O Brasil tem uma clara questão fiscal, a ponto de a afirmação já estar ficando repetitiva. É o que ponderou o general manager da Moody’s no Brasil, Carlos Prates, em entrevista ao Capital Insights de quinta-feira (18).“O Brasil precisa controlar melhor o que ele arrecada e o que gasta. É o dever de casa necessário: reformas na qual você consiga ter mais liberdade para alocar suas receitas e menos obrigatoriedade com as suas despesas”, afirmou.“Eu não posso ter uma despesa que não consigo cortar, senão estarei sempre com a corda no pescoço”.Para isso, Prates defende que o Congresso comece a abordar pautas “menos populares”, que são aquelas que envolvem redução de gastos.“Por mais que esses recursos não cheguem inteiros na ponta, o beneficiado, no fim das contas, é a população. Sempre é a população.”Fruto da parceria entre o CNN Money e a Broadcast, o Capital Insights entrevista semanalmente referências do mercado financeiro para discutir o cenário econômico do Brasil e do mundo. O programa vai ao ar toda quinta, às 19h, no CNN Money.A entrevista na íntegra, você confere a seguir. Leia Mais Na mesma semana, Brasil encontra Índia e Canadá para discutir comércio Casa Branca: Algoritmo do TikTok será retreinado sem controle chinês Dólar desce, avião decola? Entenda se câmbio está favorável para viajar Dados do Banco Central mostram que a inadimplência para pessoas jurídicas está no maior nível em oito anos. É um problema de solvência das empresas?É justamente isso que se pretende fazer quando se joga as taxas de juros a esse patamar. Não tem como os números não estarem nos índices mais altos com a Selic tão alta.Mas existem vários estratos dentro disso. Com as empresas que a Moody’s acompanha de perto, que são aquelas que vem ao mercado de capitais, não há necessidade de ficar preocupado.Uma série de fatores fizeram com que elas fizessem seus deveres de casa, ajustassem seus balanços, alinhassem suas dívidas e tentassem diversificar suas fontes de financiamento.Como a gente deve estar entrando em um ciclo de queda de taxa de juros, dado que todo objetivo da política monetária aparentemente foi atingido, o pior parece ter ficado para trás.Existe um patamar de limite para esses juros elevados? Até que ponto permanecer por mais tempo em uma Selic tão elevada pode se tornar um remédio amargo demais? Tanto no Brasil quanto em qualquer outro lugar que implementa política monetária como aqui, o objetivo da taxa de juros alta é esfriar a economia. E isso é para ser temporário. O ponto ótimo é justamente fazer isso com perfeição.Ao que tudo indica, chegamos nesse limite.Temos um regime de meta de inflação, cujas expectativas parecem estar ancoradas; e, por várias métricas, a economia enfraqueceu (a Moody’s, inclusive, reviu a expectativa de crescimento do país para baixo esse ano).Isso mostra que, olhando para frente, isso não será mantido por muito tempo.Nesse sentido, as empresas vieram muito bem até aqui. Evidentemente tivemos alguns defaults (quando elas não conseguem honrar com as suas dívidas). Mas um evento específico de uma varejista aqui no Brasil [Americanas] fez muito bem para o resto da economia porque as empresas se preocuparam em estar melhores, mais saudáveis e mais preparadas para enfrentar o que poderia ser um mercado de capitais fechado ou uma taxa de juros alta por mais tempo.A gente também tem uma vantagem no Brasil em comparação a outras economias do mundo: a dívida das empresas é indexada à taxa CDI. A queda de juros é imediata, fazendo com que o serviço da dívida da empresa comece a cair quase naturalmente.Dito isso, a Moody’s publicou um estudo detalhado analisando o perfil de crédito das empresas brasileiras. Podemos dividi-las em dois grandes grupos: companhias de commodities e àquelas voltadas à economia local.Como a gente deve estar entrando em um ciclo de queda de taxa de juros, dado que todo objetivo da política monetária aparentemente foi atingido, o pior parece ter ficado para trás.Estamos mais preocupados com o primeiro grupo, dado que o grande ciclo de aumento nos juros gerou um excesso de oferta e deixou os preços de commodities pressionados.Do lado da economia doméstica, o que mais preocupa é o setor de serviços, por estarmos observando um mercado de trabalho mais aquecido. Mas isso também não deve continuar.Nada nos preocupa muito. Devemos passar 2026 sem grandes sustos, supondo que o movimento de juros seja aquele que estamos esperando, dado as métricas que temos até aqui.E as estatais, Carlos? Além de juros altos, tivemos alguns episódios de interferência na gestão dessas empresas. Como está o risco?Na Moody ‘s, olhamos para a lógica dos riscos de crédito. O mais importante é avaliar qual é a capacidade das empresas de honrar dívidas.É muito difícil desassociar o risco das empresas estatais do risco Brasil que, em última instância, é quem vai bancar as contas caso a companhia não consiga arcar com esses custos.Para medir isso nas estatais, vemos se o Brasil está bem, mal, se tem capacidade de pagar suas próprias contas, se sobrará recursos para auxiliar as empresas caso elas tenham dificuldades. Fugimos da análise de interferências do governo, porque não cabe nesse modelo. O que nos interessa é entender a questão da dívida.E quanto à questão da disponibilidade de crédito corporativo? Temos um crescimento de crédito muito páreo ao que temos de inflação ao ano. Quanto isso compromete a capacidade de investimento das companhias?O que mais compromete a capacidade de investimento das companhias é o serviço da dívida. É ela ter se preparado para pagar, por exemplo, 100% de juros, e ter que pagar 150%, porque a Selic bateu 15%.O estoque da dívida, por sua vez, é construído justamente para que você consiga investir naquilo que acredita que conseguirá ter de retorno. Você contrai uma estrutura de capital condizente com esse tipo de investimento.Por isso, acredito que a capacidade das empresas de investirem, hoje, está muito mais atrelada às oportunidades que a economia vai trazer do que ao estoque da dívida que elas têm.Mas há onde investir? A capacidade de investimento das empresas tem muito a ver com a situação econômica do país e as especificidades do setor em que ela se encontra.Acredito que as empresas deveriam ter mais capacidade de investimento, sim. Mas vamos ver se a economia conseguirá entregar projetos interessantes para cada uma delas, dentro de cada dinâmica.Quais são os pontos que o Brasil precisa endereçar para melhorar essa capacidade? Quando essa pergunta é endereçada a mim, que sou administrador, respondo de um jeito. Um economista responderia de outro. Existem várias respostas diferentes para esse tipo de pergunta.A resposta da Moody’s está sempre voltada para o sentido de: o que o Brasil precisa fazer para melhorar seu perfil de crédito? É muito claro que é uma questão fiscal.O Brasil precisa controlar melhor o que ele arrecada e o que gasta. Está até ficando repetitivo.Esse é o dever de casa necessário: reformas na qual você consiga ter mais liberdade para alocar suas receitas e menos obrigatoriedade com as suas despesas.Em um relatório feito por Samar [Maziad, vice-presidente e analista sênior da Moody’s], quatro elementos são avaliados: fortaleza da economia; o quão isenta a economia é de fatores externos; força das instituições e a questão fiscal.Em termos de fortaleza da economia, o Brasil está nos A’s. Nos outros dois pontos, está em B’s triplos, o que já concederia ao país ao grau de investment grade [indicam um risco de inadimplência relativamente baixo e uma boa capacidade de pagamento do emissor]. O que puxa para baixo a avaliação é justamente o fiscal.É interessante que, para agências de rating, o que importa para a análise é estrutural. Não importa o governo vigente: estes vêm e vão, mudam, têm políticas diferentes. O que importa é o que fica.É tão simples assim? Só gastar menos para poder conseguir ter um fiscal melhor?Não, são precisas reformas para gastar menos.E o que ainda impede essas reformas e uma mudança estrutural?Olhando para os números, o que precisa ser feito é que o Congresso adote pautas que, por definição, não são populares. Afinal, toda vez que você está diminuindo um gasto público, está assumindo esse compromisso.O Brasil precisa controlar melhor o que ele arrecada e o que gasta. Está até ficando repetitivo.Mas por mais que esses recursos não cheguem inteiros na ponta, o beneficiado, no fim das contas, é a população. Sempre é a população.A sugestão da Samar, no relatório, são reformas estruturais. Onde você vai cortar? Quais despesas você vai cortar? O Executivo tem que decidir. A nossa visão é apenas que você precisa ser capaz de fazer isso. Eu não posso ter uma despesa que não consigo cortar, senão estarei sempre com a corda no pescoço.Taxas de juros altas durante muito tempo sacrificam o mercado de capitais. Como está a área olhando para frente?Somos uma agência de rating, logo, uma agência do mercado de capitais. O nosso sonho é que todo mundo viesse para esse mercado, que todas as dívidas fossem contraídas nele e que ele fosse aberto para qualquer tipo de empresa. É como se o mercado de capitais fosse um grande ponto de encontro, em que sempre conseguiremos identificar um investidor para aquele tipo de risco específico que se está correndo.Quando os juros começam a cair, vemos um interesse crescente no mercado. Mas sempre brincamos na Moody’s: o Brasil ainda precisa “ter curva”. Vide: precisa correr mais risco se quer mais dinheiro.O mercado de capitais brasileiro é fantástico, mas ele ainda tem muito que se desenvolver para conseguir chegar a uma proporção do financiamento das empresas que seja relevante.O mercado de capitais é o que mais se beneficia de investimentos em tecnologia e inteligência artificial? Ou tem algum outro setor que vocês enxergam despontando mais?Quem não estiver adotando inteligência artificial ou novas tecnologias de uma maneira mais ampla vai ficar para trás. As empresas de todos os setores não podem ser, de maneira alguma, resistentes a isso.O sistema financeiro é muito aberto para novas tecnologias e o Brasil está na vanguarda disso, como o Pix, por exemplo.Mas é natural que setores de prestação de serviço sejam mais abertos para a adoção de novas tecnologias. Por definição, ele deveria ser o que mais se beneficia do ganho de produtividade gerado por IA.Isso não significa que as pessoas vão perder os seus empregos, significa que esses empregos vão ficar mais sofisticados, elas vão desenvolver atividades mais elaboradas, ficar melhores e mais produtivas.As empresas brasileiras estão prontas para isso? Algumas sim, outras não. Mas estamos melhores do que a média mundial, porque temos vontade de usar novas tecnologias. As empresas são forçadas por consumidores e funcionários a adotarem essas ferramentas.Apesar disso, temos as restrições que o custo Brasil traz. A principal delas é justamente o investimento. Prontos, estamos. Mas cadê o dinheiro? Impostos, capital caro… os problemas são mais estruturais do que relacionados especificamente nas novas tecnologias.Estamos em ano de COP30, e a energia limpa tem sido vista como uma vantagem competitiva do Brasil. Que oportunidades é que vocês veem? Estamos de olho no setor de data centers. O Brasil deve estar bem posicionado para pegar uma parcela desse investimento. Especialmente porque a principal demanda destas estruturas é, justamente, energia.Temos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Temos um sistema interligado, que é referência mundial. Onde quer que você produza energia, consegue jogar na rede. O Brasil deveria ser um dos principais lugares do mundo para receber data centers.O que precisamos ajustar é que é um setor muito demandante de investimentos em tecnologia, e esses equipamentos são importados. E o imposto é alto para estes produtos, deixando o país menos competitivo. Mas nossa vocação é enorme, o governo está com foco grande nisso.O foco, você diz, seriam políticas públicas direcionadas ao setor?São precisos programas de incentivo. Não é necessário dinheiro público — dada a relevância desse setor, há fontes de financiamento privadas.Mas é preciso tornar o Brasil tão competitivo quanto outros países no fator de impostos e na lei de proteção de dados. Precisamos ficar mais em linha com as legislações em outros países do mundo também em relação a isso.E a questão da previsibilidade jurídica, da burocracia? Por isso o investidor demanda tanto regulamentação. É preciso um arcabouço muito mais pesado do que outros lugares, especialmente porque o grande problema da justiça brasileira é a demora, não a confiabilidade.O Brasil deveria ser um dos principais lugares do mundo para receber data centers.Por isso é preciso mais políticas do que normalmente seria necessário. É preciso clarificar absolutamente tudo para que empresas venham para cá sem nenhum tipo de insegurança jurídica.Voltando à atividade econômica do país, você comentou que a Moody’s acabou de revê-la para baixo. Temos ciclos de crescimento, mas nunca sustentáveis. O Brasil é um país de voo de galinha? Se ele não fizer investimentos e reformas estruturais, sim.O país vai ficar o tempo todo batendo em um teto baixo. Precisamos ser capazes de crescer cinco, seis, sete, oito por cento ao ano sem que isso traga inflação.Precisamos melhorar a produtividade, o acesso ao capital, fazer esse crescimento de modo estrutural.Ainda assim, note: a Moody’s tem uma visão de risco de Brasil que é melhor que das outras agências. Uma das grandes vantagens da economia brasileira é que, apesar de ser fechada, ela é dinâmica, grande e pulverizada.Para sairmos do status de voo de galinha, é preciso tomarmos decisões que independem de qualquer governo.Como ficamos com a questão do tarifaço de Donald Trump? Ele é responsável pela piora da avaliação da Moody’s nas perspectivas brasileiras?Os EUA não pesaram tanto para essa mudança.A gente deve sentir ainda então a pancada chegando?Vamos separar o tarifaço em dois impactos relevantes.O primeiro é o monetário, que conseguimos mensurar. É curioso, porque 75% das exportações do México são para os Estados Unidos, mas no caso do Brasil só 12%. O maior parceiro comercial do país sempre foi a China.Evidente que não é um bom negócio pagar mais imposto para fazer negócio com a maior economia do mundo. Mas uma das “vantagens” de termos uma economia tão fechada é essa — só 2% da nossa economia é dependente de exportações aos EUA. O impacto monetário real é muito mais limitado do que parece.O grande problema é que se tem uma coisa que atrapalha o cenário de investimento, tanto aqui quanto em qualquer lugar do mundo, é a incerteza.As empresas e os mercados de capitais não têm problema com notícia ruim, eles têm problema com incerteza, porque se a notícia é ruim, basta precificar: fazer conta e colocar nas projeções. É fácil.O problema do tarifaço é, justamente, a incerteza que ele traz. Por outro lado você tem todo o aspecto político que talvez esteja por trás dessa decisão, então o problema é a incerteza, é muito mais até do que o impacto real disso nas empresas no Brasil. Esse é o principal problema do tarifaço que precisa ser resolvido.Como você avalia o comportamento do Brasil diante desse tarifaço? Estamos melhores do que o esperado. Os números mostram que o impacto tem sido imperceptível. Setores mais tradicionais de exportação vão se reequilibrar.Uma tese que a Moody’s acredita muito é na desglobalização, em que entramos em um período na qual chegamos ao máximo do que a globalização podia permitir, e agora caminha-se para trás.O impacto monetário real do tarifaço é muito mais limitado do que parece.Nesse modelo, a produção é mais cara, mas em lugar mais próximo, em um lugar com mais segurança, com um parceiro que você conhece melhor. São outros tipos de benefícios, como geração de emprego, pagamento de impostos etc.O problema da desglobalização é que ela é inflacionária, porque teoricamente deixa-se de procurar o produto mais barato. Mas esse é um movimento novo do qual teremos de nos acostumar.*Publicado por Sofia Kercher, em colaboração para a CNNFundos sustentáveis crescem 48% em ano de COP30, diz pesquisa