O Brasil construiu ao longo das últimas décadas uma indústria financeira mais profunda que a média dos mercados emergentes, o que ajuda a blindar a economia em períodos de juros elevados. Esse processo, conhecido como financial deepening, tem se dado tanto na dimensão horizontal — pela multiplicação de instrumentos de crédito — quanto na vertical — pelo alongamento de prazos e sofisticação das operações.“Tem muita poupança no Brasil, isso de certa maneira é até um mitigador para um estrago que poderia acontecer com uma Selic de 15% e um mercado concentrado em meia dúzia de bancos”, afirmou Alexandre Muller, sócio e gestor responsável pelos fundos de crédito privado da JGP, em entrevista ao Stock Pickers, apresentado por Lucas Collazo.Para Muller, a diversificação de instrumentos como CRIs, CRAs, FIDCs, FIAGROs e debêntures de infraestrutura garante que o capital continue fluindo para projetos de longo prazo, mesmo em cenários de aperto monetário.“Mesmo com a Selic a 15%, continua tendo debêntures de infraestrutura de 20 anos, para estrada, para PCH, para linha de transmissão, porque o mercado financeiro é muito profundo”— Alexandre MullerEsse deepening também funciona como contrapeso à política monetária. Ao canalizar a poupança doméstica para investimentos produtivos, o sistema evita que altas agressivas nos juros resultem em inadimplência generalizada ou em colapso no crédito. “O dano seria muito maior se a economia dependesse só de seis provedores de capital”, avaliou.Leia mais: Cordoni relembra circuit breakers e aponta paralelos com a era DilmaE também: XP Educação lança graduação inédita para formar especialistas em investimentosO protagonismo do empreendedor brasileiroNa visão do gestor, essa estrutura institucional é importante, mas não substitui a força dos empresários na economia real. “A gente vê tanta coisa incrível do ponto de vista dos empreendedores, mesmo com a Selic onde está, mesmo com a carga tributária onde está. Empresas brasileiras estão nascendo, prosperando e até se internacionalizando”, destacou.Ele citou ainda os casos de empresários que conseguem recuperar ativos problemáticos e gerar valor em condições adversas.“Mesmo com juros de 15%, empresários conseguem fazer turnaround e criar oportunidades”— Alexandre MullerMuller fez questão de ressaltar que o mercado de capitais tem um papel de suporte, mas não é o protagonista dessa transformação. “Nós somos coadjuvantes nessa história. Quem provê capital é coadjuvante. O protagonista é o empreendedor, o cara que luta para pagar folha, que enfrenta a carga tributária e os juros de 15%. Esse é o verdadeiro herói no Brasil.”JGP aposta em originação O mercado de crédito privado brasileiro vive também um processo de reconfiguração, no qual a capacidade de originação — encontrar oportunidades onde falta capital e oferecer soluções sob medida — tornou-se diferencial competitivo.“Difícil não é emprestar dinheiro, difícil é receber de volta”, disse Muller. Para ele, a verdadeira vantagem das gestoras está em combinar cultura de crédito com originação, algo que bancos tradicionais nem sempre conseguem fazer.Um exemplo foi a decisão da JGP, em 2016, de ancorar a primeira emissão de letra subordinada do Nubank (ROXO34), quando o banco digital ainda dava prejuízo e enfrentava desconfiança.“Naquele momento, poucas culturas de crédito conseguiam ter esse olhar. Era fácil dizer não, o difícil era ver o potencial daquele título”— Alexandre MullerHoje, a JGP combina crédito com operações mais sofisticadas, como fundos trancheados e soluções híbridas, a exemplo de leasebacks em hospitais.Leia tambémLula: em vez de brigar, Trump deveria conhecer sistema interligado de energia do PaísLula também mandou outros recados a Trump, ao afirmar que o Brasil “tem dono” e que, no País, as coisas não são largadasTrump pede que UE imponha tarifas de 100% sobre China e Índia para pressionar PutinA China e a Índia são os principais compradores do petróleo russoO avanço da originação no BrasilA queda da Selic para 2% em 2020 acelerou essa transformação, levando a JGP a criar verticais em agronegócio, infraestrutura, securitização, ESG e special situations. “Ali a gente começou a modificar a estrutura da empresa. Fizemos M&A, criamos a vertical de originação e a fonte de alfa dos produtos começou a mudar”, disse Muller.Atualmente, a gestora conta com cerca de 60 profissionais, sendo 25 dedicados exclusivamente à originação e estruturação. Essa adaptação responde também ao apetite crescente dos investidores brasileiros por renda fixa e crédito privado.“No final do dia, o nosso negócio não é sobre o fundo da JGP ou do Miller. O nosso negócio é servir cliente”— Alexandre MullerApesar das limitações para produtos sofisticados como CDS e CDOs, Muller avalia que o Brasil já tem um mercado de crédito mais desenvolvido que outros emergentes, com instrumentos como CRI, CRA, FIDCs e FIAGRO.O desafio da liquidez e da segurança jurídicaMuller fez alertas sobre riscos do mercado de crédito. Um deles é o prêmio de liquidez, que pode ser enganoso em momentos de estresse. “Quando dá algum problema, a porta de saída é apertada e a chance de resolver é menor”, afirmou.Ele lembrou ainda dos fundos cash in hand, de resgate em D+1, que foram vendidos como “almoço grátis” e depois expuseram investidores a frustrações. Para o gestor, cada produto precisa ser visto dentro de uma estratégia de portfólio, sem ilusões.Apesar das polêmicas, Muller defendeu a diversidade de instrumentos como vantagem para o investidor. “No final do dia, é como um supermercado: quanto mais robusta for a prateleira, mais chance o cliente tem de achar o que precisa”, disse.Mas ele criticou a insegurança jurídica do país, citando a recuperação judicial da Light (LIGT3). “O que aconteceu no Rio foi um absurdo completo”, afirmou, referindo-se à decisão que estendeu a proteção da holding à distribuidora, contrariando a legislação.The post Financial Deepening: Entenda termo que pode ajudar economia em tempos de juros altos appeared first on InfoMoney.