Médicos e especialistas rejeitam ligação entre paracetamol e autismo feita por Trump

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Sem apresentar provas, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e outras autoridades de saúde do governo americano anunciaram nesta segunda-feira (22) uma possível ligação entre o princípio ativo do Tylenol, o paracetamol, e o risco de autismo em crianças.O governo Trump também anunciou que instruirá sua agência reguladora, a FDA (Food and Drug Administration), a notificar os médicos sobre os possíveis riscos e a recomendar que mulheres grávidas evitem o medicamento na maioria dos casos.Mas, atualmente, não existem dados ou estudos científicos que forneçam evidências suficientes para comprovar essa relação. O paracetamol é considerado seguro pelo FDA e pela Anvisa. Especialistas ouvidos pelo InfoMoney reforçam que não há evidências científicas que comprovem uma relação causal direta entre o uso do medicamento e o autismo. Isso significa que, mesmo que alguns estudos indiquem uma correlação — ou seja, a ocorrência simultânea dos dois fatores em determinados grupos — não está comprovado que o paracetamol seja o causador do transtorno.Leia mais: Trump deve ligar Tylenol ao autismo sem respaldo científico, diz Washington PostVinicius Barbosa, psiquiatra especialista em autismo do Hospital Sírio-Libanês, explica que, apesar de existirem pesquisas com biomarcadores que sugerem uma associação, ainda não é possível descartar completamente a influência de outros fatores ou isolar o medicamento como causa.“O consenso atual das principais sociedades médicas e regulatórias é que não há evidência suficiente para alterar as recomendações, e o paracetamol continua sendo considerado seguro na gestação quando usado nas doses adequadas”, afirmou.Na visão da neuropsicóloga do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Priscilla Godoy, as evidências atuais não são consistentes para determinar uma relação causal entre o uso de paracetamol na gestação e o autismo. Ela destaca que muitos estudos observacionais encontraram uma pequena associação estatística entre o uso de acetaminofeno (paracetamol) durante a gravidez e um maior risco de desfechos neurodesenvolvimentais na criança, incluindo transtorno do espectro autista (TEA) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).“Estudos com maior controle dos vieses relacionados a fatores familiares, como análises envolvendo irmãos, e revisões mais amplas sugerem que essa associação provavelmente se deve, em grande parte, à confusão residual”, afirma. Ela acrescenta que essa confusão pode ser explicada por fatores genéticos e familiares, bem como por indicações clínicas (como infecções e febre durante a gravidez), e não por uma causalidade direta.A neuropsicóloga também ressalta a inconsistência entre os estudos sobre o tema, especialmente em relação à metodologia. “Muitos estudos, por exemplo, utilizam questionários respondidos pelas mães após o nascimento do bebê ou registros que não capturam adequadamente informações como dose, duração do uso ou motivos do uso (febre, dor, infecção), o que pode gerar grandes riscos de viés”, afirmou. “Febre ou infecção materna, por si só, podem aumentar o risco de alterações no neurodesenvolvimento da criança. Se esses dados não forem bem controlados, podem produzir uma associação falsa.”Flavia Zuccolotto, psiquiatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, concorda e reforça que, apesar das preocupações, “sociedades médicas como a Society for Maternal-Fetal Medicine reafirmam que o paracetamol continua sendo uma das opções seguras na gestação para tratar dor e febre, desde que usado de forma responsável”.Ética científicaAs especialistas explicam que desenvolver medicamentos seguros para uso durante a gravidez é um processo complexo, pois envolve questões éticas importantes. “O maior desafio é que não podemos realizar ensaios clínicos randomizados expondo gestantes, de propósito, a um medicamento suspeito, pois isso seria antiético”, explicou Flavia. Por isso, os estudos observacionais são utilizados para cumprir esse papel, o que pode gerar fatores de confusão, como a condição de saúde que motivou o uso do medicamento.Além disso, Barbosa destaca que a dificuldade é ainda maior porque o autismo é um transtorno multifatorial, “com forte base genética e fatores epigenéticos, que incluem fatores ambientais, resultando em uma grande diversidade de manifestações clínicas”.“É muito difícil separar o que pode ter sido efeito da droga ou da condição que motivou seu uso (por exemplo, febre ou infecção)”, disse Priscilla. Ela reforça que o autismo possui um forte componente hereditário, e por isso, até o momento, é muito impreciso determinar a contribuição de uma medicação para a condição.Anúncio de TrumpO governo americano também está promovendo a leucovorina, um medicamento genérico usado na oncologia, como potencial tratamento para o autismo. No entanto, os estudos sobre essa substância nessa área são limitados e preliminares.A psiquiatra afirma que existem alguns estudos que indicam possível melhora em subgrupos específicos, mas não há benefício universal. “Não é considerado um tratamento padrão, e sim experimental”, afirmou.A neuropsicóloga Priscilla Godoy ressaltou que o autismo é uma “forma diversa de ser no mundo, relacionada à configuração cerebral de cada indivíduo”. Por isso, não é uma doença e não há necessidade de falar em cura.Ela acrescenta que existem medicamentos para tratar quadros coexistentes ao autismo, como ansiedade, insônia e hiperatividade, que são os mesmos usados em pessoas não autistas. “Também há intervenções não farmacológicas com o objetivo de promover autonomia, socialização e bem-estar”, completou.Barbosa destaca que não existe nenhum medicamento aprovado para tratar os sintomas centrais do autismo. “Os fármacos disponíveis atuam apenas em sintomas associados, como irritabilidade, agressividade e agitação, por exemplo, os antipsicóticos risperidona e aripiprazol”, explicou.Posicionamento da fabricante do TylenolA Kenvue, antiga Johnson & Johnson, fabricante do Tylenol, divulgou o seguinte posicionamento:Acreditamos que a ciência independente e sólida mostra claramente que o uso de paracetamol não causa autismo. Discordamos fortemente de qualquer sugestão em contrário e estamos profundamente preocupados com o risco à saúde que isso representa para as gestantes. O paracetamol é a opção mais segura de analgésico para mulheres grávidas, quando necessário, ao longo de toda a gestação. Sem ele, as mulheres enfrentam escolhas perigosas: suportar condições como febre, potencialmente prejudiciais tanto para a mãe quanto para o bebê, ou recorrer a alternativas mais arriscadas. Os fatos são que mais de uma década de pesquisas rigorosas, endossadas por médicos de renome e órgãos reguladores de saúde globais, confirmam que não há evidência científica confiável que relacione o paracetamol ao autismo. Estamos alinhados com os muitos profissionais de saúde pública e médicos que revisaram essas pesquisas e chegaram à mesma conclusão. Continuaremos a explorar todas as opções para proteger os interesses de saúde das mulheres e crianças americanas.The post Médicos e especialistas rejeitam ligação entre paracetamol e autismo feita por Trump appeared first on InfoMoney.