“Não quero que a banda amoleça e vire cover de si”, disse Marcelo D2 em entrevista à Rolling Stone Brasil, concedida ao dono deste site que você lê agora. Em uma época com tantas bandas lendárias arriscando seus legados com shows de qualidade duvidosa, o Planet Hemp optou por outro caminho: uma morte planejada. Com a turnê de despedida “A Última Ponta”, excursionam o Brasil desde setembro, cantando suas músicas pela última vez.O impacto do Planet Hemp não pode ser resumido de maneira digna em um texto como este, em especial por transcender a música. Entretanto, para resumir: se há debate sobre a legalização da maconha no âmbito mainstream hoje em dia, é graças a eles.Na capital paulista, a última apresentação ocorreu no sábado (15), no Allianz Parque, num dia com diversos outros eventos de grande porte. Ainda assim, seus fãs compareceram em peso e encheram o estádio — um feito raro para atrações nacionais, mas recorrente nos últimos anos após iniciativas da produtora 30e a exemplo de Titãs Encontro, Os Paralamas do Sucesso e Ney Matogrosso. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Igor Miranda (@igormirandasite)BaianaSystemOs trabalhos daquele sábado começaram com o BaianaSystem, grupo recém-vencedor do Grammy Latino (Melhor álbum de rock ou música alternativa em língua portuguesa por “O Mundo Dá Voltas”). De acordo com Marcelo D2, que subiu ao palco às 18h15 para introduzir os colegas, “chegaram hoje e virados” da cerimônia em Las Vegas.Já deixando clara a conexão entre eles e os headliners, começaram seu show com “Reza Braba”, que em sua versão de estúdio, conta com uma participação de BNegão — repetida também no Allianz. O vocalista do Planet continuou no palco para “A vida é curta para viver depois”, emendada diretamente na primeira. Apesar do estádio ainda não estar em sua capacidade máxima, Russo Passapusso esbanjava uma presença de palco enérgica, levando o público junto. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Rolling Stone Brasil (@rollingstonebrasil)A performance assumiu um clima quase teatral em “Cabeça de papel”, que viu um personagem — vestido igual a um dos soldados do clipe — subir no palco e interagir com os músicos e fãs. O mesmo ocorreu em “Capim Guiné”, que por sua vez, teve Cláudia Manzo acompanhando Russo na voz. A produção de palco e o trabalho visual nos telões se mostraram impecáveis, assim como a qualidade do som do instrumental. Nas vozes, porém, deixou um pouco a desejar: estavam ora muito baixas, ora sem definição.Um solo nas teclas do Maestro Ubiratan Marques abriu um bloco de músicas demonstrativo da real versatilidade do grupo baiano. Começou com “Sulamericano”, mas passou por “Magnata”, “Bésame Mucho” (sim, popularizada por Andrea Bocelli) e “Bala na Agulha”, antes de voltar para “Sulamericano”. Tal dinamismo regeu o show como um todo, que em sua parte final trouxe “Balacobaco” e “Saci” com direito a pedido de roda e estádio iluminado por lanternas de celular, além de uma participação do rapper Vandal em “Ballah Ih Fogoh” contrastando com “Jah Jah Revolta”, mais calcada na sonoridade tradicional afro-brasileira. “Forasteiro”, instrumental eletrônico, encerrou o set.Planet HempPassado quase uma hora do final do primeiro show, as luzes se apagaram e várias datas relevantes da década de 1990 começaram a aparecer no telão, em meio a eventos definidores do início da carreira do Planet Hemp. As menções extrabanda iam desde marcos da música brasileira, como o lançamento do clássico de Chico Science & Nação Zumbi “Da Lama ao Caos” — descrito como “muito f#da” — a ocorridos políticos como o fim do apartheid e a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso. Alguns minutos após o horário marcado para o início, aparecia a seguinte mensagem: “Abril, 1995: Chega às lojas ‘Usuário’, o primeiro álbum do Planet Hemp, lançado pelo selo SuperDemo, de Elza Cohen. Vamos contar essa história a partir daqui”.O espetáculo do Planet Hemp foi todo baseado (sem piadinha) no conceito de um livro que narra a história da banda, com vários capítulos. O primeiro se iniciou a partir de um vídeo rápido trazendo várias fotos do grupo, que não demorou para assumir o palco. Já com ambos os pés na porta, chegaram com “Dig Dig Dig (Hempa)”, que teve seu refrão ecoado a plenos pulmões pelo estádio cheio.Os clássicos continuaram vindo em peso, com um medley de “Ex-Quadrilha da Fumaça” e “Fazendo a Cabeça” seguido da clássica “Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga”, levando os fãs à loucura. Com um “F#DA-SE” estampado em caixa alta no telão, a voz que narrou o show continuou: “como nada na história do Planet Hemp acontece de forma linear, vamos lá pra frente”. Vieram desta forma “Distopia” (que viu alguns sinalizadores no público) e “Taca Fogo”, com Luiza, esposa de D2, no palco. Ambas as faixas integram “Jardineiros” (2022), álbum mais recente — e, agora sabemos, último — do grupo. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Igor Miranda (@igormirandasite)Uma nova volta ao passado se deu após homenagem ao saudoso Fábio Costa, dono do Garage, casa importante para a cena carioca, com “Mary Jane”, “Phunky Buddha” e “Planet Hemp”. Passados mais alguns agradecimentos, o palco se encontrava banhado por luzes verdes e emitindo o groove icônico de Formigão em “Legalize Já”, tocada sob forte coro dos fãs. Encerrada “Não Compre, Plante”, a presença do álbum “Usuário” no set deu uma pausa para outros trabalhos ganharem mais espaço. Independentemente do disco, a recepção se mostrava positiva.Após o hit “Queimando tudo” — revisitado posteriormente no repertório — e a viajada “Onda forte”, BNegão falou rapidamente do conceito da política do medo antes de chamar as primeiras participações da noite: Seu Jorge e Emicida. A pacífica “Não Tenha Medo” antecedeu “AmarElo”, canção do rapper que referencia “Sujeito de sorte” (Belchior). “Aquela K7 em 1997 foi a melhor compra que fiz”, disse o rapper, antes de sair. Jorge, que já excursionou com o Planet, permaneceu para tocar flauta em “Biruta” e um medley com “Cadê o Isqueiro” e “Quem tem Seda?”.O próximo momento de destaque ocorreu após “Puxa Fumo” e “Adoled (The Ocean)”, esta construída com base na citada canção do Led Zeppelin. “Salve, Kalunga” serviu como homenagem ao falecido Fábio Kalunga, fundador da banda carioca de skate punk Cabeça e membro dos Seletores de Frequência com BNegão. Veio logo antes de “Gorilla Grip” — ambas pedradas diretas. Após “Mão na Cabeça”, “Não Vamos Desistir”, “Stab” (durante a qual viu Bernardo mandou “todos os governadores e milicianos tomarem no c#”) e “Procedência C.D.”, o cronômetro já contava 1h30 de show. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Igor Miranda (@igormirandasite)Trazida de braços dados com D2, Pitty foi a única convidada a não cantar nenhuma música do Planet. Soltou “Admirável Chip Novo” e “Teto de Vidro”, a primeira na versão regravada pela banda anfitriã em 2023. BNegão chegou a contar que a baiana entregou a ele uma fita demo de sua banda de hardcore na época em que o Planet estava sob perseguição das autoridades, levando à prisão em 1997. Deste gancho veio “100% Hardcore”, com diversos sinalizadores acesos no meio da roda. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Igor Miranda (@igormirandasite)“Zerovinteum” e “Hip Hop Rio” trouxeram a energia fluminense antes da homenagem a Chico Science em “Samba Makossa”. “A Culpa é de Quem?” deu mais uma injeção de energia na plateia, surpreendida na sequência pela inesperada, mas indispensável presença do ex-integrante Black Alien nas músicas seguintes. “Contexto” e uma reprise de “Queimando Tudo” fechariam o set regulamentar com aclamação ao rapper que originalmente substituiu e depois dividiu espaço com BNegão no Planet.Ainda acompanhados de Alien, voltaram para o bis com “Deisdazseis”. Tivemos, então, a participação menos esperada da noite: João Gordo, “o cara que botou coragem” na geração de bandas do Planet Hemp, de acordo com D2. Com o vocalista do Ratos de Porão, executaram a infelizmente atemporal “Crise Geral”, do RDP, antes de fecharem de uma vez por todas com “Mantenha o Respeito”. A energia ainda estava lá no alto. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Igor Miranda (@igormirandasite)Encerrou-se, assim, a história do Planet Hemp em São Paulo, sem violar a promessa feita em entrevista de não amolecer. Houve sangue nos olhos até o fim. O público do Allianz Parque testemunhou um show memorável, impecável em todos os sentidos: performance, qualidade técnica, estrutura e escolha de repertório. Mais uma garantia de que a lembrança do “Planeta Maconha” permanecerá “fazendo a cabeça” de muita gente por um bom tempo.Planet Hemp — ao vivo em São PauloLocal: Allianz ParqueData: 15 de novembro de 2025Turnê: A Última PontaProdução: 30eRepertório:Dig Dig Dig (Hempa)Ex-quadrilha da fumaça / Fazendo a cabeçaRaprockandrollpsicodeliahardcoreraggaDistopiaTaca fogo (com a esposa do Marcelo, Luiza, nos backing vocals)Mary Jane / Phunky BuddhaPlanet HempLegalize jáNão compre, plante!JardineiroQueimando tudoOnda forteNunca tenha medo (com Emicida e Seu Jorge)AmarElo (música de Emicida; com Emicida e Seu Jorge)Biruta (com Seu Jorge na flauta)Cadê o isqueiro? / Quem tem seda? / Pilotando o bonde da excursão (com Seu Jorge)Puxa fumoAdoled (The Ocean)Salve, KalungaGorilla GripO bicho tá pegandoMão na cabeçaNão vamos desistirStabProcedência C.D.Admirável chip novo (música da Pitty; com participação da Pitty)Teto de vidro (música da Pitty; com participação da Pitty)100% Hardcore / Deixa a gira giráZerovinteumHip Hop RioSamba makossa / Monólogo ao pé do ouvido (cover de Nação Zumbi)A culpa é de quem?Contexto (com Black Alien)Queimando tudo (com Black Alien)Bis:Deisdazseis (com Black Alien)Crise geral (música do Ratos de Porão; com João Gordo)Mantenha o respeito (com Black Alien e João Gordo)Quer receber novidades sobre música direto em seu WhatsApp? Clique aqui!Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.O post Adeus do Planet Hemp a SP foi pesado, sinistro e veio sem dó apareceu primeiro em Igor Miranda.