O charme tóxico da liderança ‘Red Pill’ nas empresas

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Em novembro de 2023, sob as luzes de um palco em Los Angeles, Elon Musk deixou cair uma frase que atravessou o mundo empresarial como um murro na mesa: chamou às políticas de diversidade e inclusão «fundamentalmente antissemitas» e acusou-as de mascararem «discriminação com base em raça, sexo e orientação sexual», um desvio, dizia ele, ao princípio do mérito. Meses depois, Bill Ackman ergueu o mesmo estandarte noutro palco mediático, defendendo que a indústria da diversidade se tornara «anti-meritocracia» e abertamente «discriminatória», pedindo até o seu desmantelamento. Nada disto ficou no ruído das polémicas do dia.Essas declarações, longe de serem incidentes isolados, tornaram-se a porta de entrada para aquilo que um novo estudo académico identifica como a corrente ‘Red Pill’ na liderança empresarial. Um desvio discursivo que nasce em certas subculturas digitais e atravessa, cada vez mais, as salas de reuniões. O trabalho foi publicado este mês no Journal of Business Ethics com o título ‘Red Pill Leadership Behaviours and Discourse Ethics’, assinado por Cihat Erbil, Mustafa F. Özbilgin e Aybike Mergen.Uma maré discursiva que se normalizaO estudo analisou 66 discursos públicos de executivos, 227 publicações em redes sociais, 23 casos corporativos, 20 reportagens mediáticas e 13 episódios de podcasts, recolhidos entre 2018 e 2024. O objetivo era detectar as formas subtis  e menos subtis  através das quais conceitos associados à ‘manosfera’ e à ideologia ‘Red Pill’ começam a infiltrar-se no vocabulário da liderança de topo.A equipa recorreu a netnografia crítica para mapear conteúdos e depois a análise temática para identificar padrões. O que encontraram não foi apenas um conjunto de opiniões controversas, mas uma gramática recorrente, repetida por líderes de diferentes sectores:O estudo descreve um padrão que se repete com uma frieza quase coreografada: ataques diretos ou indiretos às políticas de diversidade, a defesa de uma ‘meritocracia pura’ apresentada como vítima de agendas identitárias, o recurso a pseudo-argumentos científicos que tentam dar verniz académico a desigualdades de género. Junta-se a isto a romantização de lideranças ‘duronas’, ‘descomplicadas’, ‘sem filtros’, figuras que desprezam nuances e erguem a autoridade como se ainda estivéssemos num tempo de fronteiras claras. E depois há os apelos constantes à ‘verdade incómoda’ e ao ‘bom senso’, como se a inclusão fosse um capricho passageiro e não uma resposta a décadas de desigualdade sedimentada.Os autores notam que esta retórica, quando entra no espaço empresarial, ganha um brilho de legitimidade perigoso. Disfarça-se de pragmatismo, veste a pele de uma suposta «rebeldia racional», mas funciona, na prática, como um mecanismo de exclusão. Retira espaço à deliberação autêntica, molda culturas internas sem que ninguém dê por isso e instala a ideia de que a igualdade é uma barreira, não um horizonte. É aí que o discurso deixa de ser apenas discurso, tornando-se estrutura, decisão e poder.Da internet para os conselhos de administraçãoO estudo descreve um padrão que se repete com uma frieza quase coreografada: ataques diretos ou indiretos às políticas de diversidade, a defesa de uma ‘meritocracia pura’ apresentada como vítima de agendas identitárias, o recurso a pseudo-argumentos científicos que tentam dar verniz académico a desigualdades de género. Junta-se a isto a romantização de lideranças ‘duronas’, ‘descomplicadas’, ‘sem filtros’, figuras que desprezam nuances e erguem a autoridade como se ainda estivéssemos num tempo de fronteiras claras. E depois há os apelos constantes à ‘verdade incómoda’ e ao ‘bom senso’, como se a inclusão fosse um capricho passageiro e não uma resposta a décadas de desigualdade sedimentada.Os autores notam que estes comportamentos não são apenas retórica: «estes comportamentos normalizam o ressentimento masculino supremacista, deslegitimam iniciativas de diversidade e marginalizam vozes dissidentes». Esta frase resume o efeito real na organização: quando estas ideias entram nas empresas, moldam normas culturais, influenciam recrutamentos e decisões estratégicas, e tornam-se parte da estrutura de poder, muito para lá do debate ideológico.O que está em causa para as organizaçõesO estudo alerta que a força da retórica ‘Red Pill’ não vem apenas do conteúdo, mas do facto de ser emocionalmente apelativa. Promete clareza num mundo complexo, segurança em tempos de mudança e, para alguns líderes, um retorno a um estatuto de autoridade que parece ameaçado.Mas há efeitos palpáveis:impacto negativo em equipas jovens e diversas, que deixam de se sentir representadas;bloqueio de políticas de inclusão, por pressão interna;deterioração da reputação externa;dificuldade em atrair talento qualificado, sobretudo feminino e internacional.Os investigadores sugerem uma resposta clara: reforçar ética discursiva, formação em diversidade e mecanismos de responsabilização; e deixar de tratar o discurso de líderes como opinião individual quando, na verdade, condiciona culturas inteiras.Uma linha a não cruzarO artigo não procura demonizar líderes específicos, mas trazer luz para um fenómeno que cresce depressa: a migração de ideologias populistas digitalmente alimentadas para o centro da gestão empresarial.O caso Musk-Ackman é apenas a superfície. A normalização está a acontecer em muitos níveis intermédios, menos visíveis, mas igualmente influentes. E é precisamente isso que as empresas, num momento histórico de vulnerabilidade e transformação, têm de decidir: que tipo de liderança querem amplificar e que mundo querem ajudar a moldar.O conteúdo O charme tóxico da liderança ‘Red Pill’ nas empresas aparece primeiro em Revista Líder.