Na opinião do engenheiro de software e blogueiro norte-americano Curtis Yarvin, O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), era um homem “pequeno demais para o papel que a história o concedeu”. Engenheiro de formação, Yarvin é ouvido hoje por magnatas do Vale do Silício como Peter Thiel, fundador da Palantir; e pelo vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, dos quais é amigo.Para Yarvin, a prisão de Bolsonaro após tentar romper a tornozeleira eletrônica com ferro de solda, no fim do mês passado, “tem um elemento de comédia”. “É também uma tragédia, num certo sentido, porque Bolsonaro me parece ser uma pessoa bem-intencionada. Ele era apenas pequeno demais para o papel que a história o concedeu”, diz ele.Segundo ele, populistas como Jair Bolsonaro têm dificuldade de “viver na realidade”. “Eu acho que a coisa mais importante para os populistas é viver na realidade, não na ilusão. E isso é muito difícil de fazer quando você está em contato com a mentalidade popular, e tentando seguir o que as pessoas pensam”, diz ele.Eventos como a depredação de prédios públicos em Brasília em 8 de janeiro de 2023 e a invasão do Capitólio nos EUA em 6 de janeiro de 2021 não passaram de “larp” dos seguidores da direita, diz Yarvin — o termo é uma gíria da Geração Z para se referir a interpretar um papel.“Essas pessoas estavam brincando de Revolução Francesa ou brincando de ‘Tea Party’ ( a ‘festa do chá de Boston’, de 1773). De repente, você está num edifício governamental vazio, se perguntando o que fazer em seguida. E aí você percebe que na verdade não tem como fazer nada”, diz ele.Yarvin tornou-se conhecido escrevendo sob o pseudônimo Mencius Moldbug. Entre outras coisas, foi o primeiro a usar o termo “red pill” como metáfora política, segundo o perfil dele na revista The New Yorker. Depois, o termo foi apropriado por comunidades misóginas na internet e virou lugar comum na gíria online da anglosfera.A coluna entrevistou Yarvin por cerca de quarenta minutos na tarde de 29 de novembro deste ano, em São Paulo (SP). Yarvin veio ao Brasil como convidado do congresso anual do Movimento Brasil Livre (MBL).6 imagensFechar modal.1 de 6O escritor de direita norte-americano Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São PauloMetropoles2 de 6O escritor de direita Curtis Yarvin com o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), no Congresso do MBLMetropoles3 de 6O escritor de direita Curtis YarvinMetropoles4 de 6O escritor de direita norte-americano Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São PauloMetropoles5 de 6O escritor de direita norte-americano Curtis YarvinMetropoles6 de 6O escritor de direita norte-americano Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São PauloMetropoles(Leia ao fim a transcrição integral da conversa, na ordem cronológica em que ocorreu).Abaixo, alguns dos principais trechos da entrevista.O que você pensa do MBL e do Partido Missão, que organizaram sua vinda ao Brasil?Estou bem impressionado. Me parece um movimento bem saudável da Geração Z. Em muitos sentidos, ultrapassa o que temos nos Estados Unidos. Absolutamente. É muito importante essa compreensão que eles têm sobre a necessidade de estarem organizados num partido. Nós, americanos, com frequência esperamos… Tem essa velha frase do (general prussiano Otto von) Bismarck, segundo a qual “Deus protege os idiotas, os bêbados e os Estados Unidos”.Pela maior parte da história dos Estados Unidos, nós apenas esperamos as coisas acontecerem por conta própria. E aí ficamos levemente surpresos quando coisas ruins começaram a acontecer. Se você quer que as coisas aconteçam, você tem que se organizar. Nesta altura da história, você tem que organizar um movimento de base.Outra coisa que eu acho que é muito importante nestes nossos tempos é saber caminhar na linha entre o populismo e o elitismo. Você realmente precisa capturar ambas as forças, para criar algo que seja realmente muito bom.Nós vimos muitos movimentos populistas que basicamente prometiam um novo mundo para os eleitores. Eles diziam, “vote em mim e tudo irá mudar, tudo vai ficar melhor.” Aí as pessoas votavam, e nada acontecia. Isso é porque eles (esses populistas) não souberam montar um governo efetivo, que realmente sabia o que queria. Muitos desses populistas parecem pensar: “bom, o povo vai comandar e eu vou seguir”. Você vê isso com todos os populistas ao redor do mundo na era atual.Eu acho que isso, bom, é como vocês viram no Brasil. Traz apenas resultados desastrosos, e às vezes até cômicos.Você acha que foi isso que aconteceu com Bolsonaro? A maioria das pessoas o considera um populista, e a “revolução” dele não terminou bem.Sim, terminou com ele na cadeia. E o que foi essa coisa de cortar a tornozeleira eletrônica? Tem um elemento de comédia nisso. É também uma tragédia, num certo sentido, porque Bolsonaro me parece ser uma pessoa bem-intencionada. Ele era apenas pequeno demais para o papel que a história o concedeu.Basicamente, vocês pegaram uma pessoa pequena e o colocaram num papel grande demais (para ele). Essa é a minha impressão do que aconteceu aqui com a “revolução” do Bolsonaro.Alguns membros da família dele, como o filho Eduardo (Bolsonaro), estavam tentando cortejar o governo Trump para obter algum tipo de apoio político dentro do Brasil. Você acha que isso ainda pode funcionar?Esse é um assunto para uma diplomacia mais sigilosa. Certamente, parte do governo Trump ficaria feliz em ver Bolsonaro perdoado e fora da cadeia, mas não significa que o apoiem necessariamente enquanto figura política.Para o Trump, lealdade é muito importante. Por isso, eu tenho certeza que ele sente uma espécie de solidariedade. Tenho certeza de que ele gostaria de ver Bolsonaro, que não está bem de saúde, em melhores circunstâncias.Por outro lado, as coisas são o que elas são. Eu não conheço os detalhes das ligações entre a embaixada americana e o presidente Lula (…). Não sei o que pode ser oferecido, mas certamente Trump ficaria feliz de ver Bolsonaro, que não é mais uma ameaça ao Estado Brasileiro de forma alguma, perdoado e fora da cadeia.(…) Eu tenho certeza que há algo que o governo brasileiro pode ganhar com o governo Trump se decidir libertar Jair Bolsonaro. Só não sei o que poderia ser.Fica o aviso para o Lula. Alguém estava me contando mais cedo hoje a história da tentativa de golpe de Bolsonaro. Ele chegou para os generais e pediu, “por favor caras, me ajudem a tomar poder”. Me falaram também sobre os prédios que foram devastados, quais prédios foram?Vários deles, na verdade. O Palácio do Planalto, O Congresso, o Supremo Tribunal Federal… Todas os principais prédios daquela área.Foi a mesma coisa do dia 6 de janeiro (de 2021, nos Estados Unidos). Tinha esse elemento de comédia. As pessoas achavam que estavam participando da queda da Bastilha (em 1789 na Revolução Francesa) ou algo parecido. Era uma energia de queda da Bastilha. E aí, ao final, elas descobriram que nada aconteceu e que todas elas foram fotografadas. Você acha que o que aconteceu no Brasil foi uma armadilha?Não sei. O que eu sei é que no fim, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, terminou prevalecendo.Sim, você sempre vai acabar vendo quem ganhou o jogo. Mas eu acho que essa é uma lição importante para populistas de todos os tipos, porque eles precisam operar dentro da realidade.Você conhece o termo “larp”? É tipo uma gíria da geração Z. É quando você está fingindo, ou representando um papel. Essas pessoas estavam brincando de Revolução Francesa ou brincando de “Tea Party” ( a “festa do chá de Boston”, de 1773). De repente, você está num edifício governamental vazio, se perguntando o que fazer em seguida. E aí você percebe que na verdade não tem como fazer nada.Independente de alguém ter tentado criar uma armadilha ou não, acabou sendo uma armadilha.Talvez uma armadilha autoimposta. Talvez uma armadilha autoimposta. Eu acho que a coisa mais importante para os populistas é viver na realidade, não na ilusão. E isso é muito difícil de fazer quando você está em contato com a mentalidade popular, e tentando seguir o que as pessoas pensam.Para encerrar, gostaria que você me dissesse como você vê algumas figuras da política da economia americana, começando por Peter Thiel. O Peter é alguém que eu conheço há bastante tempo. A coisa é que… todo mundo espera que um bilionário conservador americano se comporte exatamente como um bilionário progressista americano. No sentido de criar instituições paralelas, de financiar causas pra lá e pra cá, de jogar um jogo meio George Soros.Na verdade, essa não é a forma como a maioria das nossas pessoas ricas operam, porque a maioria delas é libertária, ou vêm de uma origem libertária.Essas pessoas estão acostumadas, até certo ponto, a trabalhar contra o regime progressista atual. O que elas não estão acostumadas a fazer é tomar a responsabilidade de apresentar novas ideias. De dizer o que virá em seguida.E eu acho que essas pessoas precisam avançar para a próxima etapa. Elas já se acostumaram a reagir contra o regime progressista atual, mas ainda não se acostumaram com a ideia de que são responsáveis por propor algo no lugar disso. Elas precisam ter uma ideia diferente, uma visão do que vem depois.A resistência, aos moldes do século XX, quando eles se limitam apenas a dizer “não vamos fazer isso”, “isso é absurdo”, pode até ser útil, mas não basta. Precisamos ir além: ter uma visão concreta do que vem depois, não apenas negar o que já existe.O que você acha de J.D. Vance?J.D. Vance é alguém com quem já conversei algumas vezes. O interessante sobre ele é que, de certa forma, ele se parece com o Renan (Santos): fala a língua tanto do povo quanto da elite.Isso é importante. O Renan (Santos) consegue se comunicar como populista, dialogar com o eleitorado bolsonarista, mas também estudou Direito — se não me engano, com Moraes na faculdade.Da mesma forma, Vance vem do interior profundo dos Estados Unidos e também estudou em Yale. Figuras assim são relevantes porque não dá para ter apenas um dos lados. Não existe governo sem elite — simplesmente não funciona.É preciso reunificar essas duas metades do país: o eleitor do “red state”, que sente que algo está profundamente errado, mas não sabe o que fazer a respeito; e o outro grupo, igualmente convicto de que sabe o que fazer — e, muitas vezes, errado da mesma maneira.Parte desse processo envolve o despertar desse eleitor conservador para a realidade: perceber que muitas ideias com as quais cresceu — sobre Constituição, democracia, funcionamento das instituições — não correspondem ao mundo real. É admitir que foi enganado, e isso é doloroso.Mas, do lado da elite, também é necessário um despertar: entender que a meritocracia ainda produz pessoas brilhantes, mas desenvolveu ideias muito ruins. Ela se corrompeu com o poder que recebeu.Transcrição da entrevista de Curtis Yarvin ao Metrópoles em 29 de novembro de 2025O que você pensa do MBL e do Partido Missão, que organizaram sua vinda ao Brasil?Estou bem impressionado. Me parece um movimento bem saudável da Geração Z. Em muitos sentidos, ultrapassa o que temos nos Estados Unidos. Absolutamente. É muito importante essa compreensão que eles têm sobre a necessidade de estarem organizados num partido. Nós, americanos, com frequência esperamos… Tem essa velha frase do (general prussiano Otto von) Bismarck, segundo a qual “Deus protege os idiotas, os bêbados e os Estados Unidos”.Pela maior parte da história dos Estados Unidos, nós apenas esperamos as coisas acontecerem por conta própria. E aí ficamos levemente surpresos quando coisas ruins começaram a acontecer. Se você quer que as coisas aconteçam, você tem que se organizar. Nesta altura da história, você tem que organizar um movimento de base.Ao longo do século XX, a gente tinha essa ideia da política como pessoas falando na TV. Digamos que você quisesse concorrer a presidente da República. Você falaria com a imprensa, a imprensa faria uma edição da sua fala para aparecer no telejornal da noite, na CBS e na NBC, ou na PBS para os ricos. Aí você também compraria também uns anúncios, porque afinal nem todo mundo vê jornal.Esse tipo de política existiu no século XX, e funcionou muito bem. E isso ainda existe. Quando as pessoas entram em campanha, elas costumam pensar coisas do tipo: “Ok, vou precisar comprar uns anúncios, gastar alguns milhões com a campanha”. Até mesmo o Trump age dentro desse modelo (…).Mas, hoje, é muito difícil para esse tipo de estrutura gerar engajamento, excitação, energia. Jovens de 26 anos não assistem mais o telejornal da noite. Então, como você faz isso no mundo moderno? Eu acho que o Renan (Santos, pré-candidato da Misão e líder do MBL) está mostrando muito bem como isso pode ser feito.Outra coisa que eu acho que é muito importante nestes nossos tempos é saber caminhar na linha entre o populismo e o elitismo. Você realmente precisa capturar ambas as forças, para criar algo que seja realmente muito bom.Nós vimos muitos movimentos populistas que basicamente prometiam um novo mundo para os eleitores. Eles diziam, “vote em mim e tudo irá mudar, tudo vai ficar melhor.” Aí as pessoas votavam, e nada acontecia. Isso é porque eles (esses populistas) não souberam montar um governo efetivo, que realmente sabia o que queria. Muitos desses populistas parecem pensar: “bom, o povo vai comandar e eu vou seguir”. Você vê isso com todos os populistas ao redor do mundo na era atual.Eu acho que isso, bom, é como vocês viram no Brasil. Traz apenas resultados desastrosos, e às vezes até cômicos.Você acha que foi isso que aconteceu com Bolsonaro? A maioria das pessoas o considera um populista, e a “revolução” dele não terminou bem.Sim, terminou com ele na cadeia. E o que foi essa coisa de cortar a tornozeleira eletrônica? Tem um elemento de comédia nisso. É também uma tragédia, num certo sentido, porque Bolsonaro me parece ser uma pessoa bem-intencionada. Ele era apenas pequeno demais para o papel que a história o concedeu.Basicamente, vocês pegaram uma pessoa pequena e o colocaram num papel grande demais (para ele). Essa é a minha impressão do que aconteceu aqui com a “revolução” do Bolsonaro.Alguns membros da família Bolsonaro, como Eduardo, tentaram cortejar o governo Trump para obter algum tipo de apoio político dentro do Brasil. Você acha que isso ainda pode funcionar?Esse é um assunto para uma diplomacia mais sigilosa. Certamente, parte do governo Trump ficaria feliz em ver Bolsonaro perdoado e fora da cadeia, mas não significa que o apoiem necessariamente enquanto figura política.Para o Trump, lealdade é muito importante. Por isso, eu tenho certeza que ele sente uma espécie de solidariedade. Tenho certeza de que ele gostaria de ver Bolsonaro, que não está bem de saúde, em melhores circunstâncias.Por outro lado, as coisas são o que elas são. Eu não conheço os detalhes das ligações entre a embaixada americana e o presidente Lula (…). Não sei o que pode ser oferecido, mas certamente Trump ficaria feliz de ver Bolsonaro, que não é mais uma ameaça ao Estado Brasileiro de forma alguma, perdoado e fora da cadeia.Eu tenho uma ligação com a diplomacia americana porque o meu pai era um diplomata. Ele estava em Portugal nos anos 1990. Eu tinha uns 16 anos de idade na época. Meu pai me mandava revisar os telegramas que não eram sigilosos.E aí eu ficava lendo aqueles telegramas, e eu pensava, “no papel, a relação entre Portugal e os Estados Unidos é uma relação entre iguais”. Mas, na verdade, o que parecia era que a embaixada dos Estados Unidos estava supervisionando o governo de Portugal. Não consigo imaginar que a embaixada de Portugal em Washington faça algo parecido.Você viu se tinha algo sobre o Brasil no Wikileaks?Sim, o Wikileaks revelou (em 2024) que havia espionagem americana de autoridades do governo brasileiro, inclusive da ex-presidente Dilma Rousseff.Pois é. Neste momento, sob Donald Trump, a política interna do Departamento de Estado (equivalente ao Itamaraty dos EUA) está um pouco complicada. Você tem uma camada de indicados trumpistas acima do velho Departamento de Estado. E essa é uma batalha que eles lutam todos os dias.Mas eu tenho certeza que há algo que o governo brasileiro pode ganhar com o governo Trump se decidir libertar Jair Bolsonaro. Só não sei o que poderia ser.Fica o aviso para o Lula. Alguém estava me contando mais cedo hoje a história da tentativa de golpe de Bolsonaro. Ele chegou para os generais e pediu, “por favor caras, me ajudem a tomar poder”. Me falaram também sobre os prédios que foram devastados, quais prédios foram?Vários deles, na verdade. O Palácio do Planalto, O Congresso, o Supremo Tribunal Federal… Todas os principais prédios daquela área.Foi a mesma coisa do dia 6 de janeiro (de 2021, nos Estados Unidos). Tinha esse elemento de comédia. As pessoas achavam que estavam participando da queda da Bastilha (em 1789 na Revolução Francesa) ou algo parecido. Era uma energia de queda da Bastilha. E aí, ao final, elas descobriram que nada aconteceu e que todas elas foram fotografadas. Você acha que o que aconteceu no Brasil foi uma armadilha?Não sei. O que eu sei é que no fim, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, terminou prevalecendo.Sim, você sempre vai acabar vendo quem ganhou o jogo. Mas eu acho que essa é uma lição importante para populistas de todos os tipos, porque eles precisam operar dentro da realidade.Você conhece o termo “larp”? É tipo uma gíria da geração Z. É quando você está fingindo, ou representando um papel. Essas pessoas estavam brincando de Revolução Francesa ou brincando de “Tea Party” ( a “festa do chá de Boston”, de 1773). De repente, você está num edifício governamental vazio, se perguntando o que fazer em seguida. E aí você percebe que na verdade não tem como fazer nada.Independente de alguém ter tentado criar uma armadilha ou não, acabou sendo uma armadilha.Talvez uma armadilha autoimposta. Talvez uma armadilha autoimposta. Eu acho que a coisa mais importante para os populistas é viver na realidade, não na ilusão. E isso é muito difícil de fazer quando você está em contato com a mentalidade popular, e tentando seguir o que as pessoas pensam.Você tem essa contradição, porque as pessoas usam a palavra democracia de duas formas muito diferentes. Elas usam a palavra democracia no sentido do (bilionário e filantropo) George Soros, da sociedade civil, talvez da mesma forma que Alexandre de Moraes use o termo.O que seria a democracia? Seriam as nossas instituições, as nossas universidades, a nossa imprensa, os servidores públicos. Meu amigo, tem uma palavra para isso, e não é democracia, é oligarquia.As pessoas usam palavras como meritocracia, que significa, no fundo, algo como o “governo dos guardiões” de Platão (a ideia presente em A República de que o governo deveria ser exercido por reis-filósofos). Para esses guardiões platônicos, democracia significa “nós dizemos ao povo o que pensar, e como votar, e tudo dará certo.”Isso até funcionou por boa parte do século XX. Eu chamo esse modelo de “catedral”, que é composta basicamente pelas universidades e pela imprensa.Tem um livro muito influente do jornalista americano Walter Lippmann de 1922, intitulado Public Opinion (“Opinião Pública”), em que ele diz que a mente do público é maluca, e que não dá para esperar que (boas) ideias saiam dessa sopa. E que, na verdade, para que a democracia possa funcionar, você precisa dizer para as pessoas o que pensar.Antes, você tinha a chamada imprensa marrom (“yellow press”, nos EUA), que costumava apenas publicar qualquer coisa que fosse sensacional, que fosse vender. Estavam apenas tentando ganhar dinheiro.Este tipo de imprensa saiu de cena e foi sucedido por um tipo de “governo soft” da mente do público. E isso funcionou muito bem enquanto estava funcionando. Como qualquer tipo de estrutura de liderança.É o que o Gaetano Mosca (cientista político italiano, 1858-1941) chamou de “fórmula política”. Por que nós obedecemos o rei? Bom, nós obedecemos o rei porque ele é o filho do deus Sol. Se o rei morrer, o Sol se apagará. E meio que todo mundo sabe que isso não é literalmente verdade, é apenas uma mentira nobre. Mas, se o rei for um bom rei, se eles estiver indo bem, bom, quem se importa?Pela maior parte do século XX, você tinha essa elite dirigente que tinha uma visão de para onde ela queria que a sociedade fosse. Em meados do século, na era do “New Deal”, a sociedade estava florescendo, havia crescimento econômico, as coisas estavam avançando em alta velocidade. E é claro que todo mundo acreditava e amava essa elite.Para começo de conversa, eles não tinham mais nada para acreditar. Era isso que estava nas telas das TVs. Pensem em americanos normais, que não eram da elite, em 1965. Eles estavam lá vendo Walter Cronkite na CBS. Walter Cronkite está dizendo a eles como as coisas são. Ele soa como o seu pai, muito convincente, muito plausível. Essa foi como uma era dourada, num certo sentido.No entanto, no mundo moderno, as pessoas estão lá ouvindo essa mesma voz paterna, que parece com o pai delas, bastante articulada, e no entanto ela diz coisas malucas. Tipo, como foi que o mundo ficou obcecado com George Floyd (homem negro americano morto pela polícia em Minneapolis em maio de 2020)? Por que vocês estavam se importando com o George Floyd no Brasil?Na sua opinião, a “Catedral” ficou maluca?Sabe, a coisa que mais chama a atenção a respeito da “Catedral”, para um americano, é: por que será que esses poderes sempre concordam um com o outro?Por que será que o New York Times sempre concorda com o Washington Post? Por que será que Harvard sempre concorda com o Yale? Note que eles concordam um com o outro ao longo do tempo. Harvard nos anos 1960 sempre concordava com Yale nos anos 1960. Mas o que eles pensavam naquela época é bem diferente do que Harvard pensa em 2025, e do que Yale pensa em 2025. Eles estão se movendo juntos, eles são sinópticos, como diriam os estudiosos da Bíblia.Mas na verdade, não há ninguém no comando.Digamos que você esteja em um estado totalitário, Como a Alemanha Nazista de Joseph Goebbels. Goebbels é o papa nazista. Tudo que é escrito na Alemanha precisa passar pelo Joseph Goebbels em algum nível. Portanto, ele garante que todos os jornais da Alemanha sigam a linha do partido nazista. E aí, todos esses jornais concordam uns com os outros. Muito fácil de entender.Mas quando você tenta entender por que o New York Times concorda com o Washington Post, é bem diferente. Portanto, entender de onde essas ideias vêm e, especialmente, como elas ficaram tão estranhas, é a tarefa fundamental para entender qual é o problema com as nossas elites atuais.Você tem essas pessoas na classe média baixa, pessoas que no Brasil seriam eleitores do Bolsonaro, evangélicos. Eles olham para essas elites e pensam, “Isso é loucura, essas pessoas estão jogando o país do abismo”. E geralmente as teorias dessas pessoas sobre o porquê o país estar caminhando na direção do abismo não são muito boas. E o resultado é que isso torna muito difícil para elas impedir que o país vá para o abismo.É por isso que, quando você olha para o populismo em geral… e esse é o outro significado de democracia, na prática: populismo. Democracia significa ou meritocracia, que seria o governo do Alexandre de Moraes e do George Soros; ou populismo, que é o governo das mães do Facebook (no Brasil, geralmente diríamos “as tias do zap”). E as mães no Facebook estão tipo, “Bill Gates está injetando microchips no meu corpo”.Nós temos esse conceito do “livre mercado de ideias”. É um conceito-chave não só da democracia, mas do liberalismo. O conceito diz que as boas ideias vão vencer as más ideias (…). Mas simplesmente não é assim. Quando você olha para o livre mercado de ideias dentro do movimento populista, você percebe que há alguns elementos em comum nas ideias que triunfam. Geralmente elas partem de um senso comum, só que misturado a maluquices que não funcionam.O problema não é só que seria difícil se basear nessas forças populistas para dirigir um país. É que nós não estamos tratando de um país em condições normais. Estamos tratando de um país que está numa crise em câmera lenta. Se você olhar para o Brasil, se você olhar para os Estados Unidos, estes não são países saudáveis, em muitos sentidos. Não só os países estão doentes, como as nossas elites ficaram malucas. Como é que você conserta isso?No entanto, você tem um programa para isso, não? Você não tem uma ideologia em formação? Como seria esse Ocidente pós-liberal ou os Estados Unidos pós-liberais no seu modelo?Acho que tanto o Ocidente pós-liberal, quanto os Estados Unidos pós-liberais, ou até mesmo o Brasil pós-liberal, precisam voltar…Quando a União Soviética caiu, (os países da região) tinham uma fonte óbvia de ideias para o quê fazer em seguida. Era tipo, “nós tentamos esse modelo marxista-leninista, não funcionou, agora vamos tentar fazer mais ou menos como a Europa Ocidental”. Uma resposta muito simples. No fim, acabou que nem era tão óbvio assim, mas pelo menos parecia muito claro na época.Na União Soviética, eles olhavam para uma calculadora feita nos EUA e diziam, “bom, nós nunca poderíamos fazer isso”.Hoje, no Ocidente, tem uma saída muito óbvia. Agora, eu olho para o IPhone na minha mão e penso: “nós (EUA) nunca poderíamos fazer isso”. Nós fazemos o design, mas não podemos mais fabricar. Eles fabricam na China. Então, a resposta óbvia seria olhar para a China.Foi um verdadeiro choque para o sistema político americano, que sempre pensou em si mesmo como um país excepcional. “Se você quiser saber como governar o seu país, ligue para a embaixada americana e eles vão te ensinar”. Tinha um manualzinho, tinha o Consenso de Washington.Aí vem a China e apenas diz casualmente: “Não, na verdade, nós vamos fazer melhor, vamos superar vocês em tudo. Quando você sair do metrô de Nova York e entrar no metrô de Beijing, vai ser como sair do pior bairro de São Paulo para o melhor bairro de São Paulo”.Isso é um choque para o sistema, algo que os americanos nunca assimilaram. Os americanos não aceitam a ideia de que talvez o Partido Comunista Chinês possa ter uma filial nos Estados Unidos, ou que nós possamos aderir ao socialismo chinês. Isso não é uma possibilidade.Um dos motivos pelos quais eu me intitule um “neo-reacionário”, é que um reacionário é alguém que quer voltar ao passado. Alguém que diz: “Peraí, na verdade, nós estamos declinando e não avançando, vamos voltar o relógio.” O verdadeiro reacionário é alguém que tem uma ligação direta, visceral com o passado. Por exemplo, alguém no Brasil em uma família católica tradicional, alguém que tem um conhecimento profundo de como o governo funcionava há 100, 200 anos atrás, passado pela família.Esse não é o meu caso. Você pode dizer que eu tenho um background de elite, mas eu não tenho nenhuma ligação com o mundo pré-liberal. Eu apenas acho que tem muitas coisas que eles, as pessoas que viviam num mundo pré-liberal, entendiam. E que nós não entendemos.Você conhece a pirâmide de Maslow? Deixa eu explicar muito rapidamente. A ideia é que, basicamente, os seres humanos têm várias necessidades, e a mais básica dessas necessidades é o oxigênio. Você precisa de ar. Uma vez que você tenha ar, você começa a pensar em água. Depois comida, depois sexo, depois conforto e assim por diante.Lá no topo, você tem o que o psicólogo Maslow chamou de autorrealização. É o que os alemães chamam de “bildung” (“formação integral”), tornar-se uma pessoa. Tradicionalmente, esta é a missão dos nobres.Quando você olha para as pessoas no Vale do Silício, em São Francisco, na Califórnia, a maioria deles não é descendente de famílias nobres – alguns até são. Mas, independente disso, todos estão fazendo a mesma coisa. Quando você vai pro Burning Man, todo mundo lá está tentando se auto-realizar, se tornar a melhor pessoa que pode ser.Muito da ideologia do Século XX é: “Nós vamos tornar todos os seres humanos em nobres, e vamos fazer isso tratando todos como nobres. E nós não acreditamos em distinções entre as pessoas. Acreditamos que todos são criados iguais. São as estruturas sociais que nos impedem de atingir a igualdade”.O resultado disso tem sido que nós (removemos) estruturas sociais que funcionavam muito bem para pessoas que não eram nobres, onde elas tinham um senso de liderança, de comunidade.Uma coisa que eu fiquei chocado ao descobrir é que na Inglaterra vitoriana, sob o reinado da rainha Elizabeth, como um inglês comum, você era obrigado a ir à igreja. Não era opcional. Era obrigatório, você tinha que estar lá todo domingo. Eles tinham uma lista de presença.Um dos motivos pelos quais o movimento evangélico é tão forte em lugares como o Brasil é porque ele provê uma espécie de estrutura, Algo que o catolicismo costumava prover, mas que deixou de fazer à medida em que se tornou mais “protestante” a partir de meados do século XX (…).Os evangélicos, que são uma religião muito ritualística, muito mágica, num certo sentido, preencheram a lacuna que o catolicismo deixou. As pessoas se tornam evangélicas muito por sentirem que não têm propósito ou sentido na vida. Eles vivem numa sociedade que diz a eles que eles deveriam ser nobres, só que eles não são. E aí, o que eles vão fazer? E aí elas encontram Jesus Cristo e ficam tipo: “graças a Deus, finalmente”. Essa história se repetiu milhões e milhões de vezes neste país.Havia uma razão para os países terem uma igreja estabelecida. Havia uma razão para você ter uma ligação entre igreja e Estado. Os papéis de ambos se misturavam em termos de funcionamento da sociedade.Por exemplo: eu estou envolvido numa batalha jurídica muito difícil com a minha ex-mulher, na Califórnia (Yarvin disputa a guarda de um de seus filhos com a ex-noiva, Lydia Laurenson). Quando você olha o tipo de decisão que está sendo delegada ao Judiciário para resolver, é inevitável pensar que seriam muito melhor resolvidos por uma autoridade religiosa.Portanto, para ser concreto com a minha resposta: pense numa igreja evangélica no Brasil. É uma entidade privada, sem nenhuma conexão com o Estado. Ela não é parte do aparato estatal. Não existe um “ministro de assuntos religiosos” no governo para dirigi-la. É um elemento completamente espontâneo.E, por ser completamente espontâneo, há uma série de coisas que ela não pode fazer. Você não poderia, por exemplo, pegar os dependentes químicos da Cracolândia e submetê-los à autoridade de um pastor.Não poderíamos, por exemplo, chegar para os dependentes químicos da cracolândia e dizer “ok, agora você faz parte desta igreja e o seu pastor pode te mandar fazer um teste toxicológico; ele pode te dizer onde você vai trabalhar, e assim por diante. Ele tem poder secular sobre você, não apenas espiritual” (…).Isso basicamente mostra a falta de governança e estrutura nas vidas das pessoas. Esta seria uma perspectiva bastante pós-liberal. Certamente não é a perspectiva com a qual eu cresci, é o mesmo com o qual eu tenho tido contato nos meus vinte anos – eu costumava ser um libertário (na juventude).Só que eu percebi que não dá pra tratar todo mundo como se fossem nobres. E, ao mesmo tempo, os nobres deveriam ser tratados como se fossem nobres. Tipo, se você é um nobre, ninguém deveria te dizer quais drogas você pode ou não usar. Ao passo que, se você for um operário numa fábrica de automóveis, daí sim, (você precisa de orientação) para não estragar a sua vida. Esse tipo de entendimento era muito claro para os governos pré-liberais. Eles aceitavam isso por “default”. Consideravam isso parte da governança.Um outro exemplo seria o seguinte. Em meados do século XX, o Brasil fez todo tipo de experimento com protecionismo econômico.Nos anos 1980, aparecem economistas liberais no Brasil dizendo “Bom, na verdade vocês não sabem como a economia funciona. Vocês precisam de carros mais baratos, por isso é melhor vocês importarem os seus carros do que ficar tentando fazer carros no meio da floresta amazônica”. E é claro que esses experimentos protecionistas no Brasil redundaram em todo tipo de distorções e de insanidades.Por outro lado, quando você olha a China hoje, eles claramente não estão seguindo o manual liberal. Eles estão seguindo um manual mercantilista. Então, talvez exista alguma coisa boa ali. A gente ainda precisa entender melhor a razão deste mesmo manual mercantilista não ter funcionado para o Brasil ou para a Argentina. Mas, apenas talvez, exista alguma resposta que não seja o Consenso de Washington.Porque no fundo, um Estado precisa ser um Estado. E se você está apenas sobrevivendo com base em porcaria chinesa barata que você importa por meio da venda de soja… bom…Talvez você esteja prestes a enfrentar tempos difíceis.Você enfrentará tempos difíceis! Esse é um tipo de colonialismo econômico. A China, mesmo, não quis isso para si própria e foi muito rápida em sair desse tipo de situação. Se você for a Papua Nova Guiné, dificilmente você fará computadores. Mas, se você for o Brasil, é possível.É como o caso da Austrália. Nos anos 1980, a Austrália chegou a fabricar os próprios semicondutores. Eles fabricavam microchips 100% australianos. Eles tinham carros 100% australianos. Tudo isso acabou! É impossível não ver esse tipo de coisa como uma perda para o Estado.Existe essa teoria mais antiga para o Estado, uma espécie de teoria medieval do Estado, na qual o monarca é como se fosse o pai da nação, e o responsável pelo florescimento do país. Note que dizer que o país está florescendo não é o mesmo que dizer que ele tem o PIB mais alto possível. As duas coisas são diferentes.Na verdade, você precisa olhar para a vida das pessoas. O que é que eu vejo quando eu olho para o lugar? Eu vejo moradores de rua, lixo, imundície?É claro, um dos principais exemplos que as pessoas pensam quando elas olham para a América Latina é o do (Nayib) Bukele, em El Salvador. Bukele simplesmente disse: “Eu vou ignorar o que a embaixada americana me diz. Simplesmente não farei”. E o mais surpreendente é que ele conseguiu escapar com isso.Há cerca de um ano atrás, eu estava em El Salvador, em São Salvador, para uma conferência. Eu estava com o meu laptop. Num dado momento, eu tive que atravessar a praça principal de São Salvador, carregando meu laptop debaixo do braço, e eu simplesmente não senti medo.É muito surpreendente porque as gangues em El Salvador não eram sequer apenas narcotraficantes. Elas matavam. Os traficantes pelo menos te oferecem cocaína. Já as gangues de El Salvador, elas apenas matavam, roubavam e cobravam taxas da população. Quando o Bukele aparece, ele consegue restabelecer a autoridade do Estado.O que é mais incrível sobre essa história é que todo mundo diz sempre: “Não, você não pode fazer isso. Se você fizer o que os Estados Unidos dizem que você não pode fazer, haverá consequências. Você não pode entrar na jaula com o tigre”. E aí ele apenas vai lá e faz. E meio que funcionou. E aí o que o “tigre” faz? Ele até ruge, mas é só. Bukele diz tipo “acho que você não tem mais esse dente todo”.Se Bukele tivesse feito isso nos anos 1980, ele teria, neste momento, 3 movimentos de guerrilha urbana diferentes – um apoiado pelos EUA, um apoiado pelo Partido Comunista Chinês e outro da União Soviética. Teria também protestos massivos nas universidades. O país estaria pegando fogo, assim como estava o Brasil nessa época (…). E agora toda essa energia acabou, de modo que você pode simplesmente fazer as coisas.Eu penso que seria muito mais fácil ter um Bukele no Brasil sob o governo Trump do que no governo anterior (do democrata Joe Biden) ou no próximo governo.É claro que nem todas as situações são iguais. É claro que os generais que aderiram à tentativa de golpe de Bolsonaro cometeram um enorme erro.Obviamente, se você tentar fazer dessa forma (com um golpe de estado), o que acontece em seguida? Seus bancos param de funcionar, o país fica sem dólares; os EUA vão na jugular muito rápido. Se você vai na jaula do tigre e tenta fazer amor com ele, é bem perigoso. Não faça isso. Use os processos corretos, pois ainda há alguma energia de tigre ali.Ao redor de todo o mundo, as elites, as pessoas jovens de todo o mundo ainda querem copiar os Estados Unidos. Os Estados Unidos ainda tem um imenso soft power. E mesmo quando você vê anti-americanismo num país como o Brasil, geralmente é uma importação dos EUA. No fundo, a elite brasileira é anti-americana porque a elite americana é anti-americana também.É claro que nessas fontes principais você só vai encontrar esse tipo de ideia padrão, esse tipo de ideia que vem do Departamento de Estudos Latino-Americanos de Harvard.Na verdade, começar a desafiar esse tipo de ideia vinda dos Estados Unidos – sem achar que o Bill Gates está injetando microchips no seu corpo –; desafiar essas ideias de uma forma efetiva, inteligente, essa é a verdadeira batalha do nosso tempo.Essa seria a minha esperança para a nova direita brasileira. De que eles estariam conseguindo unir o melhor do populismo com o melhor do elitismo.Para encerrar, gostaria que você me dissesse como você vê algumas figuras da política da economia americana, começando por Peter Thiel. O Peter é alguém que eu conheço há bastante tempo. A coisa é que… todo mundo espera que um bilionário conservador americano se comporte exatamente como um bilionário progressista americano. No sentido de criar instituições paralelas, de financiar causas pra lá e pra cá, de jogar um jogo meio George Soros.Na verdade, essa não é a forma como a maioria das nossas pessoas ricas operam, porque a maioria delas é libertária, ou vêm de uma origem libertária.Essas pessoas estão acostumadas, até certo ponto, a trabalhar contra o regime progressista atual. O que elas não estão acostumadas a fazer é tomar a responsabilidade de apresentar novas ideias. De dizer o que virá em seguida.E eu acho que essas pessoas precisam avançar para a próxima etapa. Elas já se acostumaram a reagir contra o regime progressista atual, mas ainda não se acostumaram com a ideia de que são responsáveis por propor algo no lugar disso. Elas precisam ter uma ideia diferente, uma visão do que vem depois.A resistência, aos moldes do século XX, quando eles se limitam apenas a dizer “não vamos fazer isso”, “isso é absurdo”, pode até ser útil, mas não basta. Precisamos ir além: ter uma visão concreta do que vem depois, não apenas negar o que já existe.O que você acha de J.D. Vance?J.D. Vance é alguém com quem já conversei algumas vezes. O interessante sobre ele é que, de certa forma, ele se parece com o Renan (Santos): fala a língua tanto do povo quanto da elite.Isso é importante. O Renan (Santos) consegue se comunicar como populista, dialogar com o eleitorado bolsonarista, mas também estudou Direito — se não me engano, com Moraes na faculdade.Da mesma forma, Vance vem do interior profundo dos Estados Unidos e também estudou em Yale. Figuras assim são relevantes porque não dá para ter apenas um dos lados. Não existe governo sem elite — simplesmente não funciona.É preciso reunificar essas duas metades do país: o eleitor do “red state”, que sente que algo está profundamente errado, mas não sabe o que fazer a respeito; e o outro grupo, igualmente convicto de que sabe o que fazer — e, muitas vezes, errado da mesma maneira.Parte desse processo envolve o despertar desse eleitor conservador para a realidade: perceber que muitas ideias com as quais cresceu — sobre Constituição, democracia, funcionamento das instituições — não correspondem ao mundo real. É admitir que foi enganado, e isso é doloroso.Mas, do lado da elite, também é necessário um despertar: entender que a meritocracia ainda produz pessoas brilhantes, mas desenvolveu ideias muito ruins. Ela se corrompeu com o poder que recebeu.A ideia de que o governo deve ser guiado pela imprensa e pelas universidades é algo recente, do século XX. O raciocínio original era: “política significa corrupção, incompetência; então deixemos os intelectuais comandarem”.E eles aceitaram com entusiasmo. O problema é que, ao assumir o poder, foram se deixando levar por ideias que aumentavam sua própria influência, não necessariamente as melhores ideias para o país.Muita da confusão atual nasce daí. Para alguém dessa classe perceber que traiu a nação — mesmo que sem intenção — é uma epifania profunda. É como descobrir que você foi comunista ou nazista e concluir que não deve mais ser. Esse é o processo de recuperação do século XX pelo qual todos precisamos passar.