Política Antimanicomial completa dois anos sob lentidão e judicialização

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A Política Nacional Antimanicomial elaborada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) completou dois anos desde que foi estabelecida. Nesse período, a implementação segue marcha lenta e com ações contra a norma no STF (Supremo Tribunal Federal).A nova legislação do CNJ regulamenta uma lei federal de 2001 e ordena o fechamento dos manicômios judiciários, que são hospitais psiquiátricos voltados para pessoas com deficiências mentais que cometeram crimes e consideradas incapazes de responder legalmente por seus atos.Na prática, a política estabeleceu o entendimento do CNJ de que as pessoas consideradas imputáveis devem ser tratadas em serviços de saúde comunitários e abertos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), como os CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), e não em instituições de isolamento. Leia Mais: RS: MP denuncia por maus-tratos professora que agrediu menino com livros Professora e assistente são denunciadas por tortura contra menino autista Entenda o que são os direitos humanos e como surgiram Desde o estabelecimento da norma, especialistas e entidades divergem sobre a implementação da política e o caso chegou ao STF.A resolução do CNJ começou a ser analisado pela Corte após três ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), processos movidos pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), pela Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) e pelos partidos Podemos e União Brasil.O julgamento encontra-se suspenso após pedido de vista do ministro Flávio Dino.A política se baseia em princípios de direitos humanos e na legislação já existente no Brasil, como a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), que determina a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por serviços comunitários.Em uma nota conjunta assinada por 24 entidades, incluindo o CFM (Conselho Federal de Medicina), a Associação Brasileira de Psiquiatria e a AMB (Associação Médica Brasileira), há um posicionamento contra a resolução do CNJ e apoio às ações que tramitam no Supremo.“A resolução também desconsidera a visão médica sobre a perícia, a internação, o acompanhamento e a avaliação destas pessoas, suprimindo direitos constituídos, colocando em risco os profissionais dos Hospitais Gerais, Centros de Atenção Psicossocial e Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), bem como a segurança de todos que transitam por esses locais”, justificam.Um caso emblemático e conhecido nacionalmente de um inimputável é do Adélio Bispo, que está até hoje preso na penitenciária de segurança máxima em Mato Grosso do Sul. Ele foi responsável por esfaquear o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante campanha eleitoral de 2018.Após investigação da Polícia Federal e avaliação de laudos médicos, a Justiça Federal considerou Adélio Bispo como inimputável em incidente de insanidade mental no âmbito do processo que investigou o atentado.A nova norma do CNJ não garante liberdade automática, mas muda o foco da punição para o cuidado, e exige que o Estado ofereça alternativas para o tratamento dessas pessoas.No caso de Adélio, uma eventual soltura, caso a política estivesse em plena aplicação, dependeria de avaliações clínicas atualizadas e da capacidade do sistema de saúde mental de acolhê-lo fora do ambiente prisional.PF: Adélio Bispo agiu sozinho em ataque a Bolsonaro | Live CNNImplementaçãoDesde o início da implementação da nova política, apenas o estado do Ceará informou ao CNJ ter feito o cumprimento integral do novo modelo de tratamento de pessoas com transtornos em conflito com a lei.Enquanto 12 estados apresentaram planos que se comprometem a cumprir a nova política ainda neste ano:AcreAmazonasBahiaParaíbaParáPernambucoParanáRio Grande do NorteRondôniaRoraimaSergipeTocantinsOutros 10 deverão cumprir a implementação até 2026:AlagoasAmapáDistrito FederalEspírito SantoMinas GeraisMato Grosso do SulMato GrossoRio Grande do SulSanta CatarinaSão PauloSegundo o Conselho, os estados Rio de Janeiro e Goiás foram orientados a reapresentar o documento com complementações. Já os estados do Piauí e Maranhão estão com documentos em análise.Conforme o CNJ, os prazos estabelecidos em cada plano foram construídos de maneira colaborativa e intersetorial pelos próprios estados, com base em diagnósticos locais que consideram tanto as ações já em andamento quanto aquelas que ainda demandam articulação entre os Poderes para viabilizar a implementação da política.No último relatório sobre a implementação da política, o Conselho informa que “o diálogo das unidades federativas com o CNJ está acontecendo de maneira republicana, calcado na realidade, com suas possibilidades e seus desafios e com responsabilidade e respeito às adversidades de cada estado, de modo a não deixar desamparados os cidadãos e as cidadãs que possuem transtorno mental ou deficiência e que se encontram em conflito com a lei”.Procurado pela CNN, o Conselho Nacional de Justiça não retornou contato para responder questionamentos sobre os posicionamentos de críticas das entidades e especialistas à política.Manicômios: violentos e precarizadosEnquanto a Política Nacional Antimanicomial não é aplicada plenamente, os manicômios em todo o país estão precarizados.Segundo um relatório sobre inspeções em manicômios judiciários, realizado pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia), publicado em julho deste ano, mostra que as unidades no país têm estruturas precarizadas e uso de violência física e psicológica contra os internos.Conforme o documento, 2.053 pessoas com deficiência psicossocial em conflito com a lei ainda são institucionalizadas nesses locais. A inspeção visitou 42 instituições, de janeiro a março de 2025, em 21 unidades federativas de todas as regiões do Brasil.À CNN, a presidente do Conselho Federal de Psicologia, Alessandra Almeida, explica que, ao longo do histórico das edições das inspeções, é mostrado que essas instituições não promovem cuidados.“A gente encontra lá pessoas em isolamento, pessoas que quando entraram em surto apanharam e ausência de projetos terapêuticos”, disse.O relatório constata evidências de práticas sistemáticas de violência dentro das instituições, incluindo contenções físicas e químicas aplicadas sem justificativa clínica, agressões verbais e físicas, isolamento com caráter punitivo, rompimento de vínculos familiares e ausência de mecanismos eficazes para denúncias e proteção.Segundo a inspeção, muitas dessas instituições, com perfil asilar, enfrentam sérios problemas de infraestrutura: ambientes deteriorados, circulação severamente restrita, ausência de acessibilidade e superlotação crônica. O acesso à água potável e à alimentação é escasso e insalubre, e há carência de itens básicos como produtos de higiene pessoal e roupas de cama adequadas.