COP30 entra na fase decisiva

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A segunda semana da COP30 começou com discursos inflamados, promessas de virada histórica e um recado que pretende encerrar a era da retórica diplomática: ou o Acordo de Paris sai do papel agora, ou a conferência corre o risco de se transformar em mais um marco da diplomacia climática do “quase lá”. No plenário de alto nível, autoridades brasileiras e internacionais exigiram que o encontro avance dos slogans para os fatos — mas o próprio histórico dessas reuniões lança a sombra da dúvida sobre o quanto desse apelo resultará em transformação real.O vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, falou em tom grave, como se anunciasse o esgotamento moral da comunidade internacional diante do colapso climático: esta deveria ser, segundo ele, “a conferência da verdade, da implementação e, sobretudo, da responsabilidade”. Palavras importantes, sem dúvida. Mas ainda insuficientes quando se observa que os mesmos líderes que conclamam coragem seguem subsidiando combustíveis fósseis, permitindo destruição florestal e tratando o problema climático como ajuste técnico — e não como ruptura civilizatória.Alckmin insistiu que “o tempo das promessas já passou”. A frase ecoou pelo auditório, poderosa, ainda que paradoxal, dita por representantes de governos que, ano após ano, ampliam metas, mas fracassam em cumpri-las. Cada fração de grau no aquecimento, lembrou o vice-presidente, representa “vidas em risco, mais desigualdade e mais perdas para aqueles que menos contribuíram com o problema”. O discurso é claro. A prática, contudo, permanece a ser provada.Manifestação Marcha pelo Clima, é parte do Ato Global pelo Clima, que se realiza em diversas cidades do mundo e alerta para a crise climática e o aumento dos eventos climáticos extremos. Foto: Fernando Frazão | Agência Brasil Leia também: 1.Ciência planetária ganha protagonismo histórico na COP30 2.Combustíveis fósseis, financiamento e florestas: prioridades da COP30 Quando a diplomacia se torna um obstáculoSimon Stiell, secretário-executivo da UNFCCC, empurrou ainda mais o tom de urgência: pediu que os países abandonem os jogos de obstrução e negociem o essencial, sem empurrar decisões para a prorrogação — aquele tempo extra onde tantas COPs já foram quase sepultadas. “O tempo da diplomacia formal já passou”, disse Stiell, em clara crítica aos rituais que transformaram a política climática em um labirinto burocrático enquanto o planeta ultrapassa pontos de não retorno ecológico.Essa afirmação não poderia ser mais precisa: a paralisia negociada é também uma forma de negar ciência. A COP, ao se tornar dependente de consensos improváveis, frequentemente favorece os que lucram com a crise e não os que morrem por causa dela.Presidente da República Lula da Silva e os Chefes de estado posam para Fotografia oficial da Cúpula do Clima (COP30). Parque da Cidade – Belém (PA). Foto: Ricardo Stuckert / PR Leia também: 1.Recifes de corais atingem ponto de não retorno 2.Com 26% de área devastada, Amazônia se aproxima do ponto de não retorno Dez anos após Paris: celebrar o quê exatamente?Annalena Baerbock, presidente da 80ª sessão da Assembleia Geral da ONU, buscou resgatar o otimismo, lembrando que a trajetória climática não é linear, e que a diplomacia já provou ser capaz de avanços, como o Acordo de Paris. Mas há algo desconfortável nesse balanço: dez anos depois, as emissões globais continuam subindo, os investimentos em petróleo e gás seguem colossais e promessas de transição energética ainda convivem com renovações de licenças para exploração fóssil.Sim, as energias renováveis avançaram e já representam 90% das novas instalações globais em 2024, como Baerbock celebrou. Mas não há tecnologia capaz de compensar o ritmo atual de destruição socioambiental sem o corte imediato na queima de petróleo, carvão e gás.Três palavras-chave: transição, justiça e coerênciaManifestação de Líderes indígenas durante encontro da COP 29 sobre Mudanças Climáticas da ONU. | Foto: Habib SamadovA transição energética foi o eixo mais celebrado na abertura da semana. Foram citados mais de US$ 2,2 trilhões investidos globalmente em energia renovável apenas em 2023. Trata-se de um volume impressionante — que, no entanto, continua superado pelos subsídios diretos e indiretos aos combustíveis fósseis. A conta não fecha.Da mesma forma, o apelo à justiça climática segue como ponto sensível, já que os povos mais afetados pelo caos ambiental são também os menos representados nas mesas de negociação e os menos beneficiados pelos recursos anunciados.Brasil em destaque —vigilância continua necessáriaO governo brasileiro apresentou seus avanços, com Alckmin exaltando uma matriz energética majoritariamente renovável e a ampliação da mistura de etanol e biodiesel. O país também reforçou o compromisso de zerar o desmatamento até 2030 e o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que remuneraria países pela preservação.Obras foram pintadas com tintas que usam cinzas de incêndios florestais, recolhidas por Mundano. Foto: Marina Persegani | @perseganiEsses sinais são relevantes e devem ser reconhecidos — principalmente num contexto geopolítico ainda dominado pelos interesses fósseis. Mas é impossível ignorar que o Brasil segue convivendo com garimpo ilegal, violência contra povos indígenas, avanço do agronegócio sobre áreas sensíveis e uma política ambiental que oscila entre avanços e concessões perigosas. Leia também: 1.Caciques do Oiapoque repudiam exploração de petróleo 2.ONGs pedem exclusão de lobistas do petróleo e agro na COP30 A grande pergunta desta COPOs discursos desta segunda semana convergem para uma questão essencial, que atravessa todas as COPs desde 2015:Estamos dispostos a mudar o sistema que produz a crise climática ou vamos apenas administrá-la até que seja irreversível?A humanidade, como afirmou Stiell, poderá sobreviver apenas com o pleno cumprimento do Acordo de Paris. Mas, até aqui, o mundo não tem fracassado por falta de conhecimento científico, de tecnologia ou de alternativas — fracassa por falta de coragem política.Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram adotados pelos 193 Estados-membros da ONU em 2015 como um plano de ação global para erradicar a pobreza e construir um mundo mais próspero, sustentável e justo até 2030. Foto: © ONU.Baerbock finalizou evocando um termo bem brasileiro: mutirão. A ideia é bela. Cooperação, solidariedade, esforço comum. Mas é preciso lembrar: mutirões só acontecem quando cada participante entende que não há mais quem faça o trabalho por eles.O planeta seguirá de olho e o que virá ou não está a menos de uma semana para descobrirmos.O jornalista Reinaldo Canto tem mais de 30 anos de experiência em jornalismo socioambiental.The post COP30 entra na fase decisiva appeared first on CicloVivo.