Tomar decisões é inevitável. Mesmo quando optamos por não agir, já decidimos. A questão não é como decidir, mas como tomar a melhor decisão. Nos modelos de decisão racional, o processo implica definir o problema, identificar critérios, ponderar alternativas, avaliar riscos e estimar ganhos ou perdas e, por fim, escolher a opção mais adequada. Porém, essa racionalidade raramente corresponde à realidade. Muitas vezes, usamos regras mais simples – heurísticas – influenciadas por diversos fatores, como o contexto ou emoções1. Independentemente do método, há uma certeza: os erros vão acontecer. E é na forma como lidamos com eles que reside o potencial de melhoria das decisões futuras. Neste artigo refletimos sobre as condições que transformam erros em instrumentos de aprendizagem. Algumas dessas condições dependem de estratégias individuais, outras dependem do próprio contexto da decisão. Mas, quando bem enquadrado, o erro conduz à reflexão, ajusta comportamentos e reformula hipóteses. Um episódio paradigmático ilustra este princípio2. Durante a Segunda Guerra Mundial, os engenheiros da Força Aérea dos EUA analisavam os aviões que regressavam das missões, muitos deles crivados de balas. A conclusão intuitiva era simples: reforçar as áreas mais atingidas. No entanto, o “estatístico” Abraham Wald propôs uma leitura radicalmente distinta – os aviões que voltavam, apesar dos danos, sobreviveram. O verdadeiro ponto cego residia nas aeronaves que não regressaram, e cujos danos não podiam ser observados. Assim, Wald sugeriu reforçar precisamente as áreas não danificadas nos aviões que voltavam, pois eram essas que, quando atingidas, levavam à queda do avião. Este exemplo demonstra como uma análise crítica do erro nos pode revelar aquilo que não se vê de imediato, exigindo reflexão crítica e desafiando interpretações mais evidentes. Contudo, é importante reconhecer que nem todos os erros são iguais. Amy Edmondson3 distingue três tipos de erro: o básico, em contextos conhecidos e fruto de distração; o complexo, causado por múltiplos fatores; e o tipo certo de erro, o inteligente, que gera conhecimento, inovação e progresso. Para que um erro seja considerado inteligente, deve cumprir quatro critérios fundamentais. Primeiro, deve ocorrer em território novo, onde o conhecimento ainda é insuficiente. Segundo, deve ter um objetivo claro, como aprender uma nova habilidade ou desenvolver uma solução inovadora. Terceiro, deve assentar numa hipótese fundamentada – baseada em lógica ou em evidência anterior. E, por fim, o erro deve ser pequeno o suficiente para limitar os danos, mas grande o bastante para gerar aprendizagem. Como é natural, a ocorrência do erro inteligente encontra muitos obstáculos no mundo real. O primeiro e principal é a aversão ao erro. Evitá-lo, impede a exploração do desconhecido, preferindo rotinas seguras e a manutenção do nosso espaço de conforto. Sobretudo se essa rotina conduzir a resultados satisfatórios. Satisfatórios se não levarmos em consideração o enorme custo das oportunidades perdidas de aprender e melhorar. A aversão e ocultação de erros deve-se frequentemente ao medo que temos em ser criticados e desvalorizados, seja por outros ou até por nós próprios. A busca do erro inteligente exige criar um ambiente de segurança psicológica em que seja possível expressar-se de forma honesta, admitir falhas, pedir ajuda, levantar preocupações e sugerir novas ideias – mesmo que isso implique risco ou discordância com outros, incluindo pessoas em posições de autoridade. Por vezes, a ocultação de erros transforma um erro potencialmente inteligente numa situação catastrófica, com efeitos em cadeia que aumentam a probabilidade de novas falhas. O terceiro obstáculo é a tomada de decisão com fraca fundamentação. Na verdade, há quem defenda que se deve “errar depressa e errar frequentemente”, pretendendo com isto dizer que a ação é preferível ao planeamento. Mas, sem a análise adequada, continuamos a cometer os mesmos erros e a desperdiçar oportunidades valiosas de aprendizagem. Paradoxalmente, isto pode levar a uma interpretação errada de sucessos ocasionais, sendo que qualquer lição retirada desse aparente êxito é ilusória e de generalidade nula. É verdade que o mundo real é cruel em termos de oportunidades de aprendizagem, porque a aprendizagem coincide com a sobrevivência. Por isso, a valorização da exploração, novidade e da aprendizagem tem sempre o limite da sobrevivência pessoal e profissional. Assim, em decisões que são tomadas em circunstâncias muito infrequentes, o custo de oportunidades de aprendizagem perdidas é baixo porque a situação dificilmente se repetirá. Mas para um tipo de decisão muito vezes repetido, evitar ou ignorar erros, especialmente os inteligentes, tem um custo inestimável. Concluindo, decidir melhor não é evitar o erro, mas, sim, delinear as condições para com ele aprender. Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.O conteúdo O que não se vê: como os erros podem levar às melhores decisões aparece primeiro em Revista Líder.