O rapper Oruam conversou com a coluna e comentou como as recentes repercussões envolvendo o pai, Márcio dos Santos Nepomuceno, conhecido como Marcinho VP, têm afetado sua vida pessoal e profissional.Márcio está preso há mais de duas décadas em unidades do sistema penitenciário federal, após condenações por tráfico de drogas e organização criminosa. Ele cumpre pena em regime de segurança máxima. Leia também Celebridades Oruam movimenta a web ao publicar teste de gravidez positivo; veja Brasil Oruam reage a foto de Júlia Zanatta posando em “trono” com fuzis Paulo Cappelli Júlia Zanatta rebate crítica de Oruam após foto cercada por fuzis Igor Gadelha Deputado quer colocar rapper Oruam como alvo do PL Antifacção Nome ligado à megaoperação no RioO artista afirmou ter recebido com grande impacto as notícias relacionadas à megaoperação policial que deixou 121 mortos no Complexo do Alemão e da Penha, no final de outubro e que voltou a associar o nome do pai ao episódio. Em sua fala, o músico declara:“Recebi essa notícia com um peso que não sei nem explicar. Foi uma mistura de tristeza pela quantidade absurda de vidas perdidas e revolta por ver o nome do meu pai arrastado, de novo, pra uma narrativa que não faz sentido nenhum. Meu pai tá há décadas trancado numa cela de 6m², isolado 22 horas por dia. Como pode um homem nessa condição ser colocado como peça-chave de uma operação tão brutal? Eu sinto uma dor que não tem nome, porque é como se sempre tivessem alguém pronto pra usar o nome dele como símbolo do mal, mesmo quando ele não pode nem ver o sol direito.”“Cansaço” com associaçãoOruam declarou compreender que a repercussão costuma trazer o nome do pai para o centro do debate público, mas afirma que percebe essa associação como repetitiva:“Eu sinto que as pessoas preferem manter vivo um personagem do que enxergar o ser humano. Ligam o nome dele a qualquer tragédia no Rio, como se fosse automático. Só que esse costume mata um pouco da gente também. Eu sei quem é o Márcio de hoje, sei quem ele tenta ser. Ver o nome dele preso numa violência que ele não tem como participar é como ver alguém batendo na porta de um passado que ele tenta deixar pra trás.”O rapper disse que o histórico do pai ainda gera consequências no dia a dia:“Eu reajo com cansaço. Com uma exaustão que só quem vive isso entende. Parece que meu pai, por mais que mude, por mais que escreva, por mais que estude, vai ser sempre empurrado pra essa mesma prateleira. É como se o Brasil tivesse preguiça de atualizar a própria memória.”Rótulos ligados ao paiEle conta que carrega o impacto público do sobrenome e como isso o prejudica tanto pessoal como profissionalmente.“Prejudica sim. Eu carrego meu nome com orgulho, mas carrego também o peso de uma história que não é minha. As pessoas confundem, julgam, apontam, e às vezes esquecem que eu sou só o filho, não sou responsável pelos rótulos que grudaram no meu pai. Eu trabalho, eu faço música, eu corro atrás, mas sempre tem alguém lembrando de um capítulo que eu nem vivi.”Oruam pediu reflexão sobre a forma como o pai é visto pela sociedade:“Eu diria: olhem a realidade. Olhem o que é uma vida trancada há mais de 20 anos num sistema federal. Olhem o homem de hoje. Vocês falam de um personagem, não da pessoa. Meu pai não é um título, não é uma sigla, não é um apelido. Ele é um ser humano.”Sobre a retomada do processo de homicídio que tramita há mais de duas décadas e que motivou novo pedido de prisão preventiva, o artista afirmou:“Eu vejo como mais um capítulo dessa dificuldade que o sistema tem de virar a página. Falam de um processo de 23 anos como se fosse algo que meu pai tivesse controle. É surreal pensar que, depois de tanto tempo preso, alguém ainda tente argumentar que ele atrapalha alguma coisa lá fora.”9 imagensFechar modal.1 de 9Marcinho VP.Reprodução/Internet.2 de 9Marcinho VP.Reprodução/Internet.3 de 9Marcinho VP.Reprodução/Internet.4 de 9Oruam.Reprodução/Internet.5 de 9Oruam.Reprodução/Internet.6 de 9Oruam.Reprodução/Internet.7 de 9Oruam.Reprodução/Internet.8 de 9Oruam.Reprodução/Internet.9 de 9Oruam.Reprodução/Internet.Habeas corpus negadoA negativa recente de um pedido de habeas corpus também foi comentada:“A gente recebeu com tristeza, mas não com surpresa. A sensação é de que a sociedade e o judiciário têm medo de discutir o nome Márcio sem a sombra do apelido. É como se tirar o peso do ‘VP’ fosse abrir uma ferida política.”Oruam afirmou que o pai mantém hábitos de estudo e leitura no presídio:“Que ele é um homem que tenta. Ele estuda, escreve, lê, reflete. Ele não tem mais nada além do próprio pensamento e da força de querer ser alguém melhor. Ele não é o personagem que construíram. Ele é um homem que acorda todo dia dentro de uma cela e tenta sobreviver ao julgamento de um país inteiro.”Peso afeta a famíliaSobre a percepção pública, ele acrescenta:“O Brasil quer ver o personagem. É mais fácil. Dá menos trabalho pensar. Dá pra culpar, pra apontar, pra ignorar nuances. Ver ele como pessoa exige empatia, exige olhar pra dor, exige olhar pra falha — e isso nem todo mundo consegue.”A respeito do peso que isso traz para a família:“Machuca. Não porque eu me envergonhe do meu pai, mas porque eu sei o quanto esse nome fere ele. O quanto esse peso tortura nossa família. Eu queria que chamassem ele de Márcio. Porque é isso que ele é. É isso que ele tenta ser.”O artista também comentou sobre como o pai lida com a própria identidade:“Dói muito. Porque parece que o Brasil nega a ele o direito básico de ser chamado pelo próprio nome. O nome é o que define a alma. E meu pai tem o nome dele sequestrado há anos.”E relatou que eles conversam sobre o tema com frequência:“Sim. Meu pai fala disso com uma profundidade que muita gente não imagina. Ele sente o peso de não ser visto como pessoa. E eu, como filho, tento sempre lembrar a ele quem ele é de verdade — não quem dizem que ele é.”RessocializaçãoOruam disse ainda que vê resistência social quando o assunto é ressocialização:“Eu acho que o Brasil ainda não está preparado pra perdoar, muito menos pra acreditar na mudança. Mas meu pai continua tentando, mesmo assim. A mudança dele não depende da opinião pública — depende da consciência dele.”Ao final, ele resume sua percepção sobre o pai:“Meu pai não é o apelido que vocês repetem. Ele é o Márcio — um homem tentando sobreviver ao próprio passado.”