Entre os maiores fenômenos astronômicos de 2025 (que contou com eclipses solares e lunares, superluas, alinhamento planetário e muito mais), sem dúvida, um se destaca como o grande protagonista do céu: o cometa 3I/ATLAS. O objeto – apenas o terceiro visitante interestelar já identificado no Sistema Solar – dominou telescópios, virou manchete e aguçou a imaginação coletiva.Vamos relembrar a trajetória do corpo celeste desde a descoberta, no meio do ano, até a recente passagem relativamente próxima da Terra, em um percurso marcado por fatos e boatos.O cometa 3I/ATLAS registrado em 19 de dezembro de 2025 com o iTelescope T24, com tempo de integração de 15 minutos, a partir do Observatório Remoto Sierra em Auberry, Califórnia, EUA. Crédito: Eliot Herman via Spaceweather.comCometa 3I/ATLAS pode ser mais velho que o Sistema Solar? FatoDesde que foi descoberto, em julho, o objeto rapidamente chamou a atenção de astrônomos por sua alta velocidade e órbita hiperbólica (trajetória aberta, que indica que ele não está preso à gravidade do Sol e apenas atravessa o Sistema Solar).Não demorou para observações confirmarem que se tratava de um cometa interestelar, que recebeu dois nomes oficiais: C/2025 N1 (ATLAS) e 3I/ATLAS (entenda aqui). Estudos iniciais indicam que ele pode ter cerca de sete bilhões de anos, sendo mais antigo que o Sistema Solar.Conforme as descobertas sobre o objeto avançavam, passaram a circular boatos sobre uma possível origem tecnológica alienígena. Eles se baseavam em dados reais, como a detecção de níquel atômico, mas interpretados de forma equivocada. A ideia foi rejeitada pela maioria dos especialistas e oficialmente descartada pela NASA.Imagem do 3I/ATLAS obtida pelo VLT em 23 de agosto de 2025. Análises de sua composição mostraram abundância de dióxido de carbono e presença de níquel atômico. Crédito: ESO / Very Large Telescope / T. PuziaEnquanto boatos eram desmentidos, observações confiáveis traziam informações importantes. A missão SPHEREx, lançada pela NASA em março, detectou dióxido de carbono na coma do cometa – a nuvem de gás que envolve seu núcleo e se estende por cerca de 350 mil km, apresentando um brilho esverdeado característico. Telescópios em solo também registraram uma anticauda apontando na direção do Sol.NASA acionou protocolo especial de segurança? BoatoRecentemente, a NASA divulgou um conjunto inédito de imagens do 3I/ATLAS obtidas por cerca de 20 espaçonaves entre setembro e outubro. A divulgação levou mais de 40 dias porque os dados passaram por etapas de calibração e validação científica, exigiram a coordenação entre diferentes equipes e também foram impactados por um período de paralisação administrativa dos EUA (shutdown), que atrasou o processamento e a liberação do material. Esse atraso foi suficiente para que conspiracionistas levantassem suspeitas de que a NASA estaria escondendo informações sobre o cometa, mesmo sem qualquer evidência que sustentasse tais alegações. Em mais uma mistura entre realidade e ficção, disseminadores de fake news relacionaram uma campanha anual legítima de observação de cometas com um suposto acionamento de um protocolo de segurança da NASA.Uma vista do cometa interestelar 3I/Atlas capturada da órbita de Marte com a câmera HiRISE no Mars Reconnaissance Orbiter da NASA, em 2 de outubro de 2025. Crédito: HiRISE (MRO) – NASA / JPL-Caltech / Universidade do ArizonaLeia mais:Veja imagens do 3I/ATLAS mais próximo da TerraCometa 3I/ATLAS é monitorado por rede de alerta da ONU3I/ATLAS cortou comunicação da NASA com espaçonave em Marte? Entenda3I/ATLAS pode conter vulcões de gelo? FatoUm dos estudos mais recentes sobre o 3I/ATLAS propõe que ele estaria coberto por “vulcões de gelo” ativos – regiões onde materiais congelados sublimam diretamente para o estado gasoso, criando jatos que impulsionam partículas e alteram o comportamento do objeto. Essa atividade explicaria, por exemplo, a aceleração não gravitacional observada no objeto, além de ajudar a compreender melhor a dinâmica de corpos interestelares que passam pelo Sistema Solar.A descoberta, no entanto, também gerou polêmica. Alguns pesquisadores questionaram se o 3I/ATLAS seria realmente um cometa, sugerindo que poderia se tratar de um asteroide ou outro tipo de corpo com características incomuns. Apesar de jatos e pequenas explosões não serem inéditos entre cometas do Sistema Solar – como no caso do 12P/Pons–Brooks, conhecido como “Cometa do Diabo” – a atividade observada chamou atenção por ocorrer em um objeto interestelar com composição química fora do padrão.O cometa 3I/ATLAS parece ter jatos expelidos de sua superfície, que um novo estudo interpreta como um tipo de criovulcanismo. Crédito: Josep M. Trigo-Rodríguez/Observatório B06 MontsenyMesmo diante das especulações, a maioria dos cientistas segue considerando a hipótese dos vulcões de gelo como a explicação mais consistente. Segundo o astrônomo amador Cristóvão Jacques, fundador do Observatório SONEAR, em Oliveira (MG), ainda não é possível definir a classificação do 3I/ATLAS. “Vários estudos estão sendo feitos e publicados aos poucos, e não existe uma resposta definitiva sobre a composição desse objeto”.Objeto “mudou de cor” após passar pelo Sol? BoatoO 3I/ATLAS atingiu o periélio, ponto de maior aproximação do Sol, em 29 de outubro. Antes disso, passou relativamente perto de Marte, permitindo análises por espaçonaves em órbita do planeta. Missões dedicadas a estudar Júpiter e suas luas, como Juno, Europa Clipper e JUICE, também foram ou ainda serão aproveitadas para observar o visitante interestelar.Após ficar temporariamente oculto pelo brilho solar, o cometa voltou a ser visível da Terra. Nesse retorno, circularam rumores sobre uma mudança de cor e uma aceleração incomum, classificada como não gravitacional. Estudos mostraram que esse comportamento pode ser explicado pela liberação desigual de gases e poeira a partir do núcleo do cometa, um fenômeno comum nesses objetos. Já a suposta alteração de cor foi desmentida pelos próprios pesquisadores, que atribuíram a impressão a diferenças nos instrumentos e nas condições de observação.Imagem de raios X do cometa 3I/ATLAS mostra um brilho fraco que se espalha por cerca de 400 mil quilômetros em torno do objeto interestelar, revelando uma grande nuvem de gás ao seu redor. Crédito: JAXAObservações recentes identificaram sinais de rádio e, de forma inédita, emissões de raios X. Agora, após a maior aproximação com a Terra, o 3I/ATLAS segue para deixar o Sistema Solar, podendo ter sua rota levemente alterada ao passar por Júpiter, em março.Entre fatos e boatos, o 3I/ATLAS mostrou como a ciência consegue separar especulação de evidência. O acompanhamento detalhado do objeto, registrando gás, poeira, anticauda e emissões inéditas, entre outras descobertas, oferece informações valiosas sobre a composição e o comportamento de corpos “intrusos” que cruzam o Sistema Solar, trazendo pistas sobre regiões ainda desconhecidas da Via Láctea.O post 3I/ATLAS: o cometa interestelar que desafiou a Ciência e atraiu fake news apareceu primeiro em Olhar Digital.