Entenda como os “rios voadores” da Amazônia levam chuvas ao resto do Brasil

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Em um contexto de desmatamento e invasão humana, no qual a floresta amazônica vem, há décadas, se tornando cada vez mais seca, um novo estudo liderado por pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica, campus Okanagan, no Canadá, explica o funcionamento dos chamados “rios voadores”.Verdadeiras correntes invisíveis de vapor que viajam pela atmosfera, esses análogos gasosos dos rios reais transportam enormes quantidades de umidade através do continente. O foco da pesquisa é a transpiração, que “impulsiona grande parte das chuvas locais durante a estação seca nas florestas amazônicas”. Leia mais Química estranha do cometa 3I/ATLAS intriga cientistas do James Webb IA pode melhorar cultivos e proteger agricultores de crise climática Entenda como a grama alimenta o risco crescente de incêndios florestais Embora o processo seja conhecido, algumas questões ainda permaneciam sem resposta: de onde vem exatamente essa água que as árvores transpiram? Ela veio de chuvas recentes ou antigas? E, finalmente, como essas fontes de água variam geograficamente, no caso de colinas e vales, por exemplo?Segundo a pesquisa, publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), nas colinas, cerca de 69% da transpiração vem do solo raso (50cm) alimentado por chuvas recentes da estação seca. Já nos vales, apenas 46% provêm dessa fonte, pois as árvores acessam água subterrânea próxima a córregos.A descoberta de que a maior parte da transpiração vem de água recente do solo raso surpreendeu os autores, pois antes se acreditava que, durante a estação seca, as árvores dependiam principalmente de reservas profundas de água subterrânea ou da umidade armazenada na estação chuvosa.Metodologia, resultados e uma descoberta inéditaFontes de água provenientes da transpiração durante a estação seca na Amazônia oriental  • Magali Nehemy, PNAS, 2025/DivulgaçãoA metodologia consistiu em trabalho de campo realizado na Floresta Nacional do Tapajós em 2021, no auge da estação seca. Os pesquisadores compararam dois ambientes distintos: colinas com lençol freático a 40 metros de profundidade e vales próximos a riachos com água subterrânea acessível.Além de descobrir uma dependência predominante de fontes superficiais mesmo no período mais seco, a equipe apurou que a água do solo raso era recente — proveniente de chuvas ocorridas durante a própria estação seca. Ou seja, a reciclagem hidrológica é rápida: chuva infiltra, raízes absorvem, árvores transpiram e novas chuvas são geradas.A imensa diversidade amazônica faz com que as espécies usem estratégias distintas para acessar a água no solo. Conforme o estudo, o fator determinante é a “resistência ao embolismo”, que mede a capacidade das árvores manterem fluxo hídrico nos tecidos durante secas.O embolismo pode ser definido como a diferença entre árvores que tem seus vasos condutores (xilemas) entupidos por bolhas de ar e aquelas que mantêm esses “encanamentos” funcionando mesmo em condições adversas. Assim, quanto maior a aridez, maior é a força necessária para extrair a água da transpiração.O estudo revelou que quanto mais forte a resistência ao embolismo, maior é o uso de água superficial recente. Essa é a primeira pesquisa científica a correlacionar a reciclagem acelerada de chuvas da estação seca via transpiração com a capacidade das árvores de resistir ao embolismo.A ameaça de redução do ciclo hidrológico na Amazônia”Sem a floresta, não há chuva, e sem chuva, não há floresta”, dizem os autores do estudo  • Bruno Kelly/Amazônia Real/Wikimedia CommonsAlém de ameaças físicas — como expansão agrícola, ocupação irregular de terras, exploração madeireira e mineração —, mudanças políticas recentes no Brasil, como a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (15.190/2025, aprovada com vetos do presidente da República), também são riscos a ecossistemas cruciais do país.A interrupção dos ciclos hídricos não só reduz as chuvas, mas também ameaça a biodiversidade, habitats naturais e segurança alimentar. Não só as comunidades locais e indígenas sofrem os impactos da seca, mas a ameaça se estende ao resto do Brasil, pois os rios voadores levam a umidade amazônica a regiões centrais e do sul.Nesse cenário desolado, o desmatamento rompe delicados equilíbrios ecológicos, reduzindo a transpiração arbórea. Menos árvores significam menor liberação de umidade atmosférica, diminuindo a formação de precipitações locais durante a estação seca. O processo enfraquece o sistema natural de reciclagem hídrica.Mesmo em um contexto de secas extremas, queimadas recorrentes e avanço do desmatamento, o estudo mostra que árvores com alta resistência ao embolismo cumprem um papel fundamental. Contudo, essa resistência tem um limite fisiológico que, se ultrapassado, pode desencadear um ponto de inflexão ecológica desastroso.Para os autores do estudo, ”sem a floresta, não há chuva, e sem chuva, não há floresta”. Com a proximidade da reunião da COP 30 (marcada para Belém, em novembro de 2025), a preservação das florestas tropicais deve liderar as agendas políticas globais. A Amazônia funciona como uma “fábrica de chuvas”, sustentando a vida nas florestas, e além delas.Complexo sistema de chuvas da Amazônia é desvendado