TCE-PI vê superfaturamento de R$ 2,9 milhões da firma de Whindersson

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Um relatório do Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI) traz  indícios de direcionamento, superfaturamento e possível dano ao erário na contratação de uma empresa de robótica educacional ligada ao influenciador Whindersson Nunes pela Secretaria de Educação do Piauí. O relatório traz as conclusões de uma investigação noticiada em setembro pela coluna.A empresa chama-se TRON Atividades de Apoio à Educação LTDA. Foi contratada por R$ 11 milhões pelo governo piauiense para fornecer materiais e treinamentos para o ensino de robótica na rede pública do estado. A contratação foi por dispensa de licitação – essa possibilidade existe quando só há um fornecedor capaz de prover o serviço.Segundo o relatório do TCE do Piauí, o superfaturamento no contrato pode chegar a até R$ 2,9 milhões. Isto porque parte dos materiais contratados não teria sido entregue, segundo a auditoria.“Verificou-se que foram realizados pagamentos no valor de R$ 2.915.550,00 referentes à entrega de 15.000 unidades de materiais e insumos pedagógicos destinados aos alunos”, diz um trecho.“Entretanto, em inspeções (…) em Teresina, bem como em entrevistas aplicadas com gestores (…), a equipe de fiscalização foi informada de que não houve entrega de materiais físicos ou e-books aos alunos contemplados”, diz o texto.“A ausência de evidências materiais de recebimento aliada aos depoimentos das escolas e à divergência entre os itens enviados e aqueles descritos na proposta contratual indica a possibilidade de pagamento por itens não entregues, caracterizando superfaturamento por não execução do objeto contratado”, diz o relatório.Whindersson não é mencionado no relatório do TCE-PI, pois não consta no quadro societário da empresa registrado na Receita Federal.No entanto, a própria TRON apresenta Whindersson Nunes como “sócio” em materiais de divulgação. Em dezembro de 2023, ao receber o prêmio Troféu Influência Digital 2023, Whindersson disse que “tinha” uma empresa no Piauí – a Tron.“Eu queria falar sobre a @tronroboticaeducativa, uma empresa de robótica e tecnologia que tenho no Piauí, criada com a intenção de ter tecnologia na grade curricular das escolas, já que o futuro é tecnológico”, postou Whindersson no Instagram na época.O post foi apagado depois, mas está reproduzido em reportagem do portal G1 e de jornais locais. Whindersson também é mencionado em outras reportagens como sócio da TRON.Além disso, o próprio Whindersson já se referiu ao fundador da Tron, o físico Gildário Lima, como “sócio”, numa publicação no LinkedIn. O mesmo termo já foi usado pelo governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), para se referir a Whindersson numa publicação sobre a parceria com a Tron.À época da primeira reportagem sobre o assunto, Whindersson ironizou a apuração do TCE num tuíte. “A Papuda me espera”, disse. A referência é a um vídeo viral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).A papuda me espera https://t.co/M1Zsibu4Xu— Whindersson (@whindersson) September 15, 2025O contrato foi assinado em 19 de agosto do ano passado, sem licitação. O valor original era de R$ 4,99 milhões, mas foi aditado e atualmente está em R$ 11 milhões. A contratação é válida até agosto do ano que vem.Até agora, cerca de R$ 8 milhões foram empenhados (reservados para pagamento) no contrato da Secretaria de Educação com a TRON, e pouco mais de R$ 4,2 milhões já foram pagos.A área técnica do TCE-PI opina pela responsabilização do secretário de Educação do Piauí, Washington Bandeira; da superintendente da Secretaria; e de dois fiscais de contrato. Sugere também a responsabilização da empresa TRON, representada por Duana Souza Cunha.A relatora do caso no TCE-PI é a conselheira Flora Izabel Rodrigues.Ao todo, a auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Piauí relaciona oito irregularidades graves no contrato da Secretaria de Educação com a empresa TRON. Os problemas são tanto na preparação da contratação quanto na execução do contrato.A reportagem procurou Whindersson Nunes, a empresa TRON e a Secretaria de Educação para comentários. O influenciador e a empresa não responderam. Já a secretaria de Educação do Piauí disse que ainda não foi notificada do relatório, mas que prestará todos os esclarecimentos no curso da apuração (leia mais abaixo).As informações sobre o processo foram obtidas pelo jornalista piauiense José Ribas Netto e compartilhadas com a coluna.Após a publicação da primeira reportagem da coluna sobre o tema, os advogados de Whindersson disseram que a relação dele é com a matriz da TRON, e não com a franquia do Piauí, que foi quem celebrou o contrato com o governo do Estado. No entanto, ambas têm um mesmo dono, o físico Gildário Lima.Segundo os advogados, Whindersson atuaria como embaixador da empresa, num modelo conhecido como “media for equity”, em que o influenciador troca a divulgação por uma participação na empresa. A matriz licencia o método educacional proprietário da empresa para outras firmas.Possível dano ao erário de R$ 949,9 milA auditoria aponta a realização de pagamentos antecipados de R$ 949,9 mil, “equivalentes à totalidade dos serviços de consultoria”, antes que esses serviços fossem executados. A auditoria nota que o pagamento antecipado não está previsto no contrato.Para o TCE, esses pagamentos antecipados representam “risco de dano ao erário, diante da ausência de garantias ou comprovação de execução prévia dos serviços”.Indícios de direcionamento da contrataçãoPara o TCE, o estudo técnico preliminar feito pela Secretaria de Educação para justificar a dispensa de licitação “apresenta fragilidades significativas de planejamento, revelando indícios de direcionamento da contratação em favor da empresa TRON”.A descrição técnica do serviço a ser contratado foi fornecida pela própria empresa TRON, em vez de constar dos estudos da Secretaria.Para o TCE, isso “inverteu a lógica procedimental da contratação pública, uma vez que a proposta da contratada passou a definir o conteúdo do objeto”.Secretaria de Educação: programa de robótica está em plena execuçãoEm nota à coluna, a secretaria de educação do Piauí disse que ainda não foi notificada oficialmente da apuração em curso no TCE do Piauí, mas que encaminhará todos os esclarecimentos e a documentação necessária assim que for demandada.Disse também que todas as contratações da Seduc “são realizadas em estrita observância à legislação aplicável, aos princípios da administração pública e ao atendimento do interesse público”, e que o programa de ensino de robótica nas escolas está em pleno andamento.Leia abaixo a íntegra da manifestação da Secretaria:“A Secretaria de Estado da Educação do Piauí (SEDUC/PI) informa que ainda não foi notificada oficialmente acerca do conteúdo do relatório mencionado. Assim que houver comunicação formal, todos os esclarecimentos, documentos e informações técnicas serão encaminhados diretamente ao Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE/PI), ocasião na qual cada ponto será analisado de forma minuciosa e fundamentada, como exige o devido processo de controle externo.De forma preliminar, a SEDUC/PI esclarece que todas as contratações do órgão são realizadas em estrita observância à legislação aplicável, aos princípios da administração pública e ao atendimento do interesse público, desde a fase de planejamento até a execução contratual.Nesse sentido, registra-se que:1) Com o avanço da política de universalização das Escolas de Tempo Integral e a inclusão de componentes curriculares como Robótica, Inteligência Artificial, Educação Financeira, Empreendedorismo e cursos técnicos como Desenvolvimento de Sistemas, o Governo do Estado tem ampliado investimentos em formação continuada de professores e materiais pedagógicos, visando preparar estudantes para as transformações tecnológicas e socioeconômicas em curso.2) O Piauí é o único Estado do Brasil a ter 100% de suas escolas em Tempo Integral e foi premiado pela UNESCO como o primeiro território das Américas a ter uma disciplina obrigatória de Inteligência Artificial para todos os alunos de 9º ano do EF à 3ª série do EM. Além disso, possui o maior percentual de matrículas de Educação Profissional e Tecnológica do Brasil, sendo o único estado a ter 100% de suas escolas ofertando EPT (sendo a maior parte da oferta nas áreas de Tecnologia, envolvendo Programação, IA, Robótica, dentre outros).3) O Programa de Robótica Educacional encontra-se em plena execução, com formações docentes, distribuição de materiais pedagógicos, acompanhamento técnico e desenvolvimento de protótipos pelos alunos, alinhado às diretrizes pedagógicas da rede, às competências digitais previstas na BNCC e na BNCC de Computação, ambas obrigatórias para a educação integral.4) A robótica educacional envolve o uso articulado de materiais físicos, conteúdos digitais e práticas pedagógicas integradas ao currículo, cuja utilização ocorre conforme o planejamento pedagógico de cada escola e as etapas definidas pela coordenação do programa.5) Os resultados do programa já são perceptíveis, com uma série de projetos desenvolvidos pelos alunos que tiveram participação em eventos nacionais e internacionais como a Campus Party, a Semana Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, o Seduckathon (o maior Hackathon de escolas públicas do mundo), dentre outros. Foram desenvolvidos projetos como o robô que interpreta expressões humanas, óculos com sensores para pessoas com deficiência visual e o projeto de telescópio desenvolvido em impressora 3D que foi entregue ao prêmio Nobel de Física George Smoot.6) O planejamento da contratação foi realizado com base nas necessidades pedagógicas da rede e integra o planejamento estratégico da política de inovação educativa do Estado.7) Todos os pagamentos realizados seguem rigorosamente as rotinas internas e as normas que regem a despesa pública, observando as etapas legais de empenho, liquidação e efetiva comprovação da execução dos serviços ou fornecimentos contratados.Por fim, a Secretaria reafirma seu compromisso com a legalidade, a transparência e a boa gestão pública e permanece à disposição para prestar esclarecimentos, reiterando que todos os detalhes serão apresentados de maneira ampla, aprofundada e técnica na manifestação a ser apresentada perante o TCE/PI, no momento processual adequado”.