Enquanto o governo Trump intensifica a pressão sobre o presidente venezuelano Nicolás Maduro, especialistas e ex-funcionários do governo expressam preocupação com a decisão de designar o Cartel de los Soles como organização terrorista estrangeira.Eles argumentam que não se trata de um cartel formalmente organizado como as organizações criminosas da Colômbia e do México, e consideram exagerado sugerir que Maduro o lidere, embora haja envolvimento governamental no tráfico de drogas.Os especialistas sugerem que essa designação fornece ao governo americano uma justificativa para realizar ações militares contra o governo venezuelano.O presidente dos EUA, Donald Trump, confirmou isso no domingo (16), dizendo aos repórteres que a designação poderia permitir que os militares americanos atacassem os ativos e a infraestrutura de Maduro dentro da Venezuela.A CNN entrou em contato com o Departamento de Estado para comentários.O que sabemos sobre o Cartel de los SolesCartel de los Soles, que significa cartel dos sóis em português, é usado para descrever uma rede descentralizada de grupos venezuelanos dentro das forças armadas ligados ao tráfico de drogas, segundo especialistas.Porém, devido à sua falta de hierarquia e estrutura, alguns afirmam que não pode ser comparado aos cartéis tradicionais que foram designados como grupos terroristas pelos EUA, e outros sugerem que tecnicamente não existe no sentido convencional.“Eles estão designando como organização terrorista algo que não existe e que não é uma organização terrorista”, afirmou Brian Finucane, ex-advogado do Departamento de Estado especializado em questões de poderes de guerra.Outro ex-alto funcionário do governo americano disse que o Cartel de los Soles era “um nome inventado usado para descrever um grupo ad hoc de funcionários venezuelanos envolvidos no tráfico de drogas através da Venezuela”Não possui a hierarquia ou estrutura de comando e controle de um cartel tradicional.Brasil acompanha ações no Caribe com atenção | AGORA CNNO funcionário afirmou que as declarações da administração Trump são baseadas em “informações ruins”, provavelmente vindas da Agência de Inteligência de Defesa ou da Agência Antidrogas, que não resistem ao escrutínio da comunidade de inteligência mais ampla, ou que “são puramente políticas”.A CNN entrou em contato com a DIA e a DEA para comentários.O nome surgiu nos anos 1990, depois que generais e comandantes venezuelanos – que usavam insígnias de sol em suas platinas – foram investigados por tráfico de drogas e crimes relacionados, segundo o centro de pesquisas InsightCrime.O nome se popularizou e passou a ser frequentemente utilizado, especialmente a partir de meados dos anos 2000, quando diversos membros de diferentes ramos das forças armadas assumiram papéis mais ativos no tráfico de drogas, afirmou o InsightCrime em um relatório recente.Jeremy McDermott, cofundador e codiretor do InsightCrime, disse à CNN que o suposto cartel “não é uma organização de tráfico de drogas tradicional e verticalmente organizada. É, pelo menos segundo o InsightCrime, uma série de células normalmente desconectadas inseridas dentro do exército venezuelano”.De acordo com o Departamento de Estado, o Cartel de los Soles, junto com a organização criminosa venezuelana Tren de Aragua e o Cartel de Sinaloa no México, são responsáveis pelo tráfico de drogas para os Estados Unidos e Europa.Phil Gunson, pesquisador do International Crisis Group baseado em Caracas, disse anteriormente à CNN que “o Cartel de los Soles, em si, não existe. É uma expressão jornalística criada para se referir ao envolvimento de autoridades venezuelanas no tráfico de drogas”. Juíza toma nova decisão sobre ex-piloto que tentou desligar motor nos EUA Netanyahu pede que Hamas seja expulso de Gaza após votação da ONU Coreia do Norte diz que Coreia do Sul e EUA criarão “efeito dominó nuclear” Isso não significa que não existam militares ou funcionários do governo envolvidos no tráfico de drogas. “Os cartéis estão aqui, os colombianos e os mexicanos também. Há remessas de drogas pelo Rio Orinoco e por via aérea através de pistas clandestinas, voos de Apure para a América Central, e assim por diante”“Nada disso seria possível sem envolvimento direto das altas esferas”, afirmou o especialista.Para Gunson, o papel de Maduro é semelhante ao do ex-presidente panamenho Manuel Noriega, que foi condenado a décadas de prisão em várias jurisdições por sua associação com o cartel de Medellín em 1992: um parceiro externo que, embora não fizesse diretamente parte do cartel, ainda se beneficiava das rotas do tráfico de drogas sob sua proteção.O presidente venezuelano sempre negou qualquer envolvimento pessoal com o tráfico de drogas, e seu governo repetidamente negou a existência do suposto cartel.“De repente, eles (os EUA) desenterraram algo que chamam de Cartel de los Soles, que nunca conseguiram provar, porque não existe. É a narrativa do imperialismo”, disse o Ministro do Interior Diosdado Cabello há alguns dias.A CNN entrou em contato com o Ministério Público venezuelano para comentários.O ditador da Venezuela Nicolás Maduro • 15/09/2025 REUTERS/Leonardo Fernandez ViloriaQual é o objetivo da designação?A designação de organização terrorista estrangeira (FTO) é uma das mais sérias classificações antiterrorismo do Departamento de Estado. É ilegal para cidadãos americanos fornecer conscientemente “apoio material ou recursos” a uma organização terrorista estrangeira designada, e seus representantes e membros são impedidos de entrar nos EUA.Além disso, a medida poderia permitir que os militares americanos ataquem os ativos e a infraestrutura de Maduro dentro da Venezuela, como Trump sugeriu.Os EUA tradicionalmente trataram o trabalho antidrogas como uma questão de aplicação da lei, mas Trump tem cada vez mais buscado militarizar esses esforços, usando ferramentas e autoridades tradicionais de contraterrorismo – algo que Finucane disse ser na verdade uma cortina de fumaça para o verdadeiro propósito da operação: derrubar Maduro.“O aspecto preocupante desta medida é que ela pode ser um prelúdio para uma ação militar contra o próprio governo venezuelano”, disse Finucane, chamando-a de mais um passo nos “esforços do Secretário de Estado Marco Rubio para disfarçar uma operação de mudança de regime como ação antidrogas.”A administração, segundo ele, está “inventando um padrão de fatos” e “criando uma realidade alternativa” para poder caracterizar publicamente sua política em relação à Venezuela como uma campanha antiterrorismo.Embora a designação de uma organização estrangeira como organização terrorista não carregue nenhuma autoridade legal para ataques militares – tecnicamente só autoriza penalidades financeiras e diplomáticas, como o congelamento de ativos – a administração, no entanto, já a utilizou como precursora de ação militar no passado recente.As forças militares dos Estados Unidos atacaram 22 pequenas embarcações que, segundo a administração americana, eram operadas por grupos criminosos recentemente designados como organizações terroristas estrangeiras.Essas designações têm sido alvo de análise minuciosa por especialistas jurídicos, uma vez que alguns dos grupos e cartéis classificados pelos EUA são motivados por lucro, não por ideologia. Tradicionalmente, grupos terroristas são definidos como organizações que praticam violência por motivos políticos.A designação do Cartel de los Soles, que pode nem mesmo ser uma organização formal, leva essa lógica já contestada ainda mais longe. “Eles estão basicamente operando fora da lei, e é por isso que não existe um princípio limitador”, afirmou Finucane.Raiva e medo na Venezuela: geração Z sonha com futuro em outros países