Num mundo onde as democracias enfrentam um período de recessão global, marcado pelo avanço de regimes autocráticos, crises de confiança e novas formas de guerra híbrida, a questão sobre como resistir e vencer tornou-se urgente.Frank Tétart, Professor e Investigador em Identidade, Poder e Geopolítica, explica que a União Europeia deve reforçar a sua força e valores democráticos. Defende uma defesa europeia comum, menos dependente dos Estados Unidos, e uma visão partilhada de soberania. «Durante décadas confiámos na proteção americana. Agora é tempo de assumirmos a nossa própria responsabilidade», garante.O especialista conversou com Maria Castelo Branco, Analista Política da CNN Portugal, na Leadership Summit Portugal, no dia 25 de setembro. Democracias em retração e a ameaça da desinformaçãoPara Tétart, vivemos «num mundo em recessão democrática», onde processos eleitorais são frequentemente manipulados para perpetuar o poder. A Rússia é um exemplo paradigmático: «Vladimir Putin foi reeleito num sistema que utiliza eleições como instrumento de reforço de poder, não de escolha livre», explicou.O investigador sublinhou que as democracias enfrentam hoje ameaças subtis e complexas, com destaque para a desinformação e a guerra híbrida, que procuram corroer a confiança dos cidadãos nas instituições.«A desinformação é um dos maiores desafios que enfrentamos. Mas como combatê-la com a verdade, se nem sempre sabemos quem define o que é verdade?», questionou, apontando a crescente dificuldade em distinguir factos de manipulações mediáticas.A difusão de notícias falsas e o uso político das emoções têm enfraquecido a perceção pública da democracia como sistema de confiança. Mesmo nos Estados Unidos, «a democracia mais elaborada do mundo», a verdade tem sido abalada por discursos populistas que transformam a mentira em arma política.Apesar das ameaças, Tétart recorda que as democracias já provaram ser resilientes: «Na Segunda Guerra Mundial, foram as democracias que se uniram para derrotar o totalitarismo. Essa força continua a existir, mas exige clareza, união e propósito.»A democracia continua a ser o único caminho para viver em segurança.O vazio ideológico e a ascensão dos nacionalismosMaria Castelo Branco desafiou o académico a explicar porque é que as democracias parecem menos eficazes hoje a combater ideologias autoritárias. «Fukuyama declarou que a democracia tinha vencido, mas sabemos agora que não é verdade, como é o caso do Médio Oriente», reforçou.Tétart respondeu que, após a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, as sociedades ocidentais acreditaram que a história tinha chegado ao fim — mas esse vácuo foi rapidamente ocupado por novas ideologias baseadas na identidade e na religião.As pessoas procuram significado e segurança. Quando as democracias não oferecem respostas claras, muitos refugiam-se no nacionalismo ou no fundamentalismo religioso.No Médio Oriente, a imposição de modelos ocidentais sem enraizamento cultural levou a reações identitárias. «O fundamentalismo é, muitas vezes, uma instrumentalização da religião pelo poder político», alertou, referindo o exemplo da Índia, onde o nacionalismo hindu enfraqueceu o carácter secular do Estado.A Europa, por seu lado, enfrenta uma crise de pertença, alimentada pela perceção de insegurança económica e pela falta de narrativas mobilizadoras. «As democracias perderam a capacidade de contar a sua própria história», advertiu. Religião, identidade e secularismoQuestionado sobre o papel da religião nas democracias modernas, Tétart defendeu a liberdade religiosa como valor essencial, mas alertou para os riscos da sua apropriação política. «Uma democracia deve permitir que cada pessoa viva plenamente a sua identidade religiosa — católica, muçulmana ou judaica —, mas o Estado deve permanecer neutro e garantir igualdade entre todos» afirmou.O equilíbrio entre liberdade individual e coesão social é, segundo o especialista, uma das chaves para a estabilidade democrática. «Sempre que o poder instrumentaliza a fé, surgem divisões e tensões», diz.Segurança, coesão social e o papel da EuropaA guerra na Ucrânia trouxe de volta a urgência do investimento em defesa. Mas, para Tétart, a resposta não passa por abdicar da proteção social. «Não devemos escolher entre segurança social e militar. Precisamos de ambas para garantir o sentido da ação democrática», garante.Mas reconhece que as novas gerações, nascidas em contextos de paz, têm dificuldade em compreender a importância de lutar por valores democráticos. «Vivemos na ilusão de que a paz é o estado natural das coisas. A guerra na Ucrânia mostrou que a liberdade exige vigilância e solidariedade.» Recuperar o ‘mito democrático’Para enfrentar a crise de sentido, Tétart acredita que a democracia precisa de recuperar o seu «mito fundador» — o ideal de liberdade, igualdade e segurança coletiva que inspirou gerações anteriores. Maria Castello Branco reforça que todas as nações aparentam estar construídas com base neste mito.«Temos de mostrar aos jovens que a democracia é o único caminho que garante liberdade, expressão e dignidade. E isso começa na educação», explicou.A aposta em educação cívica, pensamento crítico e cultura democrática é, segundo o especialista, a forma mais eficaz de restaurar a confiança e reforçar o compromisso com os valores comuns. Assista ao momento completo na Líder TV:Frank Tétart, Maria Castello Branco – How Can Democracies Win Wars? Aceda à galeria de imagens completa aqui.Todos os conteúdos estão disponíveis na Líder TV e nos canais 165 do MEO e 560 da NOS.O conteúdo «Confiámos na proteção americana. Agora é tempo de assumirmos a responsabilidade», defende Frank Tétart aparece primeiro em Revista Líder.