Condenado, Bolsonaro foi de capitão do Exército a presidente; relembre trajetória

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Jair Bolsonaro (PL) já dava como certa, nos últimos meses, sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por uma tentativa de golpe de Estado, a primeira de um ex-presidente na história do Brasil.A decisão da Corte, que nesta quarta-feira formou maioria para a condenação de Bolsonaro, representa o ponto mais difícil da carreira política do capitão reformado, que quase foi expulso do Exército na década de 1980, passou décadas como deputado federal do baixo clero e chegou à Presidência da República em 2018.A maioria pela condenação de Bolsonaro foi formada com o voto de Cármen Lúcia, a quarta a votar entre os cinco ministros que compõem a Primeira Turma da Corte. Ela votou depois do relator do caso, Alexandre de Moraes, e dos ministros Flávio Dino e Luiz Fux.Para Moraes, Bolsonaro tinha o papel de líder de um grupo armado que tinha o objetivo de se manter no poder ilegalmente.— Jair Messias Bolsonaro foi fundamental para reunir indivíduos de extrema confiança, do alto escalão do governo federal, que integravam o núcleo central da organização criminosa — disse Moraes em seu voto.Para o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), amigo de Bolsonaro há 43 anos, o ex-presidente já esperava a condenação no processo.— Eu perguntei se ele estava preparado para ser preso. E ele falou: “Eu estou, não tenho dificuldade com isso” — conta o parlamentar.Agora que a condenação é uma realidade, a estratégia do bolsonarismo consiste em reforçar a pressão política pela anistia ao ex-presidente e em recorrer juridicamente para, pelo menos, conseguir o cumprimento da pena em regime domiciliar.A aliados que visitaram o ex-presidente nas últimas semanas, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro confidenciou estar preocupada com o impacto que uma reclusão teria na saúde do ex-presidente. Seu receio, diz um aliado, é que Bolsonaro não tome corretamente as medicações que fazem seu sistema digestivo funcionar, ou que ele tenha novas crises de erisipela. No campo jurídico, os problemas de saúde de Bolsonaro devem fundamentar pedidos da defesa pela manutenção da prisão domiciliar.Embora mantenham um discurso coeso em defesa da anistia, aliados de Bolsonaro confidenciam considerar pouco provável que a ideia avance. A impressão no entorno do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é que seu discurso mais enfático pró-anistia nos últimos dias tem o objetivo de dirimir o fogo amigo direcionado ao ex-governador no campo bolsonarista, mas que não é suficiente para emplacar um projeto de anistia ampla que envolva Bolsonaro.Esta será a segunda prisão de Bolsonaro. Em 1986, após publicar um artigo na revista Veja em que reclamava do soldo dos militares sem ter consultado os superiores, o capitão ficou 15 dias preso.Então militar da ativa, ele foi julgado pelo Superior Tribunal Militar após a mesma revista ter revelado um plano, supostamente de autoria de Bolsonaro, para detonar explosivos em unidades militares no Rio como forma de protesto contra os salários e o então ministro do Exército do governo Sarney, Leônidas Pires Gonçalves.Desse primeiro julgamento, que foi secreto, Bolsonaro foi absolvido por 9 votos a 4 em 16 de junho de 1988. Dessa decisão para a atual, do STF, passaram-se 37 anos, 2 meses e 22 dias.Reservadamente, aliados do ex-presidente ouvidos pelo GLOBO afirmam que seu maior erro não tem relação direta com a ação penal da trama golpista: o principal equívoco, dizem, foi ter escolhido, ainda durante o governo, uma retórica de confronto em relação ao ministro Alexandre de Moraes e ter persistido nela, ainda que de maneira intermitente. Moraes é o relator, no STF, de uma série de investigações contra Bolsonaro e aliados, incluindo a que levou à sua condenação.Um ex-ministro de Bolsonaro afirma que ter tornado a vida pessoal de Moraes “um inferno”, seja por insuflar seus apoiadores contra o ministro, seja por incentivar sanções internacionais contra ele, tornou inverossímil esperar qualquer empatia do magistrado para com o réu.Primeira prisão e início na políticaA projeção pública de Bolsonaro começou na década de 1980, com dois episódios polêmicos de sua carreira militar. Primeiro, ele publicou o artigo na revista Veja.No ano seguinte, a mesma revista publicou que Bolsonaro tinha um plano de explodir bombas em banheiros da Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao) e na adutora do Rio Guandu, que abastece o Rio de Janeiro, também em protesto contra os salários.O então capitão negou a autoria do plano, mas a revista publicou um desenho que teria sido feito por ele.Após o episódio, Bolsonaro deixou o Exército e entrou para a política. Primeiro, foi eleito vereador no Rio de Janeiro em 1988. Exerceu o cargo por apenas dois anos e, em seguida, elegeu-se deputado federal, mantendo o cargo por sete mandatos consecutivos.Ao longo de sua carreira política, o hoje ex-presidente trocou de partido sete vezes e nunca aprovou projeto de lei relevante. Não foi presidente de nenhuma comissão, mas conseguiu se manter nas notícias, sobretudo por suas declarações públicas. Defendeu, por exemplo, o massacre do Carandiru e as torturas a opositores políticos na ditadura militar.Crescimento nas redes e campanha de 2018Aproveitando a onda da Operação Lava-Jato, nos anos 2010, Bolsonaro tornou-se um fenômeno antipetista nas redes sociais e conseguiu se tornar um nome competitivo para a Presidência de 2018, quando lançou-se com um partido nanico, o PSL de Luciano Bivar. O atentado a faca que sofreu durante evento de campanha em Juiz de Fora (MG), em 6 de setembro de 2018, é atribuído pelo próprio ex-presidente como o momento-chave para levar seu nome ao segundo turno, que venceu do petista Fernando Haddad.Na economia, sua mudança de um defensor claudicante do nacional-desenvolvimentismo para a de um neoliberal se deu ainda na pré-campanha. Notoriamente inepto em discussões econômicas, o então deputado do baixo clero aproximou-se, na intenção de dirimir resistências do empresariado à sua figura, de nomes de relevância acadêmica (como o economista Adolpho Sachsida, que viria a ser seu secretário de Política Econômica e ministro de Minas e Energia) e com trânsito na Faria Lima (a exemplo de Paulo Guedes). A estratégia funcionou durante a campanha e boa parte do governo de Bolsonaro: o presidente foi o favorito do setor financeiro nos segundos turnos das eleições de 2018 e 2022.No governo, porém, Bolsonaro acabou marcado pelo seu negacionismo durante a pandemia da Covid-19 e pelos conflitos que teve com outros Poderes, sobretudo com o STF. Durante seu mandato, Bolsonaro entrou em rota de colisão contra a Corte e seus ministros, em especial contra Alexandre de Moraes, a quem já chamou de “patife”. Chegou a dizer, em setembro de 2021, que não acataria decisões do ministro.A apoiadores, Bolsonaro chegou a ameaçar o então presidente do STF, o ministro Luiz Fux, ao dizer que “ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder (o Judiciário) pode sofrer aquilo que não queremos”.Em seu voto no julgamento da ação da trama golpista, Moraes afirmou que no ato Bolsonaro “confessa (…) perante milhares de pessoas presenciais, o crime de abolição do Estado Democrático de Direito” por meio de uma “grave e clara ameaça de impedir ou restringir o livre exercício do Poder Judiciário”.Bolsonaro foi o primeiro presidente a não conseguir a reeleição desde que o instituto foi criado, na década de 1990. Mesmo assim, perdeu para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a menor diferença de votos da história dos segundos turnos desde a redemocratização.Alberto Fraga, que conheceu o amigo ainda na época do Exército e foi seu companheiro na bancada da bala na Câmara, afirma que é difícil convencê-lo depois que ele se fixa em uma ideia, e que isso traz “consequências”.O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que foi vice-presidente de Bolsonaro e também o conhece desde a década de 1980, reconhece que a administração foi prejudicada por determinadas discussões, como o uso da cloroquina e da vacina durante a pandemia.Apesar de não ter eficácia comprovada contra a Covid, a cloroquina foi arduamente defendida por Bolsonaro. Por outro lado, o então presidente colocou em dúvida, de maneira reiterada, a segurança das vacinas contra o coronavírus, mesmo com a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele próprio não se imunizou, contrariando conselhos de ministros, e a gestão da pandemia foi apontada como um dos principais motivos da queda de popularidade que resultaria em sua derrota eleitoral.A menor aprovação de Bolsonaro ocorreu em dezembro de 2021: 22% de ótimo/bom e 53% de ruim/péssimo, de acordo com o Datafolha. No ano seguinte, houve uma recuperação, influenciada por benefícios que concedeu logo antes das eleições, como o aumento do Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família) para R$ 600.Outro erro citado por Mourão é a demora em colocar os “políticos profissionais” no ministério:— Todas as discussões que houve ali: toma cloroquina, não toma cloroquina, vacina, perdemos muito tempo nas discussões que nos prejudicaram, no final das contas. E a própria maneira que nós levamos o momento inicial, de não termos uma composição mais efetiva com os partidos que nos apoiam pelo Congresso. E isso só foi acontecer depois que o presidente colocou políticos realmente profissionais e que compreendessem a política em determinados cargos.Eleito com o discurso antipolítica, inclusive contra o Centrão, Bolsonaro optou por formar um ministério sem indicações de partidos, apenas de bancadas do Congresso. A formação inicial também era composta por militares e membros do que ficou conhecido como “ala ideológica”, sendo alguns indicados diretamente pelo escritor Olavo de Carvalho, que morreu em 2022.Dificuldades no Congresso, contudo, levaram a uma aproximação gradual com partidos do Centrão, que chegou ao auge com a nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil, em 2021.Em paralelo, Bolsonaro enfrentava dificuldades para encontrar partido. Ele rompeu com o antigo PSL (hoje parte do União Brasil), pelo qual foi eleito, ainda em 2019. A tentativa de fundar o próprio partido, que se chamaria Aliança pelo Brasil, fracassou.Em 2021, após dois anos sem legenda, o ex-presidente entrou no PL, partido presidido por Valdemar Costa Neto, condenado pelo STF no escândalo do mensalão.A mudança permitiu uma campanha profissional, bem diferente de 2018, focada principalmente nas redes sociais. A nova estratégia se refletiu nas despesas: foram gastos R$ 89 milhões, contra R$ 2,4 milhões quatro anos antes — um aumento de 3.525%.Bolsonaro decidiu não repetir a chapa: preteriu Mourão, com quem teve diversos problemas de confiança durante os quatro anos, e optou por outro general, seu ex-ministro Walter Braga Netto.A escolha frustrou o núcleo político da campanha, que preferia a também ex-ministra Tereza Cristina, que poderia ajudar a reduzir a rejeição no eleitorado feminino. Braga Netto acabaria tendo, segundo a PGR, papel central no plano golpista que levou à condenação dos dois.Bunker do AlvoradaApós a derrota, Bolsonaro passou quase 48 horas sem discursar. Em breve pronunciamento, não reconheceu o resultado e limitou-se a pedir que seus apoiadores não bloqueassem rodovias. Depois, o então presidente recolheu-se no Palácio da Alvorada por 61 dias. Foi justamente nesse período que, segundo a decisão do STF, ele intensificou a busca por formas de reverter o resultado da eleição e se manter no poder.No dia seguinte à derrota eleitoral e sob pressão para reconhecer o resultado das eleições em público, Bolsonaro convocou sua equipe para uma reunião no Palácio da Alvorada. Cerca de 40 pessoas, entre ministros, parlamentares, familiares e assessores, discutiram como seria a primeira fala do então presidente após ser derrotado por Lula nas urnas. Duas horas de discussões depois, o comunicado ficou pronto, mas Bolsonaro só dizia que continuaria cumprindo a Constituição. Coube a Ciro Nogueira, então ministro da Casa Civil, anunciar que iniciaria a transição de governo.No dia seguinte, Bolsonaro voltou a se encontrar a portas fechadas e sem registro na agenda com os comandantes das Forças, que ficavam cada vez mais desconfiados da intenção do presidente. Entre um assunto e outro, o então mandatário reclamava que era preciso “parar os abusos de Alexandre de Moraes”.Em dezembro, Bolsonaro teve ao menos duas reuniões (em 7 e 14 de dezembro) com comandantes das Forças Armadas com o objetivo de apresentar a eles minutas de teor golpista e convencê-los a apoiar a medida. Em ao menos um dos encontros, Bolsonaro discutiu se havia meio jurídico para questionar o resultado da eleição. Chegou-se a debater a possibilidade de usar o artigo 142 da Constituição Federal para fazer uma interpretação forçada de que as Forças Armadas poderiam “defender as instituições democráticas” atuando como poder moderador, uma tese que o próprio STF já rechaçou.Resistiram às pressões pró-golpe os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Força Aérea, brigadeiro Baptista Júnior.Em 9 de dezembro, Bolsonaro teria passado horas reservado, revisando e “enxugando” a minuta golpista que teria sido originalmente apresentada a ele, segundo a PGR, por assessores como Filipe Martins.Embora negue as acusações de que tenha sido o mentor intelectual de uma tentativa de golpe de Estado, o próprio Bolsonaro admitiu, em seu interrogatório no Supremo, que leu aos comandantes das Forças Armadas, em dezembro de 2022, os “considerandos” de um decreto com medidas de exceção.— Foi passado na tela os considerandos de forma bastante rápida. Não havia da nossa parte uma gana, mesmo que nós encontrássemos algo na Constituição. O sentimento de todo mundo é que não tinha nada o que fazer (para reverter a derrota eleitoral) e nós precisamos entubar — disse o ex-presidente à época.Um aliado lembra que, embora em seu interrogatório Bolsonaro tenha modulado seu discurso, a visão do presidente e de seus filhos é que manter sua linha de radicalismo é o que levou o capitão à presidência.Na biografia que escreveu do pai em coautoria com o ex-secretário de Comunicação Institucional do Ministério das Comunicações, Mateus Colombo Mendes, Eduardo Bolsonaro exemplifica o raciocínio do clã para lidar com críticas de aliados:“Primeiro, quem tem menos fibra ou menor clareza da situação acaba se assustando e dando um passo atrás, criticando Bolsonaro e dele se afastando; logo depois, porém, os fatos mostram que Bolsonaro sempre esteve com a razão; aí, por fim, volta o cão arrependido: os críticos voltam como se nada tivesse acontecido”. O tempo, desta vez, contrariou o ex-presidente.The post Condenado, Bolsonaro foi de capitão do Exército a presidente; relembre trajetória appeared first on InfoMoney.