Máfia dos concursos: o que pode acontecer após a decoberta de fraudes

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Após a Polícia Federal (PF) deflagrar uma operação contra os suspeitos de fraudes no Concurso Nacional Unificado (CNU) de 2024 e trazer a público um esquema familiar robusto que negociava aprovações em cargos públicos, dúvidas como a possibilidade de anulação do certame e acerca das punições para os envolvidos nos crimes foram levantadas.À coluna, o advogado José da Silva Moura Neto, especializado em processo administrativo disciplinar e concursos públicos, explicou o que pode acontecer após a descoberta. Leia também Mirelle Pinheiro Polícia prende criminosos que mataram policial na porta de casa Mirelle Pinheiro Candidata gênio: saiba quem é a “campeã de concursos” em tempo recorde Mirelle Pinheiro Made in USA: PF descobre maconha líquida escondida em uísque Mirelle Pinheiro Saiba quem é a família da “dinastia da fraude” que deu golpe no CNU Segundo ele, não há possibilidades concretas de que a edição passada do CNU seja anulada. Contudo, os servidores identificados deverão perder o cargo. A anulação do certame não é uma alternativa porque, conforme apontam as investigações, os focos de fraude foram controlados.No entanto, os salários recebidos pelos fraudadores não podem ser reclamados, visto que, ainda que de maneira irregular, o investigado supostamente exerceu o papel atribuído ao seu cargo e deve ser remunerado por isso.“A devolução não é possível, pois a jurisprudência dos tribunais se sedimentou no sentido de que a devolução de tais valores importaria no enriquecimento ilícito do Estado”, explicou.Reingresso no certameAos candidatos afetados diretamente pela fraude e que perderam a vaga em razão da nota de corte, o advogado e professor especialista em concursos públicos, Vandré Amorim, explica que é possível ajuizar uma ação para reingressar no certame, em razão do prejuízo já identificado.“Contra os fraudadores, não é possível, em tese, o ajuizamento de ação por parte dos candidatos. Cabe às autoridades a apuração e punição, no rigor da lei. Os afetados diretamente pela eliminação em razão da alteração do ponto de corte, é possível ajuizar uma ação para voltar ao concurso”, disse.A PF informou que os investigados foram excluídos dos processos seletivos, afastados dos cargos públicos que ocupavam e poderão responder pelos crimes de fraude em certame de interesse público, lavagem de dinheiro, organização criminosa e falsificação de documento público.A coluna entrou em contato com o Ministério Público Federal (MPF) para verificar se o órgão solicitará medidas específicas em relação ao caso. Entretanto, até o fechamento desta matéria, nenhum retorno havia sido dado. O espaço segue aberto.Máfia dos concursosNo último domingo (5/10), a coluna publicou uma série de matérias que trazem à tona o esquema criminoso que atuava fraudando concursos públicos federais com o intuito de conquistar vagas.No centro da trama está um núcleo familiar. Segundo a Polícia Federal, pai e filho, tios e sobrinhos conquistaram cargos de auditor fiscal do trabalho por meio do Concurso Nacional Unificado (CNU) de 2024.As aprovações teriam tido êxito por meio das fraudes lideradas por um deles: o ex-policial militar Wanderlan Limeira de Sousa, de 42 anos.O áudio que desvendou o esquema foi encontrado no celular dele. Gravado em 4 de junho de 2024, semanas antes da realização do CNU, o diálogo entre pai e filho comprova o caráter comercial da fraude. “Você esqueceu que tem o CNU, meu filho. A nossa comissão vai ser lá no CNU, vou batalhar pra nós, ver se ‘nós’ consegue na ‘poiva’ (dinheiro). Tô trabalhando pra isso, entendeu?”A expressão “nossa comissão”, segundo a PF, mostra que as aprovações eram negociadas como contratos de venda, com pagamento mediante resultado. Wanderlan tratava o crime como um negócio legítimo — “trabalhar pra isso” —, transformando o sistema de mérito em um comércio de vagas públicas.Além do ex-PM, integravam a rede fraudulenta o irmão dele, Valmir Limeira de Souza, 53, o filho, Wanderson Gabriel de Brito Limeira, 24, e a sobrinha Larissa de Oliveira Neves, 25, e o pai dela, irmão de Wanderlan, identificado como Antonio Limeira.As provasConversas registradas em aplicativos de conversas, interceptadas pelos investigadores, revelam que os familiares discutiam as práticas ilícitas on-line.Em uma das conversas, Wanderlan reclama com Valmir que o outro irmão deles, Antônio, não estaria pagando uma dívida estimada em R$ 400 mil.Conforme apurado pela polícia, alguns trechos das conversas analisadas indicam que o motivo da dívida era a prova do concurso do CNU, na qual Larissa, filha de Antônio, foi aprovada.Em outro diálogo, ocorrido em março deste ano, Valmir envia um áudio para Wanderlan ressaltando a necessidade de alertar Antônio com orientações sobre a matrícula de Larissa no curso de formação para o cargo.“Aproveita e fala com ele aí esse negócio da matrícula dia 11, que ele não sabe, não. Aí ele quer que tu explique. Manda lá no WhatsApp dele”, diz Valmir.Wanderlan, por sua vez, responde que é “só mandar acompanhar no site. CNU resultado .gov”.Entre uma mensagem e outra, os irmãos oscilam o assunto tratando tanto da “dívida” do pai de Larissa, quanto das informações das fases do concurso do CNU/AFT.