A exclusão escolar de jovens e adultos no Brasil está fortemente ligada ao racismo estrutural e à necessidade de trabalhar desde cedo para garantir renda. É o que aponta um estudo da Fundação Roberto Marinho e do Itaú Educação e Trabalho, divulgado nesta semana, com base em microdados da Pnad Contínua. Segundo o levantamento, 66 milhões de pessoas com mais de 15 anos não concluíram a educação básica no país, sendo a maioria, negra e de baixa renda.“O país tem hoje um perfil de pessoas negras e de baixa renda que compõem os 66 milhões, com mais de 15 anos e fora da escola, que não concluíram a educação básica. Precisamos lidar com isso”, afirma Diogo Jamra, gerente de Monitoramento, Avaliação, Articulação e Advocacy do Itaú Educação e Trabalho. Ele afirma ainda que o programa EJA (Educação de Jovens e Adultos) “precisa entender que o público que vai atingir tem majoritariamente esse perfil”.Especialista em políticas de educação e trabalho, ele aponta que um dos grandes motivos para que jovens não concluam a educação básica na idade adequada está relacionado à necessidade de renda e começarem a trabalhar. Segundo ele, é preciso articular políticas que garantam a educação básica às pessoas que têm maiores obstáculos para alcançá-la. “Uma iniciativa do governo federal como o programa Pé-de-Meia tende a dialogar com isso.” Leia mais UFMG abre inscrições para mestrado em biologia até 30 de setembro; confira USP define lista de chapas de candidatos a reitor e vice; saiba quem são Redação do Enem: confira os temas desde 2004 para tirar nota mil Jamra destacou ainda a influência de questões históricas estruturantes da sociedade brasileira, marcada por um passado escravocrata, no acesso das pessoas à educação básica. “A população negra é excluída das políticas públicas por uma questão histórica racista, de um racismo estrutural. [Essas pessoas] vão sendo empurradas para fora dessas políticas que não dialogam com elas.”Com base em uma análise feita a partir de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), a pesquisa revelou ainda que concluir o EJA aumenta a formalização no trabalho e melhora a renda da população jovem entre 19 e 29 anos.Evasão de jovens e adultosO levantamento investigou evasão no ensino regular, retomada dos estudos e permanência no EJA. Para isso, foram observados três perfis: jovens de 15 a 20 anos matriculados no ensino regular; jovens de 21 a 29 anos que se encontravam fora da escola sem ter concluído a educação básica; e o terceiro grupo, formado por pessoas com 21 anos ou mais matriculados no EJA.A análise dos perfis revelou que, entre os jovens de 15 a 20 anos, a evasão do ensino regular é mais comum do que a migração para o EJA, sendo que o risco de abandonar a escola aumenta com a idade e o atraso escolar (18 a 20 anos), ser homem, negro, residir em área rural, ter baixa renda e estar trabalhando.Para o público de 21 a 29 anos, que não completou a educação básica e estava fora da escola, a chance de matrícula no EJA é maior para mulheres e desempregados. No entanto, ser responsável pelo domicílio, morar em áreas rurais e estar trabalhando reduzem essa probabilidade.Para os matriculados no EJA, com 21 anos ou mais, a pesquisa mostra que, embora as mulheres tenham menor chance de evadir, mulheres com filhos aumentam essa probabilidade. Outros fatores, como ser mais velho, trabalhar em jornada superior a 20 horas semanais, ser responsável pelo domicílio e residir em áreas rurais, aumentam a chance de evasão.De acordo com Diogo Jamra, os dados reforçam a urgência de fortalecimento de políticas públicas que integrem o EJA às necessidades do público com maior chance de evasão, como aqueles que precisam garantir uma renda. “A necessidade de trabalhar é, ao mesmo tempo, um fator que contribui para a evasão escolar e uma motivação para o retorno às salas de aula desse grupo.”Investimento no EJAO poder público, em todas as suas esferas –federal, estadual e municipal–, precisa dar atenção ao ensino de jovens e adultos, segundo o especialista, a fim de assegurar o direito constitucional à educação. “A gente percebe que essa política nunca teve uma centralidade no desenho das políticas educacionais. A gente precisa agora trazê-la para o centro do debate. E, ao fazer isso, precisará de um maior investimento.”O especialista defende uma inovação pedagógica para encontrar uma modalidade educacional que dialogue com essa população excluída atualmente das políticas de educação. “A gente precisa que a academia desenvolva novas propostas pedagógicas, metodologias que estejam adequadas ao perfil desse público, com metodologias inovadoras, com pedagogia de alternância, porque tem [também] uma população concentrada no meio rural”, disse.Segundo ele, a pesquisa reforça ainda o papel estratégico do EJA como caminho de formação para quem busca retornar ao sistema educacional. “Integrada à Educação Profissional e Tecnológica, [o EJA] pode contribuir ainda mais para que os jovens brasileiros concluam os estudos, tenham a possibilidade de agregar conhecimentos que os prepare para a inserção produtiva digna e, assim, tenham mais perspectivas de melhoria de condições de trabalho e, consequentemente, de vida.”Os resultados da pesquisa indicam que, entre jovens de 19 a 29 anos, concluir o EJA aumenta em sete pontos percentuais (p.p) as chances de conseguir um emprego formal e eleva, em média, 4,5% a renda mensal do trabalho. O impacto é maior para quem tem entre 19 e 24 anos: nesse grupo, a probabilidade de formalização aumenta para 9,6 pontos percentuais, enquanto a renda mensal aumenta em 7,5%.“É essencial a consolidação de políticas públicas e ações intersetoriais que garantam o acesso ao EJA com EPT [Educação Profissional e Tecnológica] em todo o país, só assim conseguiremos oferecer a milhares de jovens trajetórias de vida com mais dignidade, renda e proteção social”, concluiu.IBGE: 9,1 milhões deixaram a escola sem concluir o ensino básico até 2023