O ministro Luiz Fux abriu uma nova divergência no julgamento da trama golpista ao afirmar que a acusação de dano qualificado e de deterioração de patrimônio tombado não deve ser considerada de forma autônoma. Para ele, tais delitos devem ser “absorvidos” pelos crimes mais graves de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.“Um delito só pode ser considerado se não houver um crime mais grave que o absorva”, afirmou. O raciocínio segue o chamado princípio da absorção, usado em casos nos quais o crime de menor gravidade é apenas um meio para a consumação de outro mais relevante.Leia tambémAO VIVO: Fux vota para absolver Bolsonaro e aliados de crime de organização criminosa1º Turma do STF retoma nesta quarta-feira (10) a apresentação dos votos em julgamento do ex-presidente e outros sete acusados por envolvimento em tentativa de golpe de EstadoVoto de Fux abre caminho para defesa de Bolsonaro recorrer em caso de condenaçãoMinistro acolheu teses preliminares sobre foro, nulidade do processo e cerceamento de defesa; advogados veem oportunidade de reverter condenação no futuroDivergência em relação a MoraesAo sustentar essa posição, Fux se distanciou do relator Alexandre de Moraes, que viu autoria imediata de Jair Bolsonaro nos atos de 8 de Janeiro e defendeu sua responsabilização também pelos danos materiais. Para Fux, essa interpretação seria “paternalista” por atribuir ao ex-presidente uma espécie de comando direto sobre os vândalos, desconsiderando a autonomia dos manifestantes.“Os vândalos que destruíram bens de inestimável valor para a República não eram inimputáveis, nem agiram em erro de tipo. Será que alguém que danificou o patrimônio acreditava que sua conduta era lícita? Reconhecer a autoria mediata, na hipótese dos autos, seria uma postura excessivamente paternalista e aniquiladora da autonomia da vontade dos criminosos”, disse o ministro.Exemplo usado por FuxO magistrado utilizou uma analogia para sustentar sua tese. “A destruição de uma cerca para invadir uma propriedade pode configurar o crime de violação de domicílio, mais grave que o de dano. Nesse caso, o delito de dano é absorvido pelo fim maior, que era a invasão”, explicou.Aplicando esse raciocínio, Fux defende que os crimes de dano e deterioração de patrimônio ocorridos no 8 de janeiro devem ser enquadrados apenas como instrumentos para a tentativa de golpe.Impacto do votoA posição de Fux não altera a tendência de condenação do grupo, já consolidada pelos votos de Moraes e Flávio Dino. No entanto, pode ter reflexo importante na definição das penas. Se prevalecer sua visão, Bolsonaro e os demais réus não acumulariam sentenças por dano qualificado, o que reduziria o tempo total de prisão a ser fixado na dosimetria.O julgamento em andamentoA Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou na quarta-feira (10) a análise da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsável por articular medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a eleição de 2022.Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram pela rejeição de todas as preliminares arguidas pelas defesas e pediram a condenação dos réus por todos os crimes imputados pela PGR. O julgamento terá sessões extraordinárias até 12 de setembro.Voto do ministro Alexandre de MoraesPara o relator do processo, ficou comprovado que houve uma tentativa de golpe de Estado a partir de 2021, quando os primeiros atos preparatórios começaram a ser executados com o uso indevido de órgãos públicos, como a Abin e o GSI, para desacreditar as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário.Moraes tratou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada, estruturada com divisão de tarefas e composta por militares e integrantes do governo federal. Segundo ele, o objetivo do grupo era garantir a permanência no poder “independentemente do resultado eleitoral”, utilizando instrumentos ilegais e atentando contra a democracia.O ministro rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas, mantendo a validade da delação premiada de Mauro Cid e das provas reunidas pela Polícia Federal. Ele ressaltou que não é necessário consumar o golpe para que o crime esteja configurado — os atos executórios já são suficientes para responsabilizar os envolvidos.Para o ministro, as provas reunidas demonstram que o alvo central da conspiração foi o Estado Democrático de Direito, atacado de forma sistemática para minar as instituições e abrir caminho para a perpetuação do grupo político de Bolsonaro no poder.Voto de Flávio DinoO ministro Flávio Dino acompanhou o relator Alexandre de Moraes e votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus da chamada trama golpista.Em sua fala, Dino rejeitou a tese das defesas de que as condutas seriam apenas “atos preparatórios”. Para ele, houve atos executórios concretos que configuram violência e grave ameaça, como bloqueios de rodovias, tentativas de fechar aeroportos e ataques às instituições. O ministro destacou que crimes de empreendimento — como golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito — não exigem consumação para serem punidos.O magistrado também foi categórico ao afirmar que os crimes imputados aos réus são insuscetíveis de anistia, por envolverem ações de grupos armados contra a ordem constitucional. Dino rechaçou ainda a ideia de uma “autoanistia” em favor de altos escalões de poder, lembrando que nunca houve precedente desse tipo na história do país.Ao analisar a participação de cada réu, Dino adiantou que as penas não devem ser iguais, pois os níveis de culpabilidade variam. Bolsonaro e Walter Braga Netto foram apontados como líderes da organização criminosa, com maior responsabilidade. Garnier, Anderson Torres e Mauro Cid também foram classificados com alta culpabilidade, enquanto Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Paulo Sérgio Nogueira tiveram participação considerada de menor importância.Próximos passosO processo segue agora para os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Cada voto será dividido em duas etapas: primeiro, a análise das preliminares — como a validade da delação de Mauro Cid e a competência do STF; em seguida, o mérito, com a avaliação das provas apresentadas pela PGR.A decisão final será tomada por maioria simples. Caso confirmada a condenação, a definição das penas será discutida em fase posterior.Quem são os réusAlém de Bolsonaro, respondem na ação:• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.The post Para Fux, acusação de dano qualificado deve ser absorvida por crimes mais graves appeared first on InfoMoney.