O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu divergências nesta quarta-feira no julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado, ao votar pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais sete réus da acusação do crime de organização criminosa e defender a nulidade da ação penal por entender que o STF não é a corte adequada para julgar o caso.Fux também divergiu dos dois colegas que votaram anteriormente — o relator do caso, Alexandre de Moraes, e o ministro Flávio Dino –, ao entender que houve cerceamento de defesa aos advogados dos réus dada a grande quantidade de material apreendido nas investigações e o que considerou um tempo curto para análise.CONFIRA: Quer entender as estratégias das maiores empresas e gestoras do mercado? O Money Minds, do Money Times, mostra os bastidores; acesse aquiAo fazer uma longa análise sobre o que chamou de “premissas teóricas” do crime de organização criminosa, Fux afirmou que a denúncia e as alegações apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não mostraram que as ações dos réus se enquadram no crime de organização criminosa.Para o ministro, a PGR não conseguiu demonstrar que os réus atuaram de forma estável e permanente, com os integrantes do grupo se acertando previamente para cometer crimes indeterminados.“A existência de um plano criminoso não basta para caracterizar a organização criminosa”, disse Fux. “Não basta, portanto, a reunião dos agentes para praticar uma única vez os delitos”, ressaltou.O magistrado afirmou ainda que tampouco ficou caracterizado na denúncia feita pela PGR, e também na instrução do processo, o emprego de armas, que seria um agravante no caso. Em tese, isso poderia levar a uma pena mais elevada.“Em síntese, o integrante da organização criminosa deve usar efetivamente arma de fogo para auferir vantagem ilícita”, ressaltou. “O pedido não encontra qualquer fundamento na denúncia ou nas alegações finais.”NulidadesAntes, Fux discordou de Moraes ao analisar questões preliminares apresentadas pelas defesas dos réus, que podem eventualmente levar à nulidade do processo. O ministro votou pela nulidade da ação por entender que o Supremo não é o tribunal competente para julgar o caso e que houve cerceamento de defesa.Para Fux, a mais recente mudança da prerrogativa de função no STF não deveria abarcar os acusados no atual processo, uma vez que os crimes teriam ocorrido antes da alteração.“Houve uma certa banalização dessa interpretação constitucional personalíssima”, criticou. Para o magistrado, a medida poderia levar à criação de um “tribunal de exceção”.Em outra preliminar, Fux disse que — a se aceitar o julgamento pelo STF — a análise do caso então deveria ser feita pelo plenário da corte, e não pela Primeira Turma. Segundo ele, por estar se tratando do julgamento de atos de um presidente, eles deveriam ser analisados pelo plenário, conforme prevê a Constituição.Para Fux, o “rebaixamento” do julgamento para a Turma pode silenciar eventuais vozes dissonantes de outros ministros.Delação premiadaJá em relação à validade da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Fux acompanhou Moraes e Dino ao entender que a delação pode ser usada como meio de prova no processo. Com isso, a Primeira Turma, composta por cinco membros, formou maioria a favor da validade da delação.O ministro do STF disse que as manifestações feitas por Cid na delação foram sempre acompanhadas dos seus advogados e eventuais advertências pontuais do relator que poderiam levá-lo à prisão fazem parte do “rol de perguntas” que Moraes poderia fazer ao delator.Fux é o terceiro dos cinco ministros da Primeira Turma a votar no julgamento de Bolsonaro e demais sete réus por tentativa de golpe de Estado e outros crimes. O ministro segue votando no final da manhã desta quarta.Antes de Fux, foram apresentados na terça os votos de Moraes e Dino, ambos favoráveis à condenação dos réus pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; participação em organização criminosa armada; dano qualificado; e deterioração de patrimônio tombado.Há ampla expectativa que a Primeira Turma condene Bolsonaro em todos os crimes imputados pela PGR. Faltam votar, além de Fux, a ministra Cármen Lúcia e o presidente da Turma, Cristiano Zanin, ambos indicados ao STF pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.No entanto, o voto de Fux pode reforçar o argumento da defesa de Bolsonaro de que o caso deveria ser decidido pelo plenário do STF, composto por 11 ministros, incluindo dois indicados pelo ex-presidente.Se condenado, Bolsonaro poderá pegar até 43 anos de prisão, se considerados agravantes para os crimes.O ex-presidente, que está em prisão domiciliar, nega todas as acusações. Ele afirma que, embora tenha tido conversas sobre a possível decretação de Estado de Sítio, jamais deu qualquer ordem nesse sentido. Alega também que estava nos Estados Unidos quando aconteceram os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.Bolsonaro também está inelegível por duas decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ainda assim, ele insiste que será candidato à Presidência na eleição do ano que vem, quando Lula deve buscar um quarto mandato no Palácio do Planalto.