WASHINGTON — Em uma noite de primavera no Salão Oval, o presidente Donald Trump perguntou ao secretário de Estado, Marco Rubio, como poderia endurecer a postura contra a Venezuela.Era pouco antes do Memorial Day, e parlamentares cubano americanos de linha dura, cujos votos Trump precisava para aprovar seu principal projeto de política interna, pressionavam o presidente a apertar o cerco contra a Venezuela interrompendo as operações de petróleo da Chevron no país. Trump, porém, não queria perder o único ponto de apoio dos Estados Unidos na indústria petrolífera venezuelana, onde a China é o maior ator estrangeiro.O presidente avaliava permitir que a Chevron continuasse operando. Mas disse a Rubio, um antigo defensor de uma linha dura contra Venezuela e Cuba, que era preciso demonstrar aos parlamentares e a outros críticos que o governo poderia agir com força contra Nicolás Maduro, o líder autocrata de esquerda da Venezuela, que Trump tentou derrubar em seu primeiro mandato.Outro assessor presente na sala, Stephen Miller, afirmou ter ideias. Como assessor de segurança interna, ele vinha discutindo com outros funcionários a promessa de campanha de Trump de bombardear laboratórios de fentanil. Por diversos motivos, essa ideia perdeu força e, nas semanas anteriores, Miller passou a explorar ataques a embarcações suspeitas de transportar drogas ao largo da América Central.As discussões de Miller não tinham como foco a Venezuela, que não produz fentanil. Mas naquela noite, três objetivos distintos começaram a se fundir: enfraquecer Maduro, usar força militar contra cartéis de drogas e garantir acesso às vastas reservas de petróleo venezuelanas para empresas americanas.Dois meses depois, Trump assinou uma diretriz secreta ordenando ao Pentágono que realizasse operações militares contra cartéis de drogas latino americanos, com foco específico em ataques marítimos. Embora a justificativa fosse o combate às drogas de forma geral, a operação concentraria enorme poder naval ao largo da costa venezuelana.O resultado foi uma campanha de pressão cada vez mais militarizada com o objetivo de remover Maduro do poder.Ela tem sido marcada por ataques dos Estados Unidos que mataram pelo menos 105 pessoas em embarcações no Caribe e no Pacífico oriental, por um quase bloqueio de petroleiros que entram e saem de portos venezuelanos e por ameaças de Trump de realizar ataques terrestres na Venezuela.A ofensiva reflete esforços combinados de Rubio e Miller, que passaram a atuar em sintonia em políticas contra Maduro. Cada um chegou a esse ponto a partir de objetivos antigos: para Rubio, filho de imigrantes cubanos e também assessor de segurança nacional de Trump, a oportunidade de derrubar ou enfraquecer os governos da Venezuela e de sua aliada Cuba; para Miller, arquiteto das políticas anti imigração de Trump, a chance de avançar em sua meta de deportações em massa e de atingir grupos criminosos na América Latina.Este relato sobre como a Venezuela passou a ocupar o centro da agenda de política externa do governo neste ano, a ponto de se falar em uma possível guerra, baseia se em entrevistas com atuais e ex funcionários do governo americano, quase todos falando sob condição de anonimato devido à sensibilidade de temas ligados à segurança nacional. Entre as conclusões:Miller orientou autoridades da Casa Branca, na primavera, a estudar formas de atacar cartéis de drogas em seus países de origem na América Latina. Ele queria ataques que gerassem ampla repercussão pública para criar efeito dissuasório.O foco na Venezuela se intensificou após o fim de maio, quando Trump se irritou com negociações difíceis envolvendo a Chevron. O petróleo venezuelano teve papel mais central nas deliberações do presidente do que se sabia até então.Em reuniões no início do verão, Rubio e Miller discutiram com Trump a possibilidade de atacar a Venezuela. O presidente pareceu convencido pelo argumento de Rubio de que Maduro deveria ser visto como um chefão do narcotráfico.Miller disse a autoridades que, se Estados Unidos e Venezuela estivessem em guerra, o governo poderia voltar a invocar a Lei dos Inimigos Estrangeiros, do século 18, para acelerar a deportação de centenas de milhares de venezuelanos que haviam perdido o status de proteção temporária. Ele e Rubio haviam usado essa lei no início do ano para deportar sumariamente centenas de venezuelanos para uma prisão de segurança máxima em El Salvador, até serem barrados por decisões judiciais.A ordem secreta assinada por Trump em 25 de julho, autorizando ações militares contra cartéis e prevendo ataques marítimos, é a primeira diretriz escrita conhecida do presidente sobre esse tipo de operação. Autoridades do governo chamaram os ataques a embarcações de “Fase Um”, com a liderança do SEAL Team Six. Também discutiram vagamente uma “Fase Dois”, que poderia envolver operações terrestres com unidades da Força Delta do Exército.O secretário de Defesa, Pete Hegseth, manteve muitos militares de carreira e advogados fora da elaboração da chamada ordem de execução que orienta os ataques a embarcações. Como resultado, o documento apresentou falhas graves, incluindo a ausência de diretrizes sobre como lidar com sobreviventes.Rubio, Miller e outros integrantes do alto escalão supervisionaram um processo muitas vezes desorganizado e cercado de sigilo. A capacidade de manter o planejamento restrito a um pequeno grupo foi facilitada pelo esvaziamento, ao longo do ano, de partes da burocracia federal, incluindo o Conselho de Segurança Nacional, responsável por coordenar discussões entre agências.Em setembro, o governo entrou na fase mais sangrenta até agora da campanha contra Maduro. Isso se traduz em 29 ataques letais a embarcações nos últimos quatro meses, operações que muitos especialistas em direito classificam como homicídios ou crimes de guerra. O governo afirma ter informações de inteligência ligando os barcos ao tráfico de drogas, mas não apresentou provas publicamente.Anna Kelly, porta voz da Casa Branca, afirmou em nota que o governo trabalha “para cumprir a agenda do presidente de manter esse veneno fora de nossas comunidades”.Rubio disse a repórteres em 19 de dezembro que o objetivo dos ataques é garantir que “ninguém queira mais subir em barcos de drogas”, incutindo neles o “medo da morte”.Ele também reiterou que o Departamento de Justiça obteve em 2020 uma acusação formal contra Maduro, por meio de um grande júri, sob a acusação de colaboração com produtores colombianos de cocaína, que às vezes escoam a droga pela Venezuela. O governo Maduro, segundo Rubio, é “um regime ilegítimo que coopera abertamente com elementos terroristas”.‘Invasão’ na primaveraAs bases para a militarização da abordagem contra Maduro e os venezuelanos foram lançadas em fevereiro, quando Rubio fechou um acordo com Nayib Bukele, líder autoritário de El Salvador, em sua residência à beira de um lago. Os Estados Unidos pagariam cerca de US$ 5 milhões para enviar aproximadamente 300 venezuelanos acusados de integrar gangues ao Centro de Confinamento do Terrorismo, conhecido como CECOT.Pouco depois, Rubio designou oito grupos criminosos latino americanos como organizações terroristas estrangeiras. A gangue venezuelana Tren de Aragua encabeçou a lista.Miller já havia identificado um instrumento legal para contornar o devido processo legal: a Lei dos Inimigos Estrangeiros, do século 18, que permite a detenção e deportação imediata de cidadãos de um país que tenha invadido os Estados Unidos ou esteja em guerra com eles.Trump assinou em março uma ordem executiva invocando essa lei, com um título que alertava para “a invasão dos Estados Unidos pelo Tren de Aragua”. Em retrospecto, a medida foi um passo inicial importante contra Maduro, ao enquadrar formalmente a relação entre os dois países como uma espécie de guerra. Contrariando uma avaliação secreta da inteligência americana, a ordem afirmava que o Tren de Aragua era um instrumento de Maduro.Muitos dos mais de 250 venezuelanos enviados a El Salvador não tinham vínculos com a gangue nem histórico criminal relevante, e alguns relataram tortura e abusos sistemáticos na prisão do CECOT.Tribunais decidiram depois que imigração ilegal não configura o tipo de invasão que justificaria o uso da lei de deportação em tempos de guerra. Ainda assim, Miller voltou a falar em retomar a aplicação da lei caso os Estados Unidos estivessem em guerra real com a Venezuela, segundo um ex funcionário do governo.Ao mesmo tempo, Miller analisava políticas não relacionadas à Venezuela, mas inspiradas na chamada guerra ao terror, como a ideia de bombardear laboratórios de fentanil no México. Ficou claro, porém, que líderes mexicanos não concordariam, e o governo temia perder cooperação em temas migratórios e de drogas.No início de maio, a equipe de Miller passou a pedir novas opções para o uso da força contra cartéis.Funcionários da Casa Branca discutiram ideias mais limitadas, como ataques secretos da CIA a barcos atracados e vazios. Mas a equipe de Miller queria ações visíveis. Também se cogitou explodir embarcações falsas para intimidar traficantes, mas assessores insistiram em atingir barcos reais.Em junho, um pedido para estudar uma operação marítima começou a circular no Pentágono. Ainda não tinha foco na Venezuela, mas isso mudaria rapidamente, impulsionado pelo interesse de Trump no principal recurso do país.Confronto em torno do petróleoHá anos, a Chevron detém um privilégio único no mundo corporativo americano: autorização dos governos dos Estados Unidos e da Venezuela para produzir e exportar petróleo em joint ventures.Por isso, a empresa tornou se moeda de troca em negociações secretas entre Trump, Maduro e parlamentares americanos, e acabou ligada a uma virada decisiva em direção à ação militar.Parlamentares cubano americanos pressionaram Trump no início do ano a encerrar a licença confidencial concedida à Chevron no governo Biden. Após Trump e Rubio anunciarem em fevereiro que fariam isso, Maduro deixou de aceitar voos de deportação de venezuelanos.O presidente da Chevron, Mike Wirth, fez lobby junto ao governo para estender a licença, conversando diversas vezes com Trump.Ao saberem da possível extensão, parlamentares ameaçaram retirar apoio ao principal projeto legislativo de Trump. Em reunião no fim de maio, Trump disse a Rubio e Miller que precisava aprovar o projeto, mas que também ouvira alertas sobre os riscos de encerrar a licença, incluindo o avanço da China sobre os ativos da Chevron.Trump não renovou a licença, que expirou em 27 de maio. Seu projeto foi aprovado cinco semanas depois.Em julho, Trump mudou de posição e autorizou o Tesouro a emitir nova licença, com termos revistos, em meio à libertação de prisioneiros americanos pela Venezuela e à avaliação de que a Chevron funcionava como contrapeso à China.Nos bastidores, porém, Trump avançou rumo ao confronto. Em 25 de julho, assinou a ordem secreta que colocou em marcha a ofensiva militar.Verão de sigiloA diretriz permaneceu restrita até ser revelada pelo The New York Times no início de agosto. O documento previa ataques a embarcações em águas internacionais ligadas a grupos classificados como narcoterroristas.O processo excluiu debates interagências e especialistas militares. A ordem de execução carecia de elementos essenciais, inclusive diretrizes sobre sobreviventes de ataques marítimos.Em 2 de setembro, forças americanas detectaram uma lancha com 11 pessoas e receberam ordem para atacar. Vídeos posteriores mostraram sobreviventes acenando antes de novos disparos.Desde então, os ataques se multiplicaram. Em paralelo, Trump, Rubio e Miller avançaram para a próxima etapa: apreender petroleiros e estrangular financeiramente a Venezuela.Nas primeiras semanas, a estratégia paralisou a indústria petrolífera venezuelana. Críticos chamam a ação de diplomacia das canhoneiras. Maduro a define como um pretexto belicista e colonialista.Este artigo foi publicado originalmente pelo The New York Times.The post Como petróleo, drogas e imigração alimentaram a campanha de Trump contra a Venezuela appeared first on InfoMoney.