Encruzilhada à direita: prisão amplia dúvidas sobre bolsonarismo e sucessão nas urnas

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A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, às vésperas do fim dos prazos para entrar com recursos contra a condenação no caso da trama golpista, tende a antecipar um cenário considerado desafiador por seus aliados: o de se organizar para as eleições de 2026 sem sua principal liderança à frente dessas tratativas. Cientistas políticos e antropólogos que estudam a evolução do bolsonarismo desde 2018 afirmaram ao GLOBO que a maior privação de liberdade, devido à prisão na superintendência da Polícia Federal, pode afetar o papel de Bolsonaro como cabo eleitoral e aumentar o risco de fragmentação de seu campo.Na avaliação dos especialistas, o ex-presidente “perdeu o timing” da definição de um sucessor, o que ameaça a própria permanência do termo “bolsonarismo” para caracterizar a oposição ao governo Lula (PT). Eles indicam que a agenda de costumes tende a seguir importante para a direita, assim como na eleição de 2018, mas que a segurança pública pode ganhar mais relevância, a depender do nome que disputar a Presidência.Preso, Bolsonaro conseguirá manter a mobilização da sua base?A cientista política Camila Rocha, diretora do Centro para Imaginação Crítica do Cebrap, afirma que a presença física de Bolsonaro já se mostrava relevante, por exemplo, para atrair público em manifestações bolsonaristas. A passagem da prisão domiciliar para o regime fechado, se confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao fim do julgamento dos recursos do ex-presidente, pode acentuar uma sensação de que sua imagem está “sumindo”.— Quando Lula estava detido em 2018, também em uma superintendência da PF, ele estava fisicamente bem de saúde, as pessoas tinham acesso, ele deu entrevistas. Em relação a Bolsonaro, a situação é diferente. Ele não está do ponto de vista de saúde muito bem e não parece haver um grande apoio internacional, por parte de outras lideranças, em relação a uma possível libertação — comparou a pesquisadora.Essa dificuldade para mobilizar a base já vinha aparecendo, na avaliação de especialistas, desde a decretação da prisão domiciliar de Bolsonaro, em agosto. Além de restringir a capacidade de encontro com aliados, aquela decisão também reforçou a impossibilidade de que Bolsonaro usasse as redes sociais.Os pesquisadores lembram que Bolsonaro e os filhos usaram as redes de forma estratégica, desde a campanha eleitoral de 2018, para popularizar a imagem do ex-presidente e manter um canal direto entre ele e apoiadores.Leia também: Prisão de Bolsonaro pode unificar centro e direita na eleição, diz analista políticoSegundo o antropólogo David Nemer, professor na Universidade de Virgínia, nos EUA, que monitora grupos de WhatsApp usados por militantes bolsonaristas, o número de menções diretas ao ex-presidente vinha caindo nesses fóruns desde a prisão domiciliar. O pesquisador afirma que alguns picos de menções a Bolsonaro, nesse período, estavam relacionados à “esperança de que alguma reviravolta pudesse acontecer em relação à prisão”, como quando o ministro do STF Alexandre de Moraes foi alvo de sanções dos EUA.Professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a antropóloga Isabela Kalil já vem detectando vídeos com inteligência artificial, em redes sociais como o TikTok, que tentam recriar a imagem do ex-presidente.— O subtexto é: Bolsonaro não disse isso, mas, se pudesse, diria. Por enquanto, a imagem dele está sumindo, mas isso não significa que não se possa fazer uma campanha, com uso de IA, fazendo aparecer um Bolsonaro “sintético”.2. A prisão eleva ou reduz a importância do apoio de Bolsonaro na urna em 2026?O cientista político Guilherme Casarões, um dos coordenadores do Observatório da Extrema-Direita, avalia que a manutenção de Bolsonaro como cabo eleitoral para presidenciáveis de direita dependerá da forma como o entorno do ex-presidente lidar com a mudança de prisão domiciliar para o regime fechado.— Se a prisão de Bolsonaro levar a uma radicalização ainda maior das posições do bolsonarismo, sobretudo no que diz respeito à democracia, o movimento se tornará insustentável para setores da direita que pretendem se manter no jogo político-eleitoral. Uma “martirização” de Bolsonaro, sem radicalização, pode ser o caminho para manter a direita unida diante das eleições do próximo ano – avalia Casarões.Já a antropóloga Isabela Kalil, que também integra o Observatório da Extrema-Direita, considera que o ex-presidente “corre sério risco de perder seu capital político” indo à prisão, por não ter indicado um sucessor.Para os pesquisadores, a situação difere da vivida pelo então ex-presidente Lula em 2018, ao ser preso na Lava-Jato meses antes da corrida eleitoral, quando ainda se colocava como candidato. Na ocasião, Lula já tinha sinalizado que Fernando Haddad o sucederia nas urnas, o que acabou se concretizando.— No caso do Bolsonaro, como ele não passa o bastão a ninguém, nem mesmo à própria família, ele corre o risco de deixar o capital político se desfazer sem nenhuma estratégia. Quanto mais ele perde o timing da sucessão, mais ele corre o risco de seus eleitores sentirem que foram deixados sozinhos por conta do silêncio — afirma Kalil.Leia tambémAtentos a 2026, governadores de direita condenam prisão de Bolsonaro; criticam MoraesTarcísio defendeu a inocência de Bolsonaro e destacou que lutará para que “essa injustiça seja reparada o quanto antes”Já o antropólogo David Nemer avalia que a “condição de mártir” avocada pelo ex-presidente tende a mantê-lo em um papel de “comando à distância”.— Mas ele terá menos poder de agenda e haverá mais ruído interno, com disputa pelo espólio político e pela definição de táticas de mobilização — diz Nemer.3. Bolsonarismo sobrevive, como fenômeno eleitoral, sem Bolsonaro?Para os especialistas, a ideia de um campo “bolsonarista” dependerá da capacidade de familiares do ex-presidente se colocarem como sucessores. Eles traçam um paralelo com o “peronismo”, que se firmou como movimento político na Argentina a partir das presidências de Juan Domingo Perón e da atuação da ex-primeiras-damas Evita e Isabelita.O cientista político Guilherme Casarões avalia que o bolsonarismo tem “natureza populista”, portanto, “é natural que siga girando em torno de uma figura”.— Por isso, há uma insistência de setores do campo bolsonarista em manter alguém da família à frente do movimento. Isso indica certa fragilidade, uma vez que não parece haver ninguém fora do círculo íntimo de Bolsonaro que possa exercer uma liderança de longo prazo.A antropóloga Isabela Kalil avalia que, “sem um familiar de Bolsonaro com papel de relevância”, o termo bolsonarismo pode “entrar em declínio”.— Mas vejo uma bolsonarização da política. É menos um legado em torno da figura e mais uma forma específica de se comunicar, que alguns atores entenderam que dá voto.4. A segurança vai se sobrepor à pauta de costumes em 2026?Os especialistas avaliam que, a depender dos candidatos à Presidência e aos governos estaduais, temas como a agenda moral e o discurso “linha dura” na segurança pública podem ser mobilizados com maior ou menor intensidade. A cientista política Camila Rocha afirma que a pauta conservadora é um fator relevante para candidatos ao Legislativo que buscam atrair o eleitorado bolsonarista.— Vereadores e deputados continuam mobilizando essa perspectiva de redução de direitos de aborto e nas questões LGBTQIA+ como trampolim eleitoral. Isso vale mais para um deputado como o Nikolas Ferreira, enquanto um Tarcísio de Freitas usa mais a questão da segurança, de escolas militarizadas, de combate ao crime organizado – compara.A antropóloga Isabela Kalil vê a megaoperação policial do mês passado no Rio, que deixou 121 mortos, como sinal de que a pauta da direita em 2026 tende a girar mais em torno da segurança.Já o antropólogo David Nemer pondera que a pauta moral ainda é a principal “cola identitária” do campo da direita, que reúne grupos dispersos mantidos sob o guarda-chuva de Bolsonaro nas duas últimas eleições.— É provável que essas lideranças continuem mobilizando esse tema de costumes, porque ele gera alto engajamento com baixo custo. A pauta moral é um gatilho para defensores de valores cristãos, grupos armamentistas e figuras “antissistema”. Serve como um teste de lealdade nesse campo.The post Encruzilhada à direita: prisão amplia dúvidas sobre bolsonarismo e sucessão nas urnas appeared first on InfoMoney.