeu. A CNN também entrou em contato com o Itamaraty para comentar, mas ainda não obteve resposta.A defesa da família diz que acionou o Escritório do Brasil em Ramala, na Cisjordânia, e foi orientada em 2024 a falar diretamente com o então chefe da representação, Alessandro Candeas, por mensagens no WhatsApp. Em outubro do mesmo ano, Candeas deixou a representação em Ramala.Em resposta à última tentativa de contato do advogado da família de Assmaa, o Setor Consular do Escritório respondeu, segundo mensagens mostradas à CNN: “Estamos acompanhando a trágica situação e nos solidarizamos com a família […] A retirada da família com o apoio do governo brasileiro depende, contudo, de uma operação mais ampla, que por sua vez depende de coordenação e aprovação das autoridades israelenses, palestinas e jordanianas. Tão logo o Escritório tenha informação sobre a realização de eventual operação nesse sentido, entraremos em contato.”O advogado Heitor Carvalho Junior também acionou a Ordem dos Advogados do Brasil, que oficiou o Itamaraty a se manifestar sobre o caso o quanto antes, no dia 11 de julho de 2025.Campanha nas redes e apelo a autoridadesDiante da falta de perspectivas para uma operação coordenada pelo Itamaraty, Assmaa começou uma campanha nas redes sociais. No Instagram, que reúne mais de três mil seguidores, faz lives relatando a situação em Gaza.Em uma das últimas publicações, escreveu: “Me desculpem por não aguentar ver meus filhos desesperados. Me desculpem por não aguentar mais a fome, a sede, mais bombardeios”.No aniversário de 13 anos do filho Mahmud, publicou: “Como qualquer criança, ele só queria um presente com um delicioso bolo para comemorar. Eu, como mãe, tenho meu coração despedaçado de não conseguir fazer nada. Até bolo em casa não consegui fazer, não tenho os ingredientes.”Assmaa Abu Aljedian e os quatro filhos na Faixa de Gaza • Assmaa Abu AljedianAlém das redes, a defesa da família de Assmaa também tenta pressionar as autoridades. “Nossa avaliação é de que cometeram um erro colossal na análise da inclusão dessa família nas repatriações anteriores, então nos dão respostas genéricas”, afirma o advogado de Assmaa.Heitor Carvalho Junior também cita a relação entre Brasil e Israel como fator que dificulta a retirada da família da Faixa de Gaza. Para o advogado, a preparação do Brasil para entrar na ação da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça prejudica a interlocução entre os governos brasileiro e israelense.Assmaa também apela a políticos brasileiros: “Eu estou implorando para qualquer governante do Brasil, seja de qualquer partido político, que possa me ajudar, porque estou pedindo como ser humano”.E conclui pedindo pela segurança das crianças: “Eu sou uma mãe de quatro filhos que quer salvar a vida deles”.