A Conferência do Clima de 2025, a COP30 em Belém, representa um marco histórico para o Brasil e para o debate global sobre sustentabilidade. Depois de décadas, o setor começa a ocupar o papel que de fato merece: o de protagonista na busca por soluções climáticas.Essa mudança de perspectiva é resultado de um processo que começou em 2017 com o Koronivia Joint Work on Agriculture, o primeiro programa da ONU dedicado a discutir agricultura no contexto climático. Em 2022, esse trabalho ganhou novo fôlego com a criação do Sharm el-Sheikh Joint Work on Implementation of Climate Action on Agriculture and Food Security, aprovado na COP27. Essa nova fase marca o início de uma agenda de implementação concreta, com planos, indicadores e metas voltados à integração entre agricultura, segurança alimentar e mitigação de emissões.O mais recente relatório do SBSTA (Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice), braço técnico da Convenção do Clima, reforça essa evolução. O documento reconhece que os próximos dois anos serão dedicados à consolidação de metodologias e à ampliação da participação de países em desenvolvimento, abrindo espaço para que nações tropicais — como o Brasil — influenciem o futuro das políticas agrícolas sob o Acordo de Paris.Quer investir no setor? O Agro Times montou um guia com tudo que você deve saber antes de investir no agronegócioAgricultura tropical e mitigação: um eixo estratégicoO Brasil tem uma posição única nesse debate. A COP30, em solo amazônico, será a vitrine ideal para mostrar que a agricultura tropical pode ser o elo entre segurança alimentar, segurança energética e mitigação climática.Estudos recentes da FAO indicam que apenas 4,3% do financiamento climático global é destinado a sistemas agroalimentares, e menos de 1% chega aos pequenos produtores. Isso é paradoxal: os sistemas de produção de alimentos, que respondem por mais de um terço das emissões globais, são também os que possuem o maior potencial de captura de carbono e de geração de energia limpa.Nesse contexto, a integração entre agricultura, bioenergia e florestas tropicais se torna essencial. Tecnologias já testadas no Brasil, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), o uso de bioinsumos e a fixação biológica de nitrogênio, demonstram que é possível aumentar a produtividade e reduzir emissões ao mesmo tempo. A valorização de fontes renováveis no meio rural, como o biogás e os biocombustíveis de segunda geração, reforça a capacidade da agricultura de liderar a transição para uma economia de baixo carbono.Sharm el-Sheikh Joint Work: do diagnóstico à execuçãoO Sharm el-Sheikh Joint Work (SJWA) é hoje o principal espaço institucional da UNFCCC e da FAO dedicado à agricultura e segurança alimentar. Seu objetivo é promover uma visão integrada entre produção de alimentos, adaptação climática e transição energética, fortalecendo a coordenação entre governos, organismos multilaterais e instituições financeiras.Ao contrário da impressão de que representaria um conjunto de novas restrições ao setor agropecuário, o Sharm el-Sheikh Joint Work constitui uma oportunidade estratégica para países produtores como o Brasil. O programa oferece um espaço de cooperação em que a agricultura é reconhecida como parte da solução climática, e não como fonte do problema. Ele permite que as nações tropicais apresentem suas inovações sustentáveis (como sistemas integrados, bioinsumos e fontes de energia renovável no meio rural), ampliem o acesso a financiamento climático e participem da definição das regras internacionais que orientarão o futuro da produção de alimentos de baixo carbono.Além de realizar oficinas e diálogos regionais, o SJWA criou um portal online para reunir projetos e políticas de ação climática em agricultura. Esse sistema de trocas de experiências e dados é o primeiro passo para a construção de indicadores comuns e de metodologias mais adequadas à realidade dos países tropicais. Em outras palavras, é a porta de entrada para a tropicalização dos métodos de mensuração de emissões, um ponto central da agenda brasileira para Belém.A urgência de tropicalizar as metodologias agrícolasOs modelos globais de medição de emissões agrícolas foram desenvolvidos com base em climas e solos temperados, o que distorce a realidade de países como o Brasil. Fatores como o tipo de solo, a intensidade solar e a dinâmica da biomassa tropical fazem com que as emissões e a absorção de carbono ocorram de maneira muito diferente.A tropicalização das metodologias não é apenas uma reivindicação política, mas uma necessidade científica. Ela busca corrigir distorções que penalizam os produtores tropicais e impede o reconhecimento pleno das práticas de baixo carbono já adotadas em países em desenvolvimento. Ao ajustar parâmetros de emissões de metano, rever fatores de sequestro de carbono no solo e incluir o papel dos biomas tropicais de alta produtividade fotossintética, o Brasil poderá liderar uma mudança de paradigma: medir para valorizar, e não apenas para restringir.Essa revisão metodológica é também uma questão de justiça climática. Sem ela, corremos o risco de perpetuar um modelo global que beneficia países ricos e temperados, enquanto desincentiva justamente as regiões com maior capacidade de produzir alimentos e energia renovável.COP30: segurança alimentar e energética juntosA COP30 pode marcar o início de uma nova fase da diplomacia climática brasileira, baseada na integração entre alimentação e energia. O país tem todos os elementos para propor uma aliança tropical em torno da agricultura sustentável, destacando que a transição verde global depende de sistemas agroalimentares tropicais de baixo carbono.Essa abordagem permitiria incluir metas de produtividade sustentável e expansão da bioenergia nos compromissos climáticos nacionais (NDCs), desenvolver indicadores harmonizados de emissões e direcionar o financiamento climático para projetos que simultaneamente gerem alimentos, energia limpa e inclusão social. Tudo isso com salvaguardas que evitem conflitos entre produção de alimentos e geração de energia, e que garantam a participação das comunidades locais no processo decisório.Belém, portanto, tem a chance de ser mais do que palco simbólico. Pode se tornar o ponto de inflexão em que a agricultura deixa de ser vista como um desafio e passa a ser reconhecida como a base de uma economia global resiliente e sustentável.Da retórica à implementaçãoCom a COP30, o Brasil tem a oportunidade de exercer uma liderança inédita na governança climática internacional. A consolidação do Sharm el-Sheikh Joint Work e a valorização da agricultura tropical oferecem o caminho para unir três agendas antes tratadas separadamente: produção de alimentos, transição energética e mitigação de emissões.A agricultura tropical não é parte do problema — é parte essencial da solução. É nos trópicos que se produz mais alimento por hectare, se captura mais carbono por área e se gera energia renovável com menor custo. Reconhecer essa realidade é fundamental para uma transição justa e eficiente.Se a COP30 conseguir traduzir essa visão em compromissos concretos, o legado de Belém poderá ser o de uma nova geopolítica agrícola do clima, em que o Brasil mostra ao mundo que é possível alimentar o planeta e proteger o clima ao mesmo tempo.