Os medicamentos à base de GLP-1, como Ozempic, Wegovy e Zepbound, avançaram rapidamente do combate ao diabetes e à obesidade para um território ainda pouco explorado: o tratamento de dependências químicas e comportamentais. A possibilidade, impulsionada por estudos preliminares e pelo uso crescente em clínicas de reabilitação nos Estados Unidos, reacende o debate sobre como o cérebro responde a esses fármacos e até onde eles podem ir na redução de comportamentos compulsivos.A endocrinologista e especialista em medicina metabólica Alessandra Rascovski, diretora médica da Atma Soma, acompanha esse movimento de perto. Segundo ela, o que se vê na prática clínica dialoga com as primeiras evidências científicas.— O que percebemos cada vez mais é o quanto a adição melhora, principalmente para o álcool. Tenho pacientes que também relatam melhora em compulsão por compras e até em vício em cigarro — destaca.— Os mecanismos ainda estão sendo estudados, mas existe realmente uma ação na dopamina que regula os centros de recompensa cerebral — diz.O interesse da comunidade científica em novas aplicações dos GLP-1 ganhou força após a observação de que esses medicamentos reduzem o chamado “food noise”, o ruído mental constante que impulsiona a busca por comida. Para muitos especialistas, trata-se de um mecanismo semelhante ao que sustenta também outros tipos de compulsão, como álcool, drogas e tabagismo.Leia tambémSol, calor e descuido: por que o verão é o período mais perigoso para câncer de peleRoupas com proteção UV, chapéu de aba larga e óculos escuros de boa procedência funcionam como aliados importantes na rotina de cuidadosChina leva disputa com Japão sobre Taiwan para ONU e promete se defenderA primeira-ministra japonesa, Sanae Takaichi, cometeu ‘uma grave violação do direito internacional’ e das normas diplomáticas ao afirmar que um ataque chinês a Taiwan poderia desencadear uma resposta militar de Tóquio, escreveu o embaixador chinês na ONUEsse possível elo começou a ser investigado em estudos recentes. Um deles, publicado em JAMA Psychiatry em fevereiro deste ano, mostrou que pessoas com consumo problemático de álcool que receberam semaglutida relataram beber menos e sentir menos vontade de beber ou fumar.O que acontece no cérebroA hipótese mais investigada no momento é a de que os GLP-1 modulam a liberação de dopamina, o neurotransmissor central da sensação de recompensa. Ao reduzir a intensidade do circuito cerebral associado ao prazer imediato, eles podem tornar gatilhos menos provocativos, diminuindo impulsos e facilitando a interrupção do comportamento aditivo.É exatamente o que Alessandra observa no consultório:— Na clínica, já usei o medicamento off-label para alcoolismo em duas pacientes. Elas pararam de beber, e a resposta foi muito eficiente — relata. Ela reforça ainda o impacto sobre o food noise:— É esse ruído mental que invade sua vida e afazeres, um pensamento obsessivo. Enquanto você não vai comer ou não vai beber, o pensamento não cessa. O tratamento controla muito esse ruído — alerta.Dados ainda são preliminaresApesar do entusiasmo crescente, as evidências sobre o uso de GLP-1 no tratamento de dependências ainda são preliminares. Não há, até o momento, aprovação específica para uso em saúde mental, o que limita o acesso e mantém o tratamento restrito a prescrições off-label, geralmente caras e não cobertas pelos planos de saúde. Além disso, os efeitos colaterais e a segurança do uso prolongado dessas medicações ainda precisam ser avaliados em estudos de maior escala e duração.Alessandra Rascovski lembra que o impacto potencial desses medicamentos se torna especialmente relevante em países como o Brasil, onde o consumo abusivo de álcool é um problema de saúde pública. — Nós temos cerca de 6 milhões de adultos brasileiros que fazem uso abusivo de álcool, segundo dados da Covitel. É um contingente enorme que poderia se beneficiar de novas alternativas terapêuticas — alerta a especialista.Nos Estados Unidos, ensaios clínicos já estão em andamento para responder justamente a essas lacunas. Alguns incluem ambientes controlados que simulam situações de risco — desde bares artificiais até sessões de realidade virtual — para avaliar em tempo real como os GLP-1 modulam comportamento e resposta a gatilhos. A Eli Lilly admite estudar aplicações específicas em dependência, enquanto a Novo Nordisk mantém cautela sobre seus planos.Enquanto a ciência avança, Alessandra reforça que esses medicamentos não dispensam tratamentos já estabelecidos, mas podem servir como um suporte importante.— Eles não substituem psicoterapia, apoio social ou acompanhamento especializado, mas podem oferecer a clareza mental necessária para que a pessoa dê o primeiro passo e consiga mantê-lo — diz. The post GLP-1: como medicamentos para obesidade entram no debate sobre tratar dependência appeared first on InfoMoney.