Antes que o silêncio se torne burnout: os sinais que ninguém deve ignorar

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A saúde mental no trabalho deixou de ser um luxo para se tornar uma âncora essencial à sobrevivência das organizações. Num mundo onde o esgotamento se alastra como uma névoa invisível, e onde o equilíbrio entre vida profissional e pessoal se desfaz em fios ténues, este episódio do podcast Conversas que Cuidam, produzido pela Fidelidade e pela Líder, mergulha no cerne da questão.Com a profundidade de uma investigação que une ciência e empatia, as convidadas Rita Figueiredo, psicóloga e gestora de pessoas, e Soraia Jamal, psicóloga e psicoterapeuta, dão voz a duas mentes inquietantes: Teresa Patrício Cotrim, professora associada na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, presidente da Associação Portuguesa de Ergonomia e fundadora do Observatório Português de Fatores Psicossociais Ocupacionais; e o Dr. Vítor Arantes Pinheiro, médico especialista em Medicina do Trabalho, diretor clínico no Grupo Fidelidade e na Siemens Gamesa, com uma carreira tecida de contribuições para a academia e para as sociedades médicas nacionais e internacionais.É uma conversa que explora os riscos psicossociais como raízes profundas de um mal maior, entrelaçando prevenção, diagnóstico e reintegração num fio condutor de esperança prática.Ouça aqui o episódio completo: Fatores que tecem o invisível«Os fatores psicossociais resultam do desenho e da organização do trabalho, do conteúdo das tarefas e da interação entre tudo isso e as características, expectativas e experiências das pessoas», define Teresa Patrício Cotrim, ancorando-se na visão da Organização Internacional do Trabalho que mais a seduz pela sua abrangência holística. Não se trata apenas de perigos latentes, como o stress crónico ou a sobrecarga de tarefas, mas de um espectro mais amplo: esses fatores podem ser veneno ou antídoto, dependendo do olhar de quem os vive.«Podem ser de risco ou podem ser protetores. O que faz a diferença é a forma como cada pessoa os percebe», prossegue a ergonomista, cujos anos de investigação no Observatório Português de Fatores Psicossociais Ocupacionais a levam a enfatizar o equilíbrio entre o individual e o coletivo. O risco? A probabilidade de que essa exposição se converta em absentismo, presenteísmo – essa presença fantasmagórica no posto de trabalho – ou num burnout que devora equipas inteiras. Mas há, sempre, o outro lado: ambientes onde o apoio floresce e a autonomia respira, gerando não só bem-estar, mas uma produtividade que se alastra como um rio caudaloso.Os sussurros que precedem o gritoOs sinais não chegam com fanfarra. Instalam-se devagar, como sombras ao entardecer.  Vítor Arantes Pinheiro, com o olhar atento de quem navega entre clínicas e conselhos de administração, descreve-os com a precisão de um cirurgião: «Dores de cabeça frequentes, problemas digestivos, insónias, cansaço crónico». Depois, o emocional toma o palco: «Irritabilidade, ansiedade, apatia, desmotivação». E, por fim, o comportamental, que ninguém pode ignorar: «Alguém que nunca chegava atrasado e de repente começa a chegar, que nunca tinha conflitos e agora tem discussões constantes. Isso é um sinal de alerta».«Muitas vezes o problema no trabalho transborda para casa e vice-versa», confidencia o médico, cuja experiência no Grupo Fidelidade o ensinou que a intervenção precoce é um ato de misericórdia profissional. «Se tivermos sensibilidade para chamar essa pessoa, perceber o que está a acontecer e intervir cedo, evitamos o abismo.» Aqui, a Medicina do Trabalho não é mera vigilância; é uma ponte entre o corpo que fraqueja e o sistema que o esmaga.Despejar a cebola das camadas ocultasTeresa Patrício Cotrim leva-nos mais fundo, para uma perspectiva que não se detém no indivíduo isolado. «Temos de olhar para as várias camadas, como quem descasca uma cebola», ilustra, revelando o mapa invisível de uma organização: o posto de trabalho solitário, a equipa que pulsa em uníssono, o departamento que se entrelaça em dinâmicas subtis, a empresa como um organismo vivo. «Quando o ambiente psicossocial é favorável, as pessoas estão motivadas e produtivas. Quando é desfavorável, surgem absentismo, acidentes, presenteísmo e burnout coletivo.»Num país onde as sociedades envelhecem e os ventos socioeconómicos sopram impiedosos – da crise de 2009 à ressaca da pandemia –, esta visão sistémica ganha contornos de urgência. «Precisamos de organizações sustentáveis, onde o clima organizacional seja tecelagem de equilíbrio entre fatores de detecção e promotores de saúde», argumenta a professora, recordando que o bem-estar não é um acessório, mas o alicerce de uma competitividade que perdura.O retrato que não menteComo capturar essa realidade fugidia? Com ferramentas afiadas pelo rigor científico. «O Questionário de Copenhaga, o COPSOQ, é o instrumento mais utilizado e validado em Portugal desde 2016», partilha Teresa Cotrim, que representa o país na rede internacional do projeto. «É fundamental usar questionários reconhecidos internacionalmente e validados para a nossa população. Só assim conseguimos comparar com outros países e, dentro da própria empresa, perceber se estamos a melhorar ou a piorar.»O segredo reside na granularidade: não uma fotografia embaçada da organização inteira, mas close-ups por departamento, por equipa. «Não basta saber como está a empresa toda», insiste. «Precisamos dos resultados por área, por departamento, por equipa pequena. É aí que se veem os focos críticos.» E, num contexto de dinamismo, a regularidade torna-se mantra: avaliar, repetir, evoluir.As muralhas que ainda nos separamEm Portugal, o caminho está pavimentado de boas intenções, mas minado de obstáculos culturais. «Falta uma cultura organizacional de segurança e bem-estar», lamenta Teresa Cotrim, apontando para os silos que isolam departamentos, a colaboração que escasseia, as equipas de saúde e segurança que operam em ilhas. «Temos de integrar tudo: saúde física, mental e social, para combater estereótipos e preconceitos.»Vítor Arantes ecoa o estigma que ainda paira: «Muitos trabalhadores têm medo de falar, receiam consequências no emprego, mesmo sabendo que as consultas são confidenciais.» E há resistências mais tenazes: chefias que se entrincheiram, líderes e recursos humanos sem ferramentas para detectar o invisível. «É preciso capacitação», urge, recomendando guias como o da DGS sobre vigilância de riscos psicossociais ou a obra em gestação sobre saúde mental no trabalho, que une psiquiatria e medicina ocupacional em exemplos palpáveis.A prevenção, esse ato de humanidadePortugal, pioneiro na norma mundial de bem-estar organizacional, tem as chaves, mas urge girá-las. «Não há nada mais valioso do que a vida humana», sentencia Teresa Patrício Cotrim, num fecho que ressoa como um lembrete ético.Porque, no fim das contas, cuidar da saúde mental não é caridade. É o investimento que transforma vulnerabilidades em forças, esgotamentos em equilíbrios, e organizações em comunidades onde as pessoas não só sobrevivem, mas florescem. E nisso, como em tudo, a urgência é agora.Acompanhe aqui os outros episódios:«Cuidar não tem de ser um ato solitário»: novo podcast da Fidelidade traz Conversas que Cuidam«Cuidar é uma maratona»: quando as empresas também são redes de apoio«Ser diferente tem de ser normal», destaca Inês Neves CaldasDormir é perder tempo? As respostas estão neste episódio de ‘Conversas que Cuidam’O trabalho depois da ausência: como reconstruir o equilíbrio e o lugarSegurança psicológica é o alicerce invisível das equipas que crescemO conteúdo Antes que o silêncio se torne burnout: os sinais que ninguém deve ignorar aparece primeiro em Revista Líder.