Baby 10: o “fotógrafo” das provas que fraudou 67 concursos e o CNU

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Quando os investigadores da Polícia Federal (PF) começaram a destrinchar os gabaritos do Concurso Nacional Unificado (CNU) de 2024, um nome familiar voltou a circular nas planilhas de análise. Luiz Paulo Silva dos Santos. Para a maioria dos aprovados, apenas mais um candidato entre os mais de um milhão de inscritos. Para quem trabalha com repressão a fraudes em concursos públicos, um velho conhecido.Aos 45 anos, nascido em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco, Luiz Paulo carrega um histórico que o tornou quase uma lenda no submundo das fraudes de certames públicos.Conhecido pelo apelido “Baby 10”, ele foi alvo da Operação Gabarito, deflagrada pela Polícia Civil da Paraíba em 2017. O caso desarticulou uma estrutura criminosa que atravessou mais de uma década, entre 2005 e 2017, e teria manipulado 67 concursos em nove estados e no Distrito Federal. Leia também Mirelle Pinheiro “Candidata gênio”: concurso suspenso teve 18 mil inscritos e salário de R$ 35 mil Mirelle Pinheiro TCE-PE suspende concurso após aprovação da “candidata gênio” Mirelle Pinheiro De medicina a auditora: as aprovações surreais da “candidata gênio” Mirelle Pinheiro Alvo da PF, “candidata gênio” é aprovada em novo concurso de R$ 27 mil O golpe era rentável e bem planejado: mais de R$ 100 milhões teriam sido movimentados, mil pessoas se beneficiaram direta ou indiretamente e 100 foram denunciadas formalmente. Luiz Paulo estava entre elas.A engrenagem de um crime silenciosoNa época, ele não ocupava posição de comando. Era o operador. O homem que executava o que os líderes chamavam de “parte suja” do processo. Luiz Paulo era quem fotografava as provas dentro das salas, com câmeras escondidas em botões ou canetas, e as enviava, em tempo real, para o grupo de “professores” da quadrilha.Os especialistas, contratados para resolver as provas em minutos, devolviam os gabaritos prontos, que eram repassados a candidatos dispostos a pagar até R$ 150 mil por uma vaga garantida.“Ele tinha papel fundamental. Era quem viabilizava a fraude”, disse, na época, o delegado Lucas Sá, responsável pela Operação Gabarito. “Sem alguém infiltrado dentro das salas, fotografando as provas, o esquema não existiria.”As investigações mostraram que Luiz Paulo era metódico. Sabia onde sentar, quando agir, como disfarçar os movimentos. O material fotográfico seguia por aplicativos criptografados até uma central que operava como um verdadeiro escritório do crime, com consultores por área, planilhas, cronogramas e divisão de lucros.Quando foi preso, em maio de 2017, a Polícia Civil apreendeu com ele equipamentos eletrônicos adaptados, celulares modificados e registros de candidatos atendidos em diferentes estados. A quadrilha atuava em concursos de órgãos como a Polícia Federal, o IBGE, o Departamento Penitenciário Nacional e universidades federais.Preso e solto Luiz Paulo ficou pouco tempo atrás das grades. Em maio de 2018, ele e outros integrantes da organização foram libertados por excesso de prazo, após um impasse judicial entre as justiças estadual e federal. O caso envolvia concursos de esferas diferentes e acabou travado por meses na discussão sobre qual tribunal seria competente para julgar o processo.Sem sentença e com a prisão preventiva expirando, todos foram soltos. À época, o delegado Lucas Sá alertou que a decisão colocava de volta nas ruas personagens centrais da estrutura criminosa. “Muitos ainda têm contato com os antigos comparsas e com os métodos usados nas fraudes. Soltos, podem voltar a agir”, disse, em entrevista concedida em 2018. A previsão se confirmou.O retorno de “Baby 10”Seis anos depois, Luiz Paulo reapareceu no radar da PF de forma discreta, entre os aprovados do maior concurso público da história do Brasil, o CNU. A descoberta ocorreu por acaso, durante a apuração de uma denúncia anônima que mencionava o nome de Wanderlan Limeira de Sousa, ex-policial militar da Paraíba, apontado como líder de um novo esquema de fraudes.Ao requisitar à Cesgranrio os gabaritos dos candidatos ao cargo de auditor fiscal do trabalho, os investigadores encontraram algo estatisticamente impossível: oito pessoas haviam acertado e errado exatamente as mesmas questões.Entre elas, Wanderlan, o irmão Valmir, a sobrinha Larissa, a candidata “gênio” Laís Giselly Nunes de Araújo — e Luiz Paulo, o “Baby 10”.A descoberta foi o estopim da Operação Última Fase, deflagrada em 2 de outubro deste ano, que mirou o novo grupo de fraudadores e terminou com 15 mandados judiciais em quatro estados.Em Recife, os agentes bateram à porta de uma casa simples na Rua Dragão do Mar, em Brasília Teimosa. Era o endereço de Luiz Paulo. Lá, encontraram celulares, documentos, listas de candidatos e aparelhos de transmissão. O material foi apreendido, mas ele não foi preso. A Justiça optou por medidas cautelares, obrigação de comparecimento periódico em juízo e proibição de prestar novos concursos.Um novo grupo, velhas práticasO inquérito aponta que Luiz Paulo havia migrado de organização, mas não de ofício. Seu papel seguia o mesmo. Ele era o homem da logística, o executor de campo, agora a serviço de um grupo comandado por Wanderlan Limeira e Thyago José de Andrade, o “Negrão”.Ambos foram presos. Wanderlan é apontado como o cérebro da operação; Thyago, como o técnico responsável pelo envio dos gabaritos para candidatos equipados com pontos eletrônicos.A estrutura contava ainda com Laís Giselly Nunes de Araújo, 31 anos, a jovem pernambucana que ficou conhecida como a “candidata gênio”. Investigada por fraudar múltiplos concursos, inclusive o do TCE-PE, que foi suspenso após sua aprovação, ela liderava o núcleo do grupo em Recife e Jaboatão dos Guararapes.Mensagens recuperadas pela PF mostram que Luiz Paulo voltou a atuar com o mesmo perfil operacional. Em conversas criptografadas, ele tratava da entrega de “materiais” e “instalações”, termos que, segundo os investigadores, se referem aos equipamentos eletrônicos usados para repassar respostas durante as provas.A prova para auditor fiscal do trabalho foi aplicada em 18 de agosto de 2024. A Cesgranrio adotou versões diferentes da avaliação para evitar cola entre candidatos. Ainda assim, a PF identificou que ao menos dez aprovados tinham gabaritos idênticos, mesma sequência de acertos e de erros.O sistema e a impunidadeA Operação Gabarito já mostrava, há sete anos, a capacidade de adaptação dessas redes criminosas. Mesmo após uma das maiores prisões do gênero, os métodos não desapareceram, apenas se modernizaram.A demora no julgamento dos processos permitiu que personagens como Luiz Paulo voltassem a atuar. Hoje, ele responde a dois inquéritos: um pela Operação Gabarito, outro pela Operação Última Fase. Nenhum deles chegou a sentença.De acordo com a investigação, um único auditor fiscal do trabalho aprovado de forma fraudulenta pode gerar um dano potencial de mais de R$ 8 milhões em 30 anos de carreira. No grupo de Luiz Paulo, ao menos dez candidatos teriam sido beneficiados. O impacto total pode ultrapassar R$ 80 milhões aos cofres públicos.