“Eu comecei por uma mistura de curiosidade e indignação. Lá em 2016, num ensaio de Samba Rock, eu vi uma amiga usando um brinco superchamativo e perguntei o motivo. A resposta dela, sobre usar o brinco grande para que não perguntassem sobre a transição capilar, me mostrou que ali havia uma demanda e uma história”, lembra o empreendedor Anderson Rosa.Fundador da Saúda Afro, em Guarulhos (SP), o designer Anderson Rosa identificou a oportunidade para criar brincos. Mais do que isso, os produtos da empresa também contam um pouco da história negra.A Saúda Afro é uma marca que exalta o resgate do nosso orgulho ancestral. Eu não li sobre Dandara, Luiza Mahin ou Tereza de Benguela nos livros da escola, e isso é um problema. Minha marca existe para corrigir essa falha.Anderson Rosa, empreendedor“Nossos produtos são uma pequena ponte para um propósito maior: jamais esquecer de onde viemos. O design de cada peça conta a história desses grandes nomes. Quando o cliente usa a nossa peça, ele não está usando só um brinco; ele está vestindo um legado. Para que eles se empoderem com nossos produtos, isso começa com a conexão com a própria história”, completa Anderson.Reconhecimento e pertencimentoSegundo a pesquisa “Empreendedorismo Negro no Brasil”, do Sebrae, os negros (pretos + pardos) empreendedores já somam mais de 16 milhões de donos de negócios, um crescimento de 22,1% nos últimos 10 anos. Em contraste, os brancos totalizam cerca de 14 milhões de empreendedores, com crescimento de 18,6% no mesmo período.Conheça mais detalhes da pesquisaO rendimento médio habitual, no entanto, é bem discrepante. Enquanto os empreendedores brancos ganham a média de R$ 4.607, no caso das pessoas negras o faturamento é de R$ 2.477. Para Anderson, o crescimento do empreendedorismo entre os negros também é um ato de resistência e propósito.“Os dados mostram que o mercado está mudando: os consumidores exigem marcas que apoiem causas. Essa é a nossa maior vantagem. Nascemos com propósito. O empreendedorismo negro não está correndo atrás de uma tendência. Ele está, na verdade, voltando às suas raízes”, analisa.A gestora nacional de Afroempreendedorismo no Sebrae, Fau Ferreira, ressalta que 52,7% dos micro e pequenos empreendedores são pessoas negras. “Essa comunidade movimenta R$ 1,7 trilhão por ano. Ao apoiar e consumir desses empreendedores, podemos mexer na balança do mercado e redistribuir melhor a renda. Por sua vez, esses empreendedores vão ter mais acesso ao consumo e fazer a economia girar”, avalia Fau.Brincos da Saúda Afro refletem a história negra do Brasil | Foto: DivulgaçãoDesafios de empreenderSegundo Anderson, um dos principais desafios de empreender é se diferenciar. “É impossível concorrer com produtos importados se você está vendendo apenas ‘brincos’. Você precisa agregar valor, precisa contar histórias”, explica.Ele avalia fatores que restringem um crescimento maior do empreendedorismo negro. “Muitos de nós não tivemos acesso a mentorias ou redes de apoio, o que leva à solidão do empreendedor. Há o desafio de competir em um mercado onde a história do outro (a importação, o padrão) é contada antes da nossa”, ressalta.Cuidar de tantos detalhes é exaustivo. Foi por isso que a gente criou um processo em que cuidar do cliente é, na verdade, cuidar dos nossos e cuidar de mim. Acredito que o maior desafio é entender que o negócio é sobre gente, e o empreendedor precisa de conexão para não sofrer sozinho nessa corrida diária.Anderson Rosa, empreendedorFau Ferreira lembra que o Sebrae tem engajado no atendimento a grupos historicamente subrepresentados, dentre eles, pessoas negras que empreendem. “Temos patrocinado e marcado presença em eventos voltados para esse público e levado afroempreendedores para expor, ampliando seu acesso a mercados”, afirma.