Cânion que reúne baleias e golfinhos no Mediterrâneo está ameaçado; entenda

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A mil metros de profundidade no Mar Mediterrâneo, um caranguejo enredado em plástico luta para se arrastar pelo fundo rochoso do mar. A 240 metros de profundidade, uma população inteira de coral-bambu está sendo sufocada por equipamentos de pesca.Estas são algumas das cenas testemunhadas pela bióloga marinha italiana Ginevra Boldrocchi durante uma exploração das profundezas do mundo subaquático conhecido como Cânion Caprera.Localizado nas águas agitadas que se estendem entre 20 e 40 quilômetros da costa da Sardenha, Itália, o Cânion Caprera é um vasto vale submarino que abriga uma variedade de vida marinha e ajuda a manter o equilíbrio dos oceanos. Risco de colapso de correntes oceânicas acende alerta nacional na Islândia Crise climática afeta baleias-jubarte e o equilíbrio dos oceanos "Dragão marinho" pré-histórico caçava em silêncio e tinha olhos gigantes É uma das últimas grandes fronteiras do Mar Mediterrâneo e um de seus maiores e mais biodiversos ecossistemas submarinos — mas está ameaçado pela pesca comercial, intenso tráfego marítimo e poluição.Em junho, a CNN acompanhou a One Ocean Foundation, uma organização internacional sem fins lucrativos, em sua primeira missão para implantar um ROV (do inglês, veículo operado remotamente) a mais de 1.000 metros abaixo da superfície para explorar a densa floresta marinha no fundo do Cânion Caprera, como parte da Iniciativa Rolex Perpetual Planet.Como coordenadora científica do projeto da One Ocean Foundation e pesquisadora da Universidade de Insubria, Boldrocchi liderou esta missão para observar um ambiente nunca antes visto por humanos, contribuindo para o estudo da fundação sobre a importância ecológica do cânion.O Cânion Caprera cicla nutrientes, armazena carbono e fornece habitat para inúmeras espécies marinhas, desde corais e tartarugas até tubarões e golfinhos.“No momento, o cânion não tem nenhum tipo de proteção, então vamos perder o refúgio de tantas espécies ameaçadas e perderemos muita biodiversidade”, disse Boldrocchi à CNN.Após anos de pesquisas na superfície, a One Ocean Foundation percebeu que era hora de olhar mais fundo, para descobrir o que está escondido no fundo do mar do cânion.Missão ROVComo os humanos não podem mergulhar fisicamente nas partes mais profundas do cânion, Boldrocchi contou com a ajuda do marinheiro e engenheiro Guido Gay, que construiu um ROV especializado capaz de explorar suas profundezas extremas.“O papel da tecnologia na conservação é muito importante, porque precisamos ver, conectar e entender o ambiente em todos os detalhes para protegê-lo”, disse Gay.Pilotado por Gay, o ROV movido a bateria pesquisou profundidades variando de 130 a 1.050 metros — explorando habitats rochosos, coletando amostras e observando organismos das profundezas marinhas.Os cientistas têm uma compreensão limitada das formas de vida que habitam as águas profundas do cânion, segundo Francesco Enrichetti, pesquisador da Universidade de Gênova que trabalha com a One Ocean Foundation nesta expedição.“Este ambiente é completamente desconhecido, e esperamos encontrar uma rica floresta animal marinha”, disse à CNN antes da missão.Defesa de uma Área Marinha ProtegidaDesde 2019, Boldrocchi tem coletado dados para fortalecer o argumento em favor da designação do cânion como MPA (do inglês, Área Marinha Protegida) — uma medida que poderia protegê-lo da sobrepesca, poluição e outros impactos humanos.“O cânion é realmente uma travessia entre França e Itália, então você tem todos esses distúrbios de tráfego gerando poluição sonora, além do problema com atividades pesqueiras como a pesca de arrasto”, disse Boldrocchi. “Muitos desses animais, que já são considerados ameaçados de extinção, acabam presos nas redes e morrem.”Grande parte da pesquisa científica de Boldrocchi acontece próximo à superfície do cânion, onde ela coleta amostras em diferentes profundidades para avaliar os níveis de poluição e a presença de animais.“Realizamos amostragem de DNA Ambiental (eDNA) para obter todos os traços biológicos presentes em nossa água do mar e identificar todos os animais que passaram pela área [recentemente]”, disse Boldrocchi.Para capturar sons de animais marinhos e poluição sonora, Boldrocchi e sua equipe instalam hidrofones a aproximadamente 20 metros abaixo da superfície e gravam áudio por cerca de 40 minutos em cada expedição.Eles também coletam amostras de zooplâncton, que são bioindicadores essenciais de poluição. O zooplâncton é composto por pequenos animais que flutuam próximo à superfície do oceano, onde se alimentam de plantas microscópicas e servem de alimento para animais marinhos maiores. Como base da cadeia alimentar marinha, esses minúsculos organismos absorvem contaminantes que circulam nas águas do cânion.“Procuramos mercúrio, cádmio, arsênico, ferro, zinco; analisamos também diferentes tipos de contaminantes, como o DDT”, explicou Boldrocchi.O DDT, hoje proibido, foi um pesticida amplamente utilizado no passado.“Mesmo que [os compostos do DDT] tenham sido proibidos desde os anos 1970, ainda os encontramos em todos os lugares, e eles interferem nos hormônios, no crescimento e na reprodução [da vida marinha]”, disse.Descobertas do ROVApós a conclusão da expedição, as amostras e vídeos coletados pelo ROV foram analisados em terra. A exploração revelou colônias de esponjas raras, corais e numerosas espécies de peixes. Também mostrou as cicatrizes da atividade humana — equipamentos de pesca descartados e lixo, causando mortalidade dos corais.“Observamos uma população rara de gorgônias de fundo mole, completamente destruída pelo impacto dessas longas linhas [de pesca]”, disse Enrichetti. Gorgônias são corais moles, frequentemente chamados de leques-do-mar, que formam estruturas semelhantes a árvores e fornecem abrigo para animais marinhos.Apesar dos sinais de impacto humano negativo encontrados no cânion, houve descobertas encorajadoras. A pesquisa da One Ocean Foundation identificou a presença da foca-monge do Mediterrâneo, espécie ameaçada de extinção — evidência de que o Cânion Caprera pode servir como importante área de alimentação para a espécie.“Nós a encontramos praticamente em todas as coletas, não apenas mensalmente, mas em múltiplas áreas”, disse Boldrocchi. “E isso é uma ótima notícia porque significa que a foca-monge está, pouco a pouco, se reproduzindo e retornando à Sardenha.”Uma fonte de esperançaEm 2024, o cânion foi reconhecido como Mission Blue Hope Spot — um local considerado vital para a saúde do planeta. Aproveitando esse momento, Boldrocchi e a One Ocean Foundation planejam buscar simultaneamente múltiplas camadas de proteção para a área nos próximos anos.“Assim que obtivermos todos os dados necessários, vamos seguir em três direções diferentes — buscaremos o reconhecimento de IMMA (Área Importante para Mamíferos Marinhos), em seguida a FRA (Área de Restrição à Pesca), e, paralelamente, começaremos a trabalhar para conseguir uma MPA”, explicou Boldrocchi.Ela informou que planejam usar os dados do ROV para apoiar sua proposta de FRA em 2026, quando apresentarão formalmente suas descobertas às autoridades italianas e da União Europeia.“Queremos mostrar que temos uma comunidade importante também no fundo do mar que merece ser protegida”, afirmou Boldrocchi.Veja também: Baleias-jubartes são vistas em travessia de migração no litoral de SPBaleias-jubartes são vistas em travessia de migração no litoral de SP | LIVE CNNCrise climática afeta baleias-jubarte e o equilíbrio dos oceanos