Castas autóctones ou nativas: a alma da viticultura local

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As uvas viníferas autóctones — também chamadas de uvas nativas ou indígenas — são aquelas originárias de uma região específica, resultado de séculos de adaptação natural ao seu ambiente. Diferentemente das variedades internacionais, como Cabernet Sauvignon ou Chardonnay, essas uvas expressam de forma mais profunda o terroir: a combinação de solo, clima, relevo, cultura e técnicas humanas que define a identidade de um vinho.Elas são a alma da viticultura local, guardiãs de tradições e da biodiversidade. Preservar e cultivar essas uvas é preservar a história do vinho em cada canto do mundo. O resultado são vinhos autênticos, com aromas, texturas e sabores únicos, muitas vezes impossíveis de reproduzir fora de seu território de origem.Ao meu ver, quando se busca pureza e naturalidade na produção dos vinhos, o respeito e a utilização destas castas nativas é o ponto de partida para se alcançar objetivos naturais. Vinhos varietais de castas nativas costumam ser a exata expressão da cultura e identidade da região produtora. Há que se respeitar a história e o “DNA” das videiras. Vou “passear” por diversas regiões onde a viticultura é considerável e, mais, de sabida relevância, destacando castas nativas delas. E começo pela Argentina, onde a casta Criolla, uva antiga, descendente das cepas trazidas pelos espanhóis no século XVI, produz vinhos leves, frescos, de taninos macios e notas de frutas vermelhas. No Chile a casta “País (Mission)” é considerada a uva mais antiga cultivada, trazida pelos colonizadores espanhóis; dá vinhos rústicos, leves, com acidez viva, notas terrosas e de frutas secas — hoje redescoberta em vinhos naturais e autênticos. No Líbano encontramos as castas Obeideh e Merwah, sendo a Obeideh: variedade branca local que apresenta aromas de frutas de caroço, mel e notas minerais; já a Merwah, também branca, confere frescor, notas cítricas e florais; acredita-se ser ancestral próxima da Semillon ou da Chasselas. Indo para a Grécia encontramos três uvas relevantes — Assyrtiko, Agiorgitiko e Xinomavro. Assyrtiko (de Santorini) é branca e mineral, a partir da qual se produz vinhos secos, vibrantes, com acidez marcante e notas salinas, refletindo o solo vulcânico da ilha; a Agiorgitiko é tinta do Peloponeso e gera vinhos macios, frutados, com taninos finos e aromas de cereja e especiarias; por seu turno a Xinomavro. Do norte grego, lembra o Nebbiolo pela estrutura e longevidade, entregando vinhos complexos, com taninos firmes e acidez alta.A Itália é “sui generis” quando se trata de castas nativas. O país possui centenas de uvas autóctones (nativas), incluindo variedades tintas como a Sangiovese, Nebbiolo, Barbera e Primitivo, e brancas como a Trebbiano e Glera. Essas uvas são fundamentais para os vinhos italianos, cada uma com características que refletem o terroir de onde vêm, e seu resgate tem ganhado cada vez mais destaque na produção vinícola. Destaque especial para a Úmbria, por conta da Sagrantino, tinta potente e tânica de Montefalco, com aromas de ameixa, especiarias e ervas; vinhos estruturados, longevos e intensos; que vêm ganhando significativa popularidade nos mercados consumidores mais exigentes. Também de lá, a Grechetto é a branca autóctone usada em Orvieto e gera vinhos frescos, de corpo médio, com notas de pêssego, amêndoas e ervas.De Portugal, no Douro, encontramos a Touriga Nacional, que é base dos grandes vinhos do Douro e do Porto; intensa, aromática, com taninos finos e notas florais e de mirtilo, e a Touriga Franca, mais delicada, contribui com elegância e perfume, equilibrando blends. Na Espanha a nativa catalã Xarel·lo é uma casta branca usada no Cava, que confere corpo, textura e notas de frutas brancas e ervas. Indo para a Alemanha vamos encontrar as castas tintas Helfensteiner e Heroldrebe que, depois de alguns cruzamentos, deram origem a outra casta marcante germânica, a Acolon, que nos entrega vinhos tintos de especial agradabilidade a bom custo. A Hungria tem uma das tradições vinícolas mais antigas da Europa, conhecida principalmente pelos vinhos doces de Tokaj, mas com uma riqueza de uvas autóctones impressionante. O país valoriza cepas que expressam seu clima continental e seus solos vulcânicos e calcários; sendo a mais emblemática a Furmint — uva branca mais importante da Hungria, base do lendário Tokaji Aszú e que possui acidez alta e capacidade de concentração de açúcar, resultando tanto em vinhos doces e longevos quanto em brancos secos minerais e vibrantes.No Brasil não existem uvas viníferas realmente autóctones, mas há variedades híbridas e adaptadas que se tornaram “nativas por adoção”, ou seja, uvas que nasceram ou evoluíram aqui e hoje são símbolos da viticultura brasileira. É o caso da Isabel — derivada da Vitis labrusca. Foi a primeira uva amplamente cultivada no Brasil (desde o século XIX). Originária dos EUA, adaptou-se perfeitamente ao clima do Sul. Produz vinhos simples, aromáticos e doces, com o típico aroma “foxado”, mas é histórica: foi a base da vinicultura brasileira por mais de um século.  Siga o canal da Jovem Pan News e receba as principais notícias no seu WhatsApp! WhatsApp Anoto que é possível encontrar no mercado nacional exemplares de todas as castas nativas citadas e encerro afirmando que as uvas autóctones são o elo entre a terra e a taça. Cada uma conta a história de seu povo, de seu clima e de sua paisagem. Num mundo de globalização vinícola, elas são o que garante a diversidade, identidade e autenticidade do vinho — e é justamente isso que torna cada garrafa única e inesquecível. Salut!  Leia também Conheça os vinhos premium brasileiros que merecem ser provados e adegados