A estratégia multiplataforma calculista da ESPN que desafia a lógica do “tudo grátis”

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As brigas do raxa político no São Paulo foram contadas por André Hernan em matéria publicada no site da ESPN na última terça-feira. Na quinta, Bruno Andrade e Felipe Silva escreveram sobre detalhes da investida do Shaktar Donetsk por Gabriel Mec, a revelação de 17 anos do Grêmio.Reforços recentes da ESPN, eles carregam o selo de jornalistas que transformaram bastidores em capital próprio, distribuindo informações exclusivas em redes digitais e colaborações pontuais com veículos tradicionais.Em breve, as apurações de Hernan e Andrade também estarão no “Fala Fonte”. O programa é um dos cinco novos projetos que simbolizam a ofensiva da ESPN no YouTube, plataforma onde o canal já soma 7,2 milhões de inscritos.Três dessas iniciativas já haviam sido reveladas nas últimas semanas. Agora, a lista se completa com um react de jogos feito por talentos da casa. Detalhe: as transmissões serão acompanhadas por um QR Code que leva direto para o Disney+, oferecendo ao fã a chance de assinar e assistir ao jogo ao vivo.Batizada de “experiência interativa”, o evento combina estúdio, escalação em tempo real e estatísticas ao vivo. A estreia foi no último sábado, com a narração sem imagens de Chelsea x Liverpool pela Premier League.A frente aberta pela ESPN no digital/YouTube terá o futebol como âncora, reciclará IPs já testados na TV, importará formatos da matriz americana, e será ancorada por uma estratégia sóbria.Nas palavras de Carlos Maluf: “não estamos sendo radicais na forma de como entrar no YouTube.”Por trás dessa cautela, está uma convicção pouco disfarçada: o YouTube pode ser vitrine e funil para atingir novos públicos, porém não é o centro do plano.Como bem explicou o head de esportes da Disney, trata-se de uma atuação multiplataforma que vem sendo construída há quase dois anos e entregará “conteúdo decente sem canibalizar o negócio principal.” Leia-se: TV paga e Disney+.O YouTube herdou o lugar de sucessor da era OTT, com a narrativa de ser “a nova TV” e sob o mantra “construa e eles virão”.Na conversa com Maluf dias antes da estreia da transmissão interativa, porém, ficou muito evidente que a ESPN não será movida pelo FOMO do tudo grátis no YouTube.É a segurança de quem ostenta um catálogo de US$ 80 bilhões em direitos esportivos adquiridos pela matriz nos últimos sete anos.A sobriedade como estratégiaA ESPN não embarca na fórmula da resenha e do humor exagerado (e muitas vezes forçado) que marcou a recém estreia da GE TV e rendeu acusações de cópia da CazéTV. A linha é outra: austeridade, sem concessões fáceis.“A forma de entregar informação será diferente. Não no mérito, mas pelo procedimento.”A frase matadora remete à época em que Maluf exerceu a advocacia até o início dos anos 2000, quando a ESPN carregava o “Brasil” no nome e o sinal HD acabava de chegava no país.No mês passado, Maluf recebeu um troféu com a réplica de uma das fadas da Disney em comemoração aos seus 25 anos na empresa. Suas quase três décadas de experiência, incluindo negociações de direitos, explicam o tom ponderado: ele sabe que é preciso conversar com o público jovem, mas sem entregar o “filé mignon” de graça.“Temos de tomar cuidado com o ambiente gratuito, onde alguns navegam com seu melhor evento. Nós somos diferentes.”O mantra: proteger o que ainda dá dinheiroNa ESPN, há um lema que funciona como missão de defesa: preservar o patrimônio de streaming e TV paga. E os números da matriz revelados recentemente pelo The Athletic reforçam a lógica.O canal ainda recebe cerca de US$ 15 mensais de cada um dos 61 milhões de lares com cabo ou serviços como YouTube TV, aproximadamente US$ 1 bilhão por mês, antes mesmo de vender anúncios. Vale lembrar que, em 2011, pouco mais de três décadas após sua estreia, a ESPN chegou a 100 milhões de assinantes.Essa proteção tornou-se ainda mais urgente em um cenário em que os direitos esportivos se fragmentaram. A pulverização da propriedade de mídia esportiva foi citada por Maluf em diversos momentos da conversa. Em um passado recente não era assim.O executivo foi nomeado como head de esportes da Disney no início de 2019 em um reflexo da fusão Disney e FOX. A ESPN Brasil passava, então, a ter um gestor responsável.“Basicamente, foi a junção de dois canais lineares, apesar de que a ESPN já tinha um destaque no digital. Isso não é de agora. Mas lá atrás, eu negociava com uma rede de TV a cabo no Brasil apenas.”Para retratar as metamorfoses do canal ( ESPN Internacional, ESPN HD, ESPN+, ESPN 360) Maluf usa a metáfora do filme que nunca para de rodar. Só que agora, a sala está abarrotada com “um monte de plataforma”.Hoje, são oito players no país disputando o mesmo filão de transmissões esportivas no YouTube, dentro do discurso multiplataforma. O digital virou o novo vetor de crescimento.Projeções recentes de James Mortimer indicam que o mercado de direitos deve crescer entre 4,5% e 6,2% ao ano até 2030, chegando a US$ 114 bilhões. O problema: os direitos “premium” são escassos e cada vez mais caros.E aqui está o ponto central da visão de Maluf: quem tem o conteúdo, controla a propriedade e decide onde vai exibir.“O YouTube não é o fim de tudo” avisa.Critério como vantagem competitivaMaluf defende que deter direitos exige critério. Ele rejeita, por exemplo, a estratégia de exibir um mesmo jogo em três canais distintos como fez a Globo recentemente, mostrando Brasil x Chile na TV aberta, SporTV e GE TV (YouTube). É uma prática que dilui valor.Na ESPN, a grade é definida com duas semanas de antecedência e segue princípios seletivos: todo direito vai para o Disney+; a TV pode abrir mão de jogos secundários, mas nunca do premium; e eventos pulverizados em múltiplos canais não entram.A grade da LaLiga ilustra essa lógica. No fim de semana, Sevilla x Barcelona ficou exclusivo do Disney+, enquanto Real Madrid x Villarreal foi dividido entre streaming e TV. E para a estreia no YouTube, Real Sociedad x Rayo Vallecano exibido com imagens.Maluf insiste: “não dá para ter tudo”, mas controlar os direitos permite atacar nichos estratégicos.A Série B virou um desses nichos e uma “grata surpresa”. Números acumulados até agosto mostram que a Segunda Divisão do Brasileiro tem impulsionado a audiência em 2025: +18% de alcance nos canais ESPN, chegando a 6,6 milhões de lares com TV paga e 12,6 milhões de pessoas (+12% vs. 2024). No primeiro semestre, o canal principal cresceu 23%, alcançando 5,5 milhões de lares.Nas redes, o efeito se multiplicou: a Série B gerou 1 milhão de interações, 15 milhões de views e 30 milhões de impressões em Instagram, Facebook, Twitter/X e TikTok.A força (e o limite) do digitalNo TikTok, a ESPN ainda ostenta o selo “Brasil” para se diferenciar da matriz. São 5,3 milhões de seguidores em apenas dois anos, mais que os 4,2 milhões do Instagram e próximo do YouTube. O crescimento, garante Maluf, foi 100% orgânico. A estratégia: de cinco a seis recortes de um mesmo conteúdo distribuídos em diferentes plataformas.O futebol domina o feed e concentra a audiência: já são mais de 503 mil curtidas acumuladas. No Instagram, há mais equilíbrio, com espaço para os esportes premium do portfólio: NBA, NFL e tênis. Na última quinta, o feed trouxe Stephen Curry na apresentação do Golden State Warriors e um lance de Facundo Cerundolo no ATP de Xangai.Essa vitrine digital, porém, não altera a hierarquia de direitos.A ESPN tem contrato com a NFL até 2033, inicia nesta temporada o novo acordo com a NBA por 11 anos, renovou o US Open por 12 temporadas e garantiu Wimbledon até 2036. Um pacote bilionário construído com renegociações feitas nos últimos sete anos. E Maluf avisa: eles não estarão no YouTube. Pelo menos por enquanto.O DTC não é ruptura!A ESPN está replicando no Brasil a mesma jogada global da Disney: migrar seu peso histórico para o digital, sem afetar o negócio principal de TV paga e streaming.No fim de agosto, o canal lançou nos EUA seu aguardado serviço direto ao consumidor. Por US$ 29,99 mensais, os fãs acessam todos os 12 canais lineares, sem cabo, satélite ou intermediários.O novo produto não busca canibalizar o cabo. Pelo contrário, todos os assinantes tradicionais continuam com acesso liberado ao novo aplicativo, mantendo a base bilionária de receitas. O DTC surge, assim, como complemento e não ruptura imediata.E os números validam a aposta: segundo dados da Antenna revelados na conferência Tuned In, ESPN e Fox One somaram 1 milhão de inscrições em apenas dez dias.O dado é relevante por um motivo simples: são novos clientes, não migrações de outros planos da Disney. Como destacou Rameez Tase, presidente da Antenna, ficou comprovado que existe um público fora do cabo disposto a assinar quando o produto é atraente.No Brasil, Maluf lembra que o D2C não é novidade. E o contexto ajuda: a TV a cabo encolhe em ritmo acelerado. Em junho, o número de acessos caiu 23% em relação a 2024, segundo a Teleco.O declínio afeta diretamente as receitas: R$ 2,7 bilhões em junho de 2025 contra R$ 3,3 bilhões no mesmo mês do ano anterior, menos R$ 600 milhões em um único trimestre.Fragmentação como regra do jogoNa nova ordem das transmissões, a pulverização dos direitos deixou de ser exceção.Como mostra o caso da ESPN no Brasil, essa realidade acelerou dois movimentos: serviços diretos ao consumidor (DTC) e transmissões em sinal aberto (OTA). O resultado é uma arquitetura multicamadas, que tenta equilibrar alcance, receita e relevância da marca.Na visão de Mortimer, o futuro é agnóstico em relação a plataformas. A nova lógica da mídia esportiva é encontrar os fãs onde eles estão, e não onde você gostaria que estivessem.Neste cenário reconfigurado e lotado, a ESPN encara a perda de exclusividades sem drama. Com a entrada da Globo na NFL, o canal foi forçado a desmontar seu super pacote de NFL e, a partir desta temporada, alterna as finais da NBA com o Prime Video.Para Maluf, a ESPN preserva seu prestígio ao oferecer o melhor do catálogo em todas as plataformas, mesmo que o tradicional slogan de “Líder Mundial em Esportes” tenha se rendido ao “Próxima Era” para simbolizar que está abraçando de vez o streaming não por opção, mas por necessidade.E o que está por vir ganha um tom pragmático darwinista em mais uma figura de linguagem usada pelo calejado executivo da Disney.“É a Lei de Darwin vivida: se não adaptar, você morre. E entender os formatos de negociações desses direitos é o ponto principal.”The post A estratégia multiplataforma calculista da ESPN que desafia a lógica do “tudo grátis” appeared first on InfoMoney.