Quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegar ao Castelo de Windsor em uma carruagem real na quarta-feira (17), anunciado por três bandas militares distintas e escoltado por cavaleiros, o seu anfitrião – o rei Charles III – estará, de certa forma, retribuindo um favor de quase 37 anos.Em 1988, o então príncipe de Gales foi convidado para tomar chá em Mar-a-Lago, a mansão de Trump em Palm Beach, na Flórida. A visita garantiu a Trump o reconhecimento real, mesmo que Charles tenha optado por passar a noite em um rancho em vez de dormir no clube do republicano.A visita de Trump ao Reino Unido nesta semana oferece uma oportunidade semelhante: um selo de validação, aplicado com guardas de honra e um banquete de Estado, de algumas das poucas pessoas por quem o presidente tem um respeito genuíno e, até agora, inabalável: a família real. Leia Mais Análise: 5 conclusões dos novos documentos divulgados de Jeffrey Epstein Vídeo: Príncipe Harry se emociona ao visitar memorial da guerra da Ucrânia Príncipe Harry visita instituição de caridade criada em homenagem à Lady Di “Odeio dizer isso, mas ninguém é tão bom como vocês quando se trata de pompa e circunstância ”, disse Trump em julho, durante uma visita à Escócia. “Windsor deve ser incrível”, disse o presidente no domingo (14).Ciente do gosto do presidente pela realeza, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, levou um convite de Charles quando visitou a Casa Branca nas primeiras semanas do mandato de Trump, na esperança de usar os laços reais para facilitar a relação em momento diplomático delicado.Starmer foi o segundo primeiro-ministro do Reino Unido a fazer isso. Theresa May fez praticamente a mesma coisa nos primeiros dias do primeiro mandato de Trump, embora a visita de Estado só se tenha concretizado dois anos depois. O gesto, no entanto, não ajudou May a cair nas graças do presidente.A viagem desta semana – com um primeiro-ministro diferente, organizada por um monarca diferente e em castelo diferente, já que o Palácio de Buckingham está passando por um renovação – é uma raridade. Normalmente, os presidentes dos EUA não têm a pompa de outra visita de Estado no segundo mandato.“Isso nunca aconteceu antes; é sem precedentes”, disse Starmer no Salão Oval em fevereiro, quando retirou o envelope contendo o convite de Charles.“Devo ler agora?” Trump perguntou, antes de ler silenciosamente a mensagem. Depois, declarou: “A resposta é sim”.Como será a visita de Estado?Trump, que será acompanhado pela primeira-dama Melania, chega ao Reino Unido na noite desta terça-feira (16). Mas a agenda realmente começa na quarta-feira, de acordo com uma programação divulgada pelo Palácio de Buckingham.Quando Trump e a primeira-dama chegarem ao Castelo de Windsor, nos arredores de Londres, serão recebidos pelo príncipe e pela princesa de Gales – William e Kate– que representam o futuro da família real.No último encontro de Trump com William em Paris, em dezembro, na reabertura da Catedral de Notre Dame, o americano ficou impressionado. “Ele é um cara bonito”, refletiu Trump. “Algumas pessoas ficam melhor pessoalmente! Ele estava ótimo.”Depois da reunião com o casal de Gales, Trump e Melania se reunirão com Charles e a rainha Camilla enquanto uma saudação real é disparada do Castelo de Windsor. Eles embarcarão em suas carruagens e seguirão pela propriedade de Windsor em direção ao castelo, com cavaleiros e bandas militares ao longo do caminho.Após observarem as tropas e participarem de um almoço com a família real, Trump e a primeira-dama passarão algum tempo na Sala de Estar Verde vendo itens da coleção real. Eles depositarão uma coroa de flores no túmulo da rainha Elizabeth II, na Capela de São Jorge. E, à noite, o evento central: um banquete oficial no Castelo de Windsor.A fanfarra também será estendida a Melania Trump, que se juntará a Camilla para um passeio pela Casa de Bonecas da rainha Mary e pela Biblioteca Real no Castelo de Windsor, seguido por um evento no castelo com Kate na quinta-feira (18). A rara participação da princesa sublinha o esforço diplomático mais amplo do Reino Unido para cultivar laços próximos com o governo Trump.É apenas pompa e circunstância?Na maior parte, sim. E qualquer conversa aberta sobre política será proibida pela realeza, que evita cuidadosamente o assunto.Ainda assim, haverá um dia de negócios na quinta-feira, quando Trump viajará para Checkers – a casa de campo do primeiro-ministro em Buckinghamshire – para reuniões com Starmer.Keir Starmer e Donald Trump • 27/02/2025 – Carl Court/Pool via REUTERSUma série de CEOs de tecnologia também participarão, abrindo espaço para anúncios de novas parcerias e para novos investimentos de bilhões de dólares, disse uma autoridade dos EUA.Trump e Starmer são opostos políticos que, no entanto, conseguiram desenvolver uma relação aparentemente amigável. Seus encontros passaram ilesos das rusgas que afetam até mesmo algumas das melhores reuniões de Trump.“Tornamo-nos amigos em um curto período de tempo”, disse Trump durante uma reunião na cúpula do G7 no Canadá, acrescentando: “Ele é um pouco mais liberal do que eu”.Um dos principais objetivos de Starmer com Trump era chegar a um novo acordo comercial, algo que conseguiu rapidamente, mesmo enquanto outros países lutavam durante semanas para negociar as tarifas.Mas, assim como muitos dos acordos comerciais anunciados por Trump, os detalhes mais sutis não estão finalizados ou ainda são controversos.A estreita relação de Starmer com Trump também não conseguiu, até agora, aproximar o presidente da Europa na guerra da Ucrânia, apesar de horas de ligações e reuniões. Trump não aplicou novas sanções à Rússia em meio à pressão de Starmer e de outros líderes europeus.Esses tópicos certamente surgirão na quinta-feira, tanto nas discussões privadas entre Trump e Starmer como em uma coletiva de imprensa conjunta após o encontro.Por que isso é importante para Trump?Rainha Elizabeth II, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o então príncipe Charles chegam à Galeria Leste para um Banquete de Estado no Palácio de Buckingham, em 3 de junho de 2019, em Londres, Inglaterra • Victoria Jones – WPA Pool/Getty ImagesUma das primeiras memórias de Trump é ver sua mãe, a escocesa Mary Anne MacLeod Trump, sentada em êxtase em frente à televisão, assistindo à coroação da rainha Elizabeth II.“Pelo amor de Deus, Mary, basta, desligue isso”, reclamou seu pai, Fred, de acordo com o livro “Art of the Deal” de Trump. “Eles são todos um bando de vigaristas.”Trump puxou à mãe no amor pelo espetáculo real e passou grande parte da vida adulta admirando os Windsors ou tentando se aproximar deles como amigo.Sua primeira visita de Estado ao Reino Unido, em 2019, foi um destaque do primeiro mandato.“Conhecer a rainha Elizabeth II foi particularmente importante para o presidente Trump”, escreveu Fiona Hill, conselheira no primeiro mandato. “Um encontro com a rainha da Inglaterra foi o sinal definitivo de que ele, Trump, tinha conseguido sucesso na vida.” Leia Mais Príncipe Harry faz visita surpresa à Ucrânia em meio a guerra com a Rússia Harry e rei Charles III se encontram pela primeira vez em mais de um ano Príncipe William e Eugene Levy aparecem "bêbados" em trailer de série; veja Na mesma época em que recebeu Charles em Mar-a-Lago, Trump – de acordo com várias biografias – circulou rumores de que o príncipe e sua esposa na época, a princesa Diana, estavam querendo comprar um apartamento na Trump Tower. Eles não estavam.E quando Charles e Diana se divorciaram em 1996, Trump enviou buquês de flores à princesa no Palácio de Kensington, segundo sua amiga, a ex-âncora de TV britânica Selina Scott.“Trump claramente via Diana como a melhor esposa-troféu”, escreveu Scott em uma coluna de 2015 no The Sunday Times.Décadas mais tarde, Trump e Charles lideram seus países e têm uma “relação especial”. “Sou um grande fã do rei Charles. Conheço-o há bastante tempo”, disse Trump em julho. “Ótimo cara, ótima pessoa.”O caso Epstein pode causar desconforto?Grande parte da visita de Estado foi orquestrada e planejada por um homem que não está mais convidado, o ex-embaixador do Reino Unido em Washington, Peter Mandelson. O motivo? A ligação dele com o magnata Jeffrey Epstein, condenado por crimes sexuais.Mandelson foi demitido do cargo de embaixador na semana passada, depois que parlamentares dos EUA divulgaram cartas de aniversário escritas para Epstein. Nos documentos, Mandelson descreve Epstein como “melhor amigo”.Embora o ex-embaixador alegue que escreveu a mensagem de aniversário antes da condenação de Epstein em 2008 por solicitar sexo a menores de idade, o argumento caiu por terra rapidamente.A Bloomberg publicou uma série de e-mails que mostravam que Mandelson continuou apoiando Epstein após a condenação e chegou a oferecer seus contatos políticos para ajudar a limpar o nome do amigo.O diplomata foi demitido um dia após a publicação de seus e-mails. O ministério das Relações Exteriores do Reino Unido disse que as novas informações mostram que a “profundidade e extensão” da relação de Mandelson com Epstein eram diferentes do que se sabia quando ele foi nomeado embaixador.A demissão de Mandelson chamará atenção para os próprios laços de Trump com Epstein, que o presidente tem feito questão de negar.Outra carta de aniversário de Epstein foi assinada em nome de Trump, mas o presidente negou tê-la escrito.Carta de aniversário de Jeffrey Epstein que teria sido assinada por Donald Trump • Reprodução CNN BrasilA visita de Trump também vem dias depois de Elon Musk, antigo aliado do presidente, ter discursado num comício anti-imigração em Londres, pedindo a dissolução do parlamento e a mudança de governo no Reino Unido. “A violência está chegando”, disse Musk. “Ou você revida ou morre.”Quando Trump chegar ao Reino Unido, será recebido por um primeiro-ministro enfraquecido pelo escândalo de Mandelson e sob pressão crescente da direita britânica. Resta saber se a visita de Trump proporcionará algum alívio a Starmer ou aumentará os seus problemas.